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"Corre que esse boy... é lixo!": Mariana Aydar atualiza o forró em disco e show com Mestrinho

Em álbum gravado com o acordeonista, cantora desconstrói representação frágil ou controlada da mulher, frequente no gênero musical, para apresentar perspectiva feminina como protagonista do próprio desejo

Mariana Aydar: 'O forró está na Europa, no Japão, no Chile, na Argentina. Lugares em que só 10% do público é de brasileiro. O estrangeiro está entendendo o valor que, às vezes, não é dado aqui' - Divulgação

Mariana Aydar e Mestrinho se conheceram no hospital. A cantora tinha ido visitar o amigo Dominguinhos (1941-2013), pilar da sanfona brasileira que estava em seus últimos momento de vida, quando avistou o jovem acordeonista, discípulo do lendário músico pernambucano, com o instrumento pendurado no corpo. "Deve estar voltando de um show", pensou ela. Mas quando os dois subiram rumo ao quarto de Dominguinhos...

— Mestrinho começou a tocar. E o Dominguinhos (então, em coma) mexeu a mão. Foi tão lindo... Soube que Mestrinho fazia aquilo todos os dias e, aí, me apaixonei de vez... — lembra Mariana, diretora de um documentário sobre Dominguinhos.

A paixão — musical, diga-se — desaguou no disco "Mariana e Mestrinho", lançado em abril e cujo show de lançamento acontece nesta sexta-feira (24), no Circo Voador, na Lapa, Rio de Janeiro. A noite também contará com apresentação do Forróçacana, banda ícone do gênero musical que sacudiu a cena noturna carioca com arrastapés ao som de clássicos e canções autorais no fim dos anos 1990 para os 2000.

Produzido por Tó Brandileone, o álbum de Mariana e Mestrinho é uma celebração do encontro criativo dos dois e também do amor que compartilham pelo forró pé-de-serra. Traz canções inéditas e clássicos do gênero, como “Isso aqui tá bom demais” e “Cheguei pra ficar”, de Anastácia e Dominguinhos, que também assina "Te faço um cafuné", resgatada por Mestrinho em um álbum obscuro do sanfoneiro. A nova versão embala a novela "Renascer".

— A nossa foi a que entrou na novela, mas quando isso acontece, todas as outras versões ganham força. Música em novela é bom porque fura a bolha — comemora Mariana.

O disco conta ainda com participações de convidados escolhidos a dedo. Caso de Gilberto Gil, considerado pela dupla nome fundamental para a derrubada de fronteiras entre o forró e toda a música brasileira.

— Gil nos ensinou o tipo de amor de que fala em “Drão”. “Até o fim”, que ele gravou com a gente, fala desse amor que continua mesmo após o término. Além disso, é um guardião do forró num lugar em que o gênero quebra barreiras. Porque a gente coloca o forró no posto de música regional, o que é estranho. O samba também é regional, do Rio. Por que só fazemos isso com o forró? É preciso entendê-lo como pilar da construção da música brasileira. E Gil sempre fez isso — observa Mariana.

É um entendimento que tem acontecido em outros países, segundo ela, com show marcado em Berlim, em agosto. No ano passado, se apresentou em Portugal. Mestrinho, por sua vez, está prestes a embarcar para turnê na Suíça.

— O forró está na Europa, no Japão, no Chile, na Argentina. Lugares em que só 10% do público é de brasileiro. O estrangeiro está entendendo o valor que, muitas vezes, não é dado aqui. Ainda existe preconceito com o forró pé-de-serra. Esse que não é o piseiro, eletrônico, mas de trio, aquele que Luiz Gonzaga inventou — analisa ela. — Acho que isso vem desse nosso complexo de vira-lata, de não se apropriar das nossas coisas e não entender que as mais simples são as mais sofisticadas.

A participação das cantoras Juliana Linhares e Isabela Moraes no disco também é certeira. Engrossa o coro feminista que Mariana está interessada em espalhar desde “Veia nordestina”, disco com que ganhou o Grammy Latino de Melhor Álbum de Música de Raízes em Língua Portuguesa, em 2020. Foi quando começou a encomendar músicas que discutiam assuntos sob a perspectiva feminina.

É é o que as três artistas (além de Mestrinho) continuam a fazer em “Alavantu Anahiê”, canção que coloca a mulher como protagonista de seu desejo: “Não venha me dizer por onde devo andar/ Eu quero me perder/ Não vem prender meu calcanhar.../ Forró só presta assim/ Dança um tiquim, puxa outro par”.

— Vai na desconstrução daquela imagem de “florzinha” ou de “minha mulher dança com quem eu quiser”, que já foi bastante cantada no forró — recorda Mariana.

“Boy lixo” mete o dedo na ferida do esquerdo-macho: “Corre, que esse boy... é lixo/ Agora é moda o sujeito se dizer/ Hétero top, tem até no BBB/ Posta foto, diz tá pago todo dia/ Tira selfie no espelho da academia/Faz de tudo no Instagram pra aparecer/ Mas trata mulher mal/ E ninguém, vê/ E finge ser o tal/ pra todo mundo ver/ E faz assédio virtual/ Mas paga de legal...”

— Precisamos atualizar os assuntos. ‘Boy lixo’ é tentativa de abrir esse espaço para o olhar feminino nas letras do forró, falar de temas importantes com humor e irreverência, linguagem do forró — acredita Mariana. — Elba Ramalho tem muita importância nisso, cantou músicas sobre o nosso desejo e trocou o gênero masculino pelo feminino muitas vezes. Mas ela já gravou esse repertório lindamente. Senti necessidade de músicas novas. E é legal ver como tem ressonância nas mulheres, que se sentem finalmente representadas.

Mariana sabe do que está falando. Está inserida no universo do forró há décadas. Em 2020, ao criticar certa marginalização do gênero musical nordestino, se viu no centro de uma polêmica nas redes. Para alguns internautas, pegou mal uma entrevista intitulada “Mariana Aydar dá protagonismo ao forró marginalizado no Grammy Latino” já que a cantora é paulista.

 

Ela não vestiu a carapuça. Seguiu firme cantando seu forró sem jamais jogar a toalha. E enfrentando a gangorra dos altos e baixos que o estilo sempre encarou no Brasil.

— Minha história com forró é tão de verdade, tão sincera que me protege, me blinda — diz. — Forró, para mim, é um estilo de vida. Encontrei a maioria dos meus amigos, o pai da milha filha (o músico Duani)... Ela mesma é fruto disso — conta a cantora, que batizou a menina de Brisa por causa da canção "Amor que vai", de Alceu Valença. — O forró sempre me abraçou. Desde quando eu fugia de casa com roupa por baixo do pijama para ir dançar forró escondida da minha mãe.

A mãe, aliás, que ligou Mariana ao forró, tendo como ponte ninguém menos que ele, "o" homem: Luiz Gonzaga. Bia Aydar era empresária do rei do baião quando o apresentou à filha, então, com 6 anos.

— A gente foi passear no Shopping Iguatemi, e ele ficou olhando aquele relógio de água que tem lá. E eu olhando para ele: "O que será que esse homem está pensando?". Me comprou uma noiva de brinquedo, me deu sorvete e me ganhou. Foi quase um avô.

A partir dali, ela se interessou em ir atrás de saber quem era aquele cabra que levava sua mãe para tudo quanto era canto...

— Descobri que ele tinha uma música chamada "Mariana", composta para a neta dele, mas que eu tinha certeza que era para mim (risos).