LUXO

Brasileiros entram na rota de cruzeiros de alto luxo, com diárias de R$ 5 mil

Número de milionários no país dobra desde o pré-pandemia e atrai empresas de viagens

Navio da Explora Journeys, marca do grupo suíço MSC - Explora Journeys/Divulgação

Entusiastas de navios e com um contingente crescente de endinheirados dispostos a pagar muito por experiências, os brasileiros entraram na rota dos cruzeiros de alto luxo. É uma nova tendência na qual as principais empresas internacionais do setor estão investido, e o Brasil virou alvo natural do esforço de vendas delas.

Além de ser um país ainda pouco explorado comercialmente pelas empresas desse segmento, o entendimento é que não falta por aqui gente que pode pagar por privilégios em alto-mar. Segundo a Receita Federal, o número de pessoas com patrimônio acima de R$ 1 milhão quase dobrou no país entre 2019 e 2023: foi de 1,3 milhão para 2,3 milhões.

Quem compra os pacotes pode desfrutar das comodidades usuais dos cruzeiros, como piscina, academia, bons restaurantes. Mas o diferencial está em não enfrentar filas para tomar um drinque e poder relaxar sem o incômodo de conversas em alto volume e gritinhos infantis.

As embarcações são espaçosas, mas menores que os navios de cruzeiros tradicionais, que transportam mais de 2 mil hóspedes. Os superiates levam entre 100 e 800 pessoas. As cabines são duplas, indicando que crianças não são bem-vindas. Afinal, o público-alvo é o viajante experiente, de 45 a 60 anos, que já percorreu o mundo e agora busca um novo olhar para destinos conhecidos ou exóticos, como a Antártica.

Para conquistá-los, as companhias oferecem experiências únicas, do menu degustação de chefs renomados com harmonização de vinhos a guias turísticos superqualificados para dar informações sobre os locais visitados, como biólogos ou historiadores. Claro, tudo isso tem um preço. Embora os valores variem de acordo com a empresa e o destino, as diárias ficam em torno de US$ 1 mil (R$ 5,1 mil) por pessoa.

No ano passado, o grupo suíço MSC lançou seu primeiro navio da Explora Journeys, sua marca de luxo, no qual todas as suítes têm vistas panorâmicas para o oceano.

Há ainda seis restaurantes, quatro piscinas (três aquecidas ao ar livre e uma com teto retrátil) área fitness de 270 metros quadrados e muitas opções de entretenimento refinado. Sete noites no Mediterrâneo, por exemplo, saem a partir de US$ 5.250 (R$ 26,8 mil) por pessoa.

Americanos e europeus com idade média de 53 anos são maioria, mas o Brasil já está entre os dez maiores mercados da Explora Journeys. A marca lança em agosto o segundo navio, o Explora II, e prevê entregar outras seis embarcações até 2028.

Demanda crescente
Segundo dados mais recentes da Organização Mundial do Turismo, as viagens internacionais somaram 235 milhões de chegadas só nos três primeiros meses de 2023, mais que o dobro do ano anterior, apontando para um aquecimento do apetite por experiências desde a pandemia.

O segmento de cruzeiros foi um dos mais afetados pelo isolamento, despencou de 30 milhões de passageiros em 2019 para 5,8 milhões em 2020, quando a Covid se espalhou pelo mundo, segundo a Clia, associação internacional do setor. Mas recupera-se rapidamente.

A previsão é que 36 milhões de pessoas passem pelos navios neste ano. Com a demanda aquecida, 44 novas embarcações saem dos estaleiros nos próximos quatro anos. Algumas delas vão para o segmento de luxo, cujo embarque geralmente se dá no exterior.

O mais recente Relatório de Cruzeiros Marítimos da Clia Brasil, elaborado em parceria com a FGV, mostra que 75.300 turistas residentes no Brasil embarcaram em cruzeiros lá fora em 2022, movimentando R$ 554 milhões, alta de 70% em relação ao ano anterior.

Rosana de Moraes, professora de Marketing da FGV especializada em mercado de luxo, avalia que o que mais atrai os brasileiros nos cruzeiros tradicionais é a possibilidade de experimentar diferentes destinos e experiências sem preocupações como trocas de hotéis, escolha de restaurantes e translados, além da oportunidade de fazer novas amizades. Mas nos cruzeiros de luxo, ela explica, o desejo é o oposto:

— Busca-se um ambiente mais intimista, de convívio mais restrito, com a garantia de conforto, gastronomia e mordomia dignos de hotéis cinco estrelas. O menor porte dessas embarcações também facilita o acesso a portos mais reservados.

A empresária Vera Lopes conta que, quando jovem, conheceu muitos países trabalhando em multinacionais. Agora, faz cruzeiros de luxo duas vezes no ano por lazer. Em 2023, foi do Rio a Montevidéu, no Uruguai, e navegou entre Egito, Israel e Jordânia.

— No navio, o que mais gosto é a liberdade para descansar. Um mordomo desfaz sua mala, você não tem trabalho com translados. Se fosse, por exemplo, para a Grécia ou Caribe de avião, perderia metade do tempo com os deslocamentos.

O carro-chefe das operadoras de cruzeiros de luxo têm sido as expedições para os polos Norte e Sul. Essa, inclusive, é uma das razões para a britânica Swan Hellenic intensificar o investimento em promoção no Brasil. A próxima viagem de nova noites para a Antártica, em dezembro, custa a partir de US$ 8 mil (R$ 41 mil).

— O Brasil é próximo de Ushuaia, na Argentina, de onde saem os cruzeiros da empresa para a Antártica. Fazia sentido apostar em um mercado mais próximo e com disposição de ir até o destino. Outro fator que influenciou foi o brasileiro ser aberto a novos destinos e experiências — diz o CEO da empresa, o italiano Andrea Zito, considerado um “magnata dos cruzeiros”. — Acredito que em dois anos o número de passageiros brasileiros possa dobrar.

Heliponto disponível
A Swan Hellenic tem dois navios cinco estrelas de classe polar PC 5, o SH Minerva e o SH Vega, próprios para gelo. Cada um acomoda 152 hóspedes em 76 cabines espaçosas, a maioria com varanda. Os tripulantes variam de 120 a 140, incluindo 12 guias de expedição especializados.

Nesses cruzeiros, é possível ter ainda mais exclusividade. Há o equivalente à classe executiva dos aviões. Com sede em Miami, a Silversea tem cruzeiros de luxo que variam de 100 a 728 passageiros que transitam por todos os continentes.

Um roteiro de sete noites pelas Ilhas Galápagos no navio Silver Origin, por exemplo, pode custar US$ 13 mil (R$ 66,4 mil) por pessoa numa suíte clássica até US$ 43,3 mil (R$ 221 mil) na suíte Owner, equivalente à presidencial. Depois do México, o Brasil é o segundo mercado mais importante para a companhia na América Latina.

No Grupo Scenic, os brasileiros já representam 3% das vendas, mas a empresa vê um potencial de alcançar 5% em dois anos. A companhia acaba de lançar seu terceiro superiate, o Emerald Kaia, com capacidade para 128 passageiros, mas a viagem inaugural só acontece em 2026.

Duas outras embarcações, o Scenic Eclipse I e o II, já oferecem a experiência de menu degustação, chamada de Chef Table, para passageiros selecionados: os que contratam suíte executiva, viajam pela segunda vez com a empresa ou são convidados do comandante.

Os navios contam com heliponto para proporcionar passeios de helicóptero e também têm minissubmarinos, cujo custo extra é de US$ 500 (R$ 2,5 mil) por pessoa em passeios de meia hora em profundidades suficientes para ver o fundo do mar com segurança.

— É um mercado em expansão, porque temos um enorme número de novos milionários. E existe um nicho de consumidores que procura viagens mais exclusivas. Como os navios são menores, você consegue chegar a portos que não conseguiria com grandes embarcações. A própria programação dos roteiros tem como diferencial com experiências exclusivas — conta Ricardo Alves, diretor-geral da Velle, representante exclusiva do Grupo Scenic no Brasil.

Para atrair passageiros que buscam exclusividade, a Regent Seven Seas Cruises tem a bordo de seus navios até coleções de arte. O mais novo, o Grandeur, conta com a pintura-tapeçaria “A Árvore Encantada”, do artista carioca Walter Goldfarb, com quase 50 metros quadrados.

Mas não é todo mundo que pode contemplá-la. Um cruzeiro de 14 noites pelo Mediterrâneo nessa embarcação custa entre US$ 16.499 (R$ 83,7 mil) e US$ 83.999 (R$ 428,8 mil), a depender da cabine escolhida.