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Novo implante cerebral traduz pensamento com a maior precisão já vista para fala em tempo real

Tecnologia conseguiu identificar palavras pensadas pelos participantes e exibi-las numa tela

Implante cerebral transforma pensamento em fala - Caltech/Divulgação

Neurocientistas do Instituto de Tecnologia da Califórnia, a Caltech, nos Estados Unidos, publicaram na revista científica Nature Human Behaviour os resultados de dois voluntários que receberam um implante cerebral para traduzir o pensamento em fala com a maior precisão já vista em tempo real.

A tecnologia é implantada numa área do cérebro chamada giro supramarginal, localizada no córtex parietal posterior, que foi identificada pelos cientistas como a responsável pelas palavras pensadas, como quando alguém “fala com si mesmo”.

O implante lê os sinais cerebrais da região e os traduz na palavra pensada, que surge no monitor. No estudo, os pesquisadores relataram o sucesso do experimento com os dois participantes, com a ferramenta sendo capaz de prever oito palavras com uma precisão de até 79%.

Os resultados do estudo animaram os pesquisadores, que buscam uma alternativa para indivíduos que perderam a capacidade de falar. Mas ainda é o que se chama de prova de conceito, ou seja, um passo inicial para demonstrar que de fato aquela hipótese faz sentido, mas que ainda não está disponível para testes clínicos.

“Estamos muito entusiasmados com essas novas descobertas. Reproduzimos os resultados em dois indivíduos, o que significa que isso não depende das particularidades do cérebro de uma pessoa ou de onde exatamente o implante foi colocado. De fato, é mais provável que isso se mantenha em uma população maior”, celebrou Richard Andersen, professor de Neurociência e líder do Centro de Interface Cérebro-Máquina da Caltech, em comunicado.

As tecnologias que estudam a interface cérebro–computador (BCIs, da sigla em inglês) têm avançado na comunidade científica. O objetivo é permitir que um indivíduo com uma forma de paralisia grave consiga se mover ou se comunicar. Para isso, um aparelho registra a atividade cerebral e a decodifica para controlar um computador, um braço robótico, um celular ou outros dispositivos pela mente.

Um dos exemplos que mais repercutiu recentemente é o Telepathy, chip da empresa Neuralink, do bilionário Elon Musk. A primeira unidade foi inserida neste ano num participante em estudo, que conseguiu mover o mouse com o cérebro.

Mas o dispositivo, embora mais popular, não é o primeiro a alcançar o efeito – um mais avançado chamado Stentrode, da empresa Synchron, permitiu que pacientes com esclerose lateral amiotrófica (ELA) enviassem mensagens de texto, de e-mail, administrassem finanças pessoais, realizassem compras on-line e comunicassem a necessidade de cuidados.

Em relação à fala, também há implantes em estudos iniciais que avançaram nos últimos cinco anos. Em 2021, cientistas da Universidade da Califórnia em San Diego (UCSF) relataram um aparelho que permitiu um homem com paralisia grave se comunicar a partir de frases que surgiam instantaneamente numa tela, ainda que num ritmo lento de até 18 palavras por minuto.

Dois anos depois, pesquisadores das universidades de Stanford e Brown publicaram o caso de um modelo mais avançado, que chegou a 62 palavras por minuto. No mesmo mês, a equipe da UCSF também divulgou uma nova versão de seu implante, que foi ainda mais longe: 80 palavras por minuto. Para comparação, a fala comum costuma chegar a 150.

No entanto, a diferença desses implantes para o novo da Caltech é que eles leem sinais cerebrais registrados nas áreas motoras quando um participante sussurrava ou imitava palavras, tentando proferi-las. Já detectar o diálogo interno, pensado, é muito mais difícil pois não envolve nenhum movimento, explica a pesquisadora Sarah Wandelt, principal autora do novo artigo.

O implante da Caltech se mostrou o mais preciso até agora nessa previsão de palavras internas. Os responsáveis destacam que o implante foi treinado para reconhecer os padrões cerebrais produzidos pelos participantes e que lê apenas a palavra em que o voluntário está se concentrando – por isso, não é capaz de ler os pensamentos de alguém sem permissão.

Embora preliminar, a expectativa dos cientistas é que no futuro a tecnologia avance para auxiliar pacientes com paralisia ou doenças graves: “os distúrbios neurológicos podem levar à paralisia completa dos músculos voluntários, o que faz com que os pacientes não consigam falar ou se mover, mas ainda são capazes de pensar e raciocinar. Para essa população, um BCI de fala interna seria extremamente útil", diz Wandelt.