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Macron viaja a Nova Caledônia para tentar conter crise desencadeada por pró-separatistas indígenas

Tensão recente entre população Kanak e Paris, que resultou em uma morte e centenas de feridos, foi provocada pelo plano francês de dar direito de voto a milhares de residentes que não são da etnia

O presidente francês, Emmanuel Macron, desembarca no território francês da Nova Caledônia - Foto: AFP

O presidente da França, Emmanuel Macron, viajou nesta quarta-feira para o território francês da Nova Caledônia, em uma visita politicamente arriscada, com o objetivo de neutralizar uma crise após nove dias de tumultos que mataram seis pessoas e feriram centenas. A decisão repentina de voar para o arquipélago no sudoeste do Pacífico é um sinal da gravidade com que o governo vê a violência pró-separatista.

Na tensão mais recente em quatro décadas, indígenas Kanaks, que representam cerca de 40% da população, se posicionaram de maneira contrária a um plano francês de conceder o direito ao voto a milhares de residentes não indígenas que vivem no território há pelo menos 10 anos. Hoje, apenas os eleitores registrados em 1998 e seus descendentes podem participar das eleições do território. Os independentistas nativos consideram que a ampliação do censo deve marginalizar ainda mais o povo Kanak nas instituições provinciais, que têm amplas atribuições transferidas por Paris. Já os representantes anti-independência querem que o plano seja levado adiante.
 

A Nova Caledônia, colonizada na segunda metade do século XIX, e outros territórios ultramarinos espalhados pelo globo são considerados parte integrante da França. Mas há muito tempo existem tensões entre o governo de Paris e vozes pró-independência entre a população Kanak do território. A França também tem se preocupado com a interferência estrangeira na crise, acusando o Azerbaijão de provocar distúrbios. Nesta semana, o governo da Nova Caledônia afirmou que um provedor de internet do território havia sofrido um ataque cibernético “sem precedentes”.

Espera-se que Macron passe cerca de 12 horas no local e crie uma força-tarefa para lidar com a crise, após mudar sua agenda para o resto da semana antes das eleições europeias de junho. O presidente francês visitou a Nova Caledônia pela última vez em uma viagem boicotada por representantes dos Kanak em julho de 2023.

— É dobrar ou desistir. É uma aposta — disse um conselheiro presidencial, pedindo para não ser identificado, enquanto um parlamentar descreveu a viagem como uma ‘jogada de pôquer’.

A natureza de última hora da viagem era tal que uma agenda para Macron estava sendo elaborada durante o voo de 24 horas, sem saber quem estaria disposto a se encontrar com ele.

— Isso é improvisação absoluta — disse uma fonte próxima a Macron.

"Ataque cibernético sem precedentes"
As autoridades francesas enviaram mais de mil soldados, policiais e outros reforços de segurança em uma tentativa de conter a violência. Mas a agitação continuou, embora não na escala dos primeiros dias. A Nova Caledônia, um popular destino de férias, está agora repleta de veículos, lojas, empresas e escolas queimadas. Duas escolas primárias e 300 carros em uma concessionária foram incendiados na capital do território, Noumea, durante a noite, informou o gabinete do prefeito à AFP.

Segundo as autoridades, a polícia prendeu mais de 280 “desordeiros” na agitação que atinge o território francês de 270 mil habitantes. Os separatistas Kanak, alguns mascarados e empunhando catapultas caseiras, ocuparam bloqueios de estrada improvisados, inclusive na rota principal para o aeroporto internacional, disseram os correspondentes da agência francesa

Moradores armados, de origem francesa e de outras origens, montaram suas próprias barricadas nos bairros.

— Não sei por que o nosso destino está sendo discutido por pessoas que nem sequer moram aqui — disse Mike, de 52 anos, um Kanak que deu apenas seu primeiro nome, em um bloqueio de estrada não oficial ao norte da capital Noumea. — [A voz dos Kanaks locais] não está sendo ouvida.

O governo da Nova Caledônia disse que os serviços de telecomunicações conseguiram interromper um ataque cibernético “sem precedentes” em massa por e-mail contra um provedor de internet do território, mas não antes de afetar um “grande número” de organizações, incluindo bancos, disse a prefeita de Noumea, Sonia Lagarde, à emissora France 2.

— Milhões de e-mails foram enviados simultaneamente para um endereço eletrônico cujo objetivo era saturar [a rede e torná-la inoperante] — explicou o membro do governo Christopher Gyges aos repórteres.

O escritório do promotor público de Paris disse à AFP que sua unidade de crimes cibernéticos assumiu a investigação do ataque.

"Terrivelmente triste e perigoso"
Os turistas encurralados começaram a fugir. A Austrália e a Nova Zelândia enviaram aviões militares ao pequeno aeroporto Magenta de Noumea na terça-feira para repatriar cerca de 100 pessoas. Outros voos serão organizados até que o principal Aeroporto Internacional La Tontouta seja reaberto para voos comerciais, o que a operadora espera que ocorra no sábado.

A França acusou o Azerbaijão de interferência ao apoiar os separatistas, mas Baku negou as acusações. Uma opção aberta a Macron em sua visita seria adiar o projeto de lei de direitos de voto, que foi aprovado pela Câmara baixa, mas ainda precisa ser ratificado por um congresso de ambas as câmaras do Parlamento francês.

— A situação é terrivelmente triste e perigosa — disse o ex-primeiro-ministro francês Edouard Philippe na terça-feira. — A França, que tem uma relação complicada com sua história colonial, tem a oportunidade de encontrar uma solução original.