O escritor cubano Leonardo Padura acredita que Cuba vive uma "distopia"
Padura, de 68 anos, também garantiu que "o mais importante" é que os seus livros sejam lidos pelos cubanos
O escritor cubano Leonardo Padura acredita que Cuba vive uma “distopia”, um mundo imaginário onde parece que nada muda nem funciona, mas mesmo assim a sociedade continua operando e experimentando “muitas mudanças”, disse ele em entrevista à AFP.
O autor de "O homem que amava os cães", que participa no Panamá do festival literário 'Centroamérica Cuenta', afirmou que prefere ficar em Cuba porque lá estão as suas "referências" culturais.
Padura, de 68 anos, também garantiu que "o mais importante" é que os seus livros sejam lidos pelos cubanos, apesar de serem "invisíveis" nos canais oficiais.
Pergunta: Algo está mudando em Cuba?
Resposta: Há um problema em Cuba, uma vez que o sistema econômico sócio-político é o mesmo há mais de 60 anos, parece que nada acontece, mas na sociedade cubana ocorrem muitas mudanças.
Por exemplo, agora existem pequenas empresas privadas que estão aproveitando todos os espaços que a ineficiência do Estado criou durante esses anos.
Por outro lado, houve explosões de descontentamento popular que tiveram uma resposta repressiva muito dura. E essa política dos Estados Unidos (...) pensa que com uma política de confronto vão mudar as coisas em Cuba, mas isso não deu e não dará frutos.
P: Em Macondo, de Gabriel García Márquez, o ar parece não fluir, enquanto em A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende, tudo se move. Com qual Cuba se parece mais?
R: Cuba é mais como uma história de distopia. É aquele lugar onde foi criada uma estrutura em que as coisas funcionam com códigos muito específicos. Sou fumante, mas se você me perguntar quanto custa um maço de cigarros em Cuba, não saberei dizer. E se você me perguntar onde posso comprá-los, também não sei dizer. O fato é que compro cigarros.
Todas as estruturas estão alteradas, vocês não sabem exatamente como as coisas funcionam e ainda assim elas seguem funcionando.
"Cuba é meu lugar"
P: Haverá algum tipo de mudança importante em Cuba?
R: Espero que sim. Confio na dialética. Acho que sim, pode haver. O tempo dirá.
P: Você ama um lugar onde não pode vender os mesmos livros que vende em outro país?
R: Se você começar a ter uma atitude de ódio e eliminado você está se envenenando. O conceito de Cuba é muito maior que um governo. Meus livros foram publicados em Cuba, embora os mais recentes não tenham sido publicados. A razão pela qual eu digo é que falta papel, e realmente falta papel. Publicamos por meios alternativos e as pessoas acessaram meus livros de uma forma ou de outra. Então, sim, sou invisível nos canais oficiais, mas de alguma forma sou visível para os leitores cubanos e isso é o mais importante.
P: Você nunca pensou em sair de Cuba?
R: Penso nisso todos os dias, mas também acho que não deveria fazer isso.
P: Por quê?
R: Porque é o meu lugar; Aí está minha cultura, minha língua, minha família, minhas referências; Aí está minha literatura, meus personagens. Os meus conflitos têm a ver com essa realidade cubana.
"Crônica da realidade"
P: Que papel os artistas cubanos exercem atualmente?
R: Cada um tem que fazer o seu trabalho artístico e cada um deve fazê-lo a partir das suas condições, com as suas perspectivas, com os seus interesses.
Não posso dizer aos outros como escrever, como agir ou pintar. Sei como devo escrever e escrever literatura que questiona a realidade, que tenta mostrar e fazer uma crônica sobre essa realidade.
P: Você costuma se reprimir ao escrever ou não se importa?
R: Não, eu não me importo. Existem limites éticos que devemos respeitar.
P: Na América Latina vemos presidentes como Javier Milei na Argentina ou Nayib Bukele em El Salvador. Estaremos sempre condenados ao extremismo?
R: Estamos vivendo uma paródia, mas não há paródia maior do que ver (Donald) Trump em um tribunal em Nova York ou saber que a primeira-ministra da Itália (Giorgia Meloni) censura e leva os escritores a julgamento. Na Europa existem personagens como Milei e Bukele, e às vezes até piores. Não existe sociedade mais perversa que a chinesa e todos negociam com os chineses e isso parece perfeito. Portanto, não acho que sejamos os piores do mundo de forma alguma.