Após ataque em Rafah, cresce pressão para que Israel cumpra ordem da CIJ
Autoridades palestinas dizem que 45 pessoas morreram e dezenas ficaram feridas; ONU cobra investigação e "mudanças de políticas e práticas" dos israelenses
Um dia depois de um bombardeio israelense em uma zona humanitária em Rafah, no Sul da Faixa de Gaza, matar ao menos 45 pessoas, incluindo civis palestinos, lideranças de dezenas de países elevaram o tom das cobranças para que Israel cumpra a decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ), que na sexta-feira determinou o fim da ofensiva na área. O premier israelense, Benjamin Netanyahu afirma que foi um “erro trágico”, mas as críticas vieram até de governos aliados.
— Nenhum refém israelense será libertado se mais pessoas tiverem que se abrigar em tendas — disse a ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Annalena Baerbock, antes de uma reunião de chanceleres da União Europeia (UE) em Bruxelas. — A lei humanitária internacional aplica a todos, assim como à conduta de Israel na guerra.
Guido Crosetto, ministro da Defesa da Itália, outro país que tem evitado críticas mais duras a Israel, disse em entrevista à rede TG24 que a situação agora é de “desespero” e que “não é mais justificável”.
— Estamos diante de um cenário cada vez mais difícil, no qual o povo palestino está sendo espremido, sem levar em conta as dificuldades e os direitos de mulheres, crianças e homens que não têm nada a ver com o Hamas — afirmou o ministro. — Tenho a impressão de que Israel está semeando um ódio que impactará seus filhos e netos.
O governo dos EUA, que tem alertado sobre os efeitos de uma ofensiva contra Rafah há semanas, chamou o bombardeio de “desolador” e reiterou que está em contato com os israelenses, mas enfatizou a morte de dois integrantes do Hamas.
“As imagens devastadoras após o ataque das Forças Armadas de Israel em Rafah, na noite passada, que mataram dezenas de palestinos inocentes são desoladoras”, afirmou um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, em comunicado. “Israel tem o direito de ir atrás do Hamas, que é responsável por ataques contra civis israelenses. Mas como deixamos claro, Israel precisa tomar cada precaução possível para proteger os civis.”
No domingo, Israel realizou um ataque aéreo contra um campo de refugiados nos arredores de Rafah, onde vivem milhares de pessoas que buscaram no Sul de Gaza um lugar seguro contra os combates no restante do enclave palestino. Segundo as autoridades locais, as bombas israelenses — que teriam como alvo integrantes do Hamas — provocaram um grande incêndio, e muitas pessoas não tiveram tempo para escapar.
Imagens feitas com celulares mostram muitas tendas em chamas, e uma corrida para levar os feridos para tratamento nos poucos centros médicos ainda operacionais em Gaza. O Ministério da Saúde do enclave, controlado pelo Hamas, declarou que 45 pessoas morreram e mais de 200 ficaram feridas, muitas em estado grave.
— Muitos civis ainda estão presos dentro do acampamento, que foi atacado sem qualquer alerta — diz um homem que está gravando um vídeo. — Isso aqui foi declarado uma zona segura.
Inicialmente, o Exército israelense negou que o acampamento tivesse sido alvejado, e declarou se tratar de um “ataque de precisão”. Pouco depois, uma investigação preliminar apontou que as mortes de civis foram causadas por um incêndio após o ataque, e o premier Benjamin Netanyahu disse no Parlamento que esse foi um “erro trágico”.
— Apesar de nossos esforços para não afetar aqueles que não estavam envolvidos, infelizmente um erro trágico aconteceu na noite passada. Estamos investigando o caso — disse Netanyahu.
Na sexta-feira, pouco depois da CIJ emitir a ordem para a suspensão da ofensiva em Rafah, o premier chamou as alegações feitas pela África do Sul de que Israel está cometendo um genocídio em Gaza, base do processo em Haia, de "falsas e ultrajantes", e afirmou que a operação militar "não levará à destruição da população civil palestina".
Afronta à CIJ
O fato do ataque ter ocorrido dois dias depois da decisão da CIJ foi considerado por vários governos como uma afronta ao sistema de normas internacionais, em particular às normas em tempos de guerra. E o tom geral das críticas não foi tão ameno como os de EUA e Alemanha.
“Este massacre, ocorrido após o apelo da Corte Internacional de Justiça para pôr fim aos ataques, revelou mais uma vez a face sangrenta e traiçoeira do Estado terrorista”, escreveu, no X (antigo Twitter), o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan. “Ele [Benjamin Netanyahu] não poderá evitar ser lembrado com uma maldição, tal como [Adolf] Hitler, [Slobodan] Milosevic[ex-líder da Sérvia], [Radovan] Karadzic [ex-político sérvio] e outros faraós da história que ele imita.”
O chanceler da Espanha, país que na terça-feira vai oficializar o reconhecimento do Estado palestino, chamou de “inaceitáveis” os bombardeios israelenses.
“Os ataques israelenses contra um campo de refugiados em Rafah, que deixaram dezenas de vítimas palestinas, incluindo crianças, são inaceitáveis. Exigimos um cessar-fogo imediato e o respeito pela legalidade internacional por parte de todas as partes. Vamos evitar mais mortes e sofrimento”, escreveu no X José Manuel Albares.
O líder francês, Emmanuel Macron, que tem sofrido pressão para também reconhecer o Estado palestino, defendeu um cessar-fogo imediato.
“Estou indignado com os ataques israelense que mataram muitas pessoas deslocadas em Rafah. Estas operações devem parar. Não existem áreas seguras em Rafah para civis palestinos. Apelo ao pleno respeito pelo direito internacional e a um cessar-fogo imediato”, escreveu no X.
Josep Borrell, chefe da diplomacia da UE, condenou os ataques de Israel e cobrou respeito às leis internacionais.
“Estou horrorizado com as notícias vindas de Rafah sobre os ataques israelenses que mataram dezenas de pessoas deslocadas, incluindo crianças pequenas. Condeno isso nos termos mais veementes.Não há lugar seguro em Gaza. Estes ataques devem parar imediatamente. As ordens da CIJ e o DIH (Direito Internacional Humanitário) devem ser respeitados por todas as partes”, escreveu no X.
O chanceler da Noruega, Esper Barth Eide, considerou que o bombardeio foi uma violação à determinação da Corte Internacional de Justiça — apesar da ordem ter efeito vinculante, o tribunal não tem poderes para aplicá-la, e depende de uma resolução do Conselho de Segurança da ONU para tal, algo que ainda não aconteceu.
— Mesmo na guerra existem algumas regras — disse Eide ao jornal norueguês VG.— O tribunal internacional disse que seria uma violação do direito internacional se Israel entrasse em Rafah. Fizeram-no agora, portanto é uma violação do direito internacional.
Para o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, o bombardeio reitera, mais uma vez, que não há mais lugares seguros em Gaza, e defendeu que Israel cumpra as ordens da CIJ.
— Eu vi que as Forças Armadas de Israel anunciaram uma revisão, mas fica claro que, ao atacar essa área, densamente povoada por civis, esse era um desfecho previsível. É crucial que essas investigações levem a responsabilizações e mudanças de políticas e práticas — afirmou Türk. — Peço que Israel interrompa sua ofensiva militar na região de Rafah, conforme ordenado pela Corte Internacional de Justiça.