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Kiev diz que primeiros instrutores militares franceses viajarão para a Ucrânia "em breve"

Governo ucraniano pediu ajuda a países da Otan para treinar 150 mil soldados mais próximos da linha de frente e realizar reparos de equipamentos

Soldados ucranianos monitoram o céu em sua posição na região de Donetsk, em 10 de dezembro de 2023, em meio à invasão russa da Ucrânia - Anatoly Stepanov/AFP

O chefe do Exército de Kiev, Oleksandr Syrsky, disse nesta segunda-feira que os primeiros instrutores militares franceses chegariam em breve à Ucrânia. A declaração ocorreu após ele e o Ministro da Defesa francês, Sebastien Lecornu, participarem de uma reunião por chamada de vídeo. O anúncio foi feito dias depois de o New York Times publicar relatos de que alguns estados-membros da Otan, a principal aliança militar do Ocidente, estariam discutindo a possibilidade de enviar instrutores militares ou contratados para a Ucrânia para treinar as tropas ucranianas e ajudar com reparos de equipamentos.

Segundo publicado pelo Kyiv Independent, o governo ucraniano pediu aos Estados Unidos e outros países da Otan para ajudar a treinar 150 mil soldados mais próximos da linha de frente. "Eu já assinei os documentos que permitirão que os primeiros instrutores franceses visitem nossos centros de treinamento em breve e conheçam a infraestrutura e pessoal", escreveu Syrsky nas redes sociais. "Acolho com satisfação a iniciativa francesa de enviar instrutores para a Ucrânia para treinar os militares ucranianos. Acredito que a determinação da França encorajará outros parceiros a se juntarem a este projeto ambicioso", acrescentou.

À AFP, o Ministério da Defesa da França disse que a questão estava sendo estudada, mas não confirmou nem negou o envio de instrutores. "O treinamento em solo ucraniano é um dos projetos discutidos desde a conferência de apoio à Ucrânia convocada pelo [presidente francês, Emmanuel Macron,] em 26 de fevereiro", disse. "Como todos os projetos discutidos nessa ocasião, este continua a ser objeto de trabalho com os ucranianos, em particular para entender suas necessidades".

Em fevereiro, Macron causou polêmica ao afirmar que o envio de tropas ocidentais à Ucrânia não poderia ser excluído. A fala ocorreu num momento em que países aliados de Kiev tentavam angariar apoio, especialmente militar, diante de avanços importantes da Rússia nas frentes de combate. Na ocasião, o líder francês reiterou que não havia consenso "para mandar forças terrestres de forma oficial, declarada e endossada" pelos governos ocidentais. A possibilidade foi cogitada nos primeiros momentos da guerra, quando havia o temor de uma operação rápida e bem sucedida de Moscou, inclusive contra a capital ucraniana.

— Muitas pessoas que dizem "nunca, nunca" hoje foram as mesmas que diziam "nunca [mandaremos] tanques, aviões, mísseis de longo alcance" há dois anos — afirmou Macron. — Tenhamos a humildade de notar que muitas vezes tenhamos nos atrasado de seis a doze meses [na tomada de decisões]. Este foi o objetivo da discussão desta noite: tudo é possível se for útil para atingir o nosso objetivo.

Desde o ano passado, o governo ucraniano reclama junto a seus aliados ocidentais sobre o ritmo considerado lento de entrega de armamentos, algo que o próprio presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, disse ser responsável pelo avanço dos russos. Diante de um número cada vez mais escasso de recrutas, que levou à redução da idade mínima de convocação e à libertação de presos para o combate, Kiev pediu ajuda da Otan para acelerar o treinamento de novos combatentes. Hoje, boa parte dos treinos específicos ocorre na Polônia, Alemanha e nos EUA, em processos caros e que demandam tempo.

Posição americana
Segundo o New York Times, o general Charles Brown Jr., chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas americanas, sinalizou que o envio de militares da aliança para treinamentos dentro da Ucrânia é algo "no qual está se trabalhando", sem sinalizar se oficiais e soldados dos Estados Unidos estariam envolvidos na iniciativa. Ele, no entanto, afirmou que essa é uma decisão difícil de ser tomada. A começar por questões práticas: a presença dos instrutores ocidentais em um cenário de guerra exigiria meios e estratégias para protegê-los, e poderia demandar recursos originalmente destinados aos ucranianos.

Há ainda o aspecto político: caso eles fossem feridos ou mortos em um ataque russo, haveria uma pressão para que fosse acionado o Artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte, que considera o ataque contra um dos membros da aliança um ataque a todos, elevando o risco direto de uma guerra entre os países da organização e a Rússia. Em fevereiro, o presidente russo, Vladimir Putin, disse que a intervenção ocidental na Ucrânia poderia levar a uma guerra nuclear e "destruir a civilização".

Até o momento, a Casa Branca rejeita a ideia, mesmo que sejam instrutores sem função no campo de batalha, de certa forma repetindo o que aconteceu no Iraque após o fim oficial dos combates envolvendo as forças americanas. O governo do presidente americano, o democrata Joe Biden, também pede a seus aliados da Otan que não enviem forças ao país, em qualquer circunstância.

Além do envio de instrutores, os EUA sofrem pressão da Ucrânia para que liberem ataques com armas americanas contra o território russo. Kiev tem atingido alvos a até mil quilômetros de distância usando drones e outros tipos de armamentos, mas a Casa Branca pede que seus mísseis de médio e longo alcance não sejam usados nessas ações, temendo uma represália russa. Segundo o site Politico, um grupo de parlamentares ucranianos está em Washington em busca de apoio do Congresso americano para obter essa concessão de Biden.