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Morte de presidente do Irã: Quem era o chanceler morto em queda e que foi substituído por negociador

À frente da pasta desde 2021, Hossein Amir-Abdollahian era diplomata de carreira e linha-dura como Ebrahim Raisi; o governo anunciou Ali Bagheri Kani como 'interino'

O ministro das Relações Exteriores, Hossein Amir-Abdollahian - Reprodução/X

Para além do presidente do Irã, Ebrahim Raisi, o acidente aéreo no domingo também matou o ministro das Relações Exteriores iraniano, Hossein Amir-Abdollahian. Diplomata de carreira e linha-dura assim como o presidente, o chanceler assumiu o cargo na pasta em 2021, após a vitória de Raisi nas eleições, em meio a um período volátil para os laços regionais do Irã e seu relacionamento com o Ocidente. Ficou conhecido por seu forte sentimento anti-Israel e seu ceticismo em relação ao Ocidente. O responsável pelas negociações sobre o programa nuclear do Irã, Ali Bagheri Kani, foi nomeado chanceler interino, anunciou o porta-voz do governo nesta segunda-feira.

Considerado como um forte aliado do Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos do Irã (IRGC), força de elite do país, Amir Abdollahian também teria tido um relacionamento próximo com o major-general Qassim Soleimani, poderoso líder da Força Quds dos Guardas Revolucionários morto pelos Estados Unidos em um ataque de drone em 2020. Ele elogiou o "gênio estratégico" de Soleimani e, em uma entrevista em junho de 2020, chamou-o de "verdadeiro diplomata" por suas habilidades de negociação.

Amir-Abdollahian nasceu na cidade de Damghan, a leste de Teerã, em 1964. Era casado e tinha dois filhos. Formou-se em relações internacionais em 1991 na Universidade de Teerã, onde também viria a completar o mestrado e doutorado na mesma área. Era fluente em árabe e sua experiência diplomática se concentrava nas relações do Irã no Oriente Médio. Passou três anos como embaixador do Irã no Bahrein de 2007 a 2010 e, de 2011 a 2016, sob o antigo presidente populista Mahmoud Ahmadinejad, atuou como vice-ministro das Relações Exteriores para assuntos árabes e africanos.

Postura firme com Washington
Sua gestão como chanceler foi totalmente diferente da de seu antecessor, Mohammad Javad Zarif, diplomata moderado, educado nos EUA, que ajudou a intermediar o acordo nuclear de 2015 entre o Irã e as potências mundiais, inclusive Washington. Zarif fez o acordo em estreita colaboração com John F. Kerry, que atuou como secretário de Estado do presidente Barack Obama, e mais tarde foi identificado em uma fita de áudio vazada discutindo uma rivalidade com o general Suleimani.

Depois de ser confirmado como ministro em 2021, Amir Abdollahian enfatizou que as relações do Irã com seus vizinhos — incluindo a potência muçulmana sunita da região, a Arábia Saudita — seriam uma prioridade máxima, empenhando seus esforços diplomáticos para acabar com o isolamento de Teerã e compensar o impacto das sanções americanas sobre o contestado programa nuclear iraniano.

Em um acordo histórico mediado pela China, Teerã e Riad concordaram em março passado em restaurar os laços e reabrir as suas respectivas embaixadas após um longo desentendimento.

Liderou também os esforços para reiniciar as negociações paralisadas sobre o programa nuclear do Irã, após um acordo de 2015 com países ocidentais ter sido abandonado pelo ex-presidente Donald Trump em maio de 2018. Amir Abdollahian assumiu rapidamente uma posição mais dura contra os Estados Unidos nas negociações, afirmando que, em troca da aceitação dos limites impostos pelo acordo, o país persa exigia muito mais alívio de sanções do que recebeu no acordo nuclear de 2015.

As negociações estão paralisadas desde a retirada unilateral dos Estados Unidos em 2018 do acordo internacional por iniciativa do então presidente Donald Trump.

Relação com Israel
Amir Abdollahian também foi figura-chave na repercussão do ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro, dando início à guerra na Faixa de Gaza. O grupo é um dos vários apoiados e financiados pelo Irã no Oriente Médio, assim como o Hezbollah no Líbano e os Houthis, no Iêmen — o chamado "Eixo de Resistência". O chanceler mencionou a ameaça de um conflito mais amplo durante meses.

Em abril, a guerra velada entre Irã e Israel veio à tona após um ataque atribuído a Israel destruir o consulado iraniano em Damasco, capital da Síria, e, segundo a ONG Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), ter causado 16 mortes, incluindo sete membros da Guarda. Teerã prometeu "punir o regime maligno" e, na madrugada de 13 de abril, lançou um ataque com mísseis e drones — pela primeira vez na História — a partir de seu território.

Amir-Abdollahian defendeu a resposta de Teerã, afirmando que o ataque com mais de 300 drones e mísseis ocorreu "no âmbito da legítima defesa e do direito internacional". Pouco dias depois, minimizou um suposto ataque retaliatório israelense à província central de Isfahan, onde fica uma importante instalação nuclear, dizendo que era semelhante a uma brincadeira de "crianças".

O chanceler também condenou repetidamente os EUA por apoiarem a campanha militar de Israel em Gaza. Em uma entrevista ao The New York Times, em novembro, ele disse:

— Se os EUA continuarem a dar apoio militar, político e financeiro a Israel e ajudarem a administrar os ataques militares de Israel contra civis palestinos, eles deverão enfrentar as consequências.
 

Chanceler interino
O vice de Amir Abdollahian para assuntos políticos, Ali Bagheri Kani, foi nomeado “interino” do Ministério das Relações Exteriores nesta segunda-feira. Bagheri tem liderado as delegações iranianas que negociaram secreta e indiretamente com os EUA em Omã em pelo menos três ocasiões no ano passado. As negociações trataram dos ataques Houthi a navios no Mar Vermelho, do ataque a militares americanos no Iraque e na Síria por representantes do Irã, e de um cessar-fogo em Gaza.

A nomeação de Bagheri foi anunciada pelo porta-voz do governo, Ali Bahadori Jahromi. Considerado próximo ao líder supremo Ali Khamenei, Bagheri, 56 anos, foi nomeado em setembro de 2021 como vice-ministro das Relações Exteriores e responsável pelas negociações sobre o programa nuclear.

Após a conclusão do acordo de 2015, Bahgeri reprovou o governo moderado anterior do presidente Hasan Rohani por aceitar restrições ao programa nuclear do país e permitir o acesso de “estrangeiros” às usinas nucleares iranianas. No ano passado, no entanto, defendeu as negociações com o Ocidente e criticou “aqueles que, sob o pretexto de defender valores, tentam dar à negociação um aspecto antivalores”.