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Putin diz que há instrutores ocidentais disfarçados de mercenários na Ucrânia

Presidente russo falou em "escalada constante" e alertou para respostas caso países do Ocidente aprovassem uso de suas armas em ataques contra Moscou

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, observa enquanto o presidente do Uzbequistão faz declaração à mídia, em 27 de maio de 2024. - Sergei Bobylyov/AFP

O presidente russo, Vladimir Putin, afirmou nesta terça-feira que instrutores militares do Ocidente estavam ativos na Ucrânia operando disfarçadamente como combatentes mercenários, e que haveria "sérias consequências" caso países ocidentais dessem aprovação à Ucrânia para usar suas armas em ataques no território russo. A fala de Putin ocorreu enquanto ele visita o Uzbequistão, e foi realizada um dia após o chefe do Exército de Kiev, Oleksandr Syrsky, declarar que os primeiros instrutores militares franceses chegariam "em breve" em território ucraniano.

— Há especialistas lá [na Ucrânia] disfarçados de mercenários — disse o líder russo em entrevista coletiva, após ter sido questionado sobre a fala de Syrsky, do Exército ucraniano. — Essa escalada constante pode levar a sérias consequências. Na Europa, especialmente em pequenos países, eles devem estar cientes do que estão brincando. Devem lembrar que, como países com territórios pequenos e densamente povoados... Eles devem ter isso em mente antes de falar sobre atacar a Rússia.

Putin também comentou o fato de que o mandato de cinco anos do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, chegou ao fim há uma semana —e que não há perspectiva de uma nova eleição. A lei uraniana proíbe a realização do pleito presidencial sob a lei marcial, em vigor no país desde 2022, quando a Rússia iniciou a invasão em larga escala na Ucrânia. Ainda assim, o russo disse que, após uma "análise profunda e necessária", o Kremlin concluiu que o Parlamento da Ucrânia deveria retirar Zelensky do cargo e transferir o poder para o presidente do Legislativo, Ruslan Stefantchuk, o número dois na linha sucessória.

Esta não foi a primeira vez que Putin questionou a legitimidade de Zelensky: a máquina de propaganda russa, com a ajuda inclusive de bilionários populares, aproveitou o que seria uma brecha legal para elevar o tom do discurso anti-Kiev. Em 28 de abril, o secretário de Imprensa do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que os debates sobre a legitimidade se intensificaram com a proximidade do fim do mandato, e que "de alguma forma ele [Zelensky] terá que se justificar".

— Quanto à legitimidade, esta questão deve, em primeiro lugar, ser respondida pelo próprio sistema político e jurídico da Ucrânia — afirmou Putin durante viagem à China neste mês. — Esta avaliação, é claro, deve ser feita antes de tudo pelo Tribunal Constitucional e, em geral, por todo o sistema político da própria Ucrânia.

Instrutores militares
Nesta segunda-feira, Syrsky afirmou que instrutores franceses seriam enviados à Ucrânia. A declaração ocorreu após ele e o Ministro da Defesa da França, Sebastien Lecornu, participarem de uma reunião por chamada de vídeo. O anúncio também foi feito dias depois de o New York Times publicar relatos de que alguns estados-membros da Otan, a principal aliança militar do Ocidente, estariam discutindo a possibilidade de enviar instrutores militares ou contratados para a Ucrânia para treinar as tropas ucranianas e ajudar com reparos de equipamentos.

Segundo publicado pelo Kyiv Independent, o governo ucraniano pediu aos EUA e outros países da Otan para ajudar a treinar 150 mil soldados mais próximos da linha de frente. "Eu já assinei os documentos que permitirão que os primeiros instrutores franceses visitem nossos centros de treinamento em breve e conheçam a infraestrutura e pessoal", escreveu Syrsky nas redes sociais. "Acolho com satisfação a iniciativa francesa de enviar instrutores para a Ucrânia para treinar os militares ucranianos. Acredito que a determinação da França encorajará outros parceiros a se juntarem a este projeto ambicioso", acrescentou.

À AFP, o Ministério da Defesa da França disse que a questão estava sendo estudada, mas não confirmou nem negou o envio de instrutores. "O treinamento em solo ucraniano é um dos projetos discutidos desde a conferência de apoio à Ucrânia convocada pelo [presidente francês, Emmanuel Macron,] em 26 de fevereiro", disse. "Como todos os projetos discutidos nessa ocasião, este continua a ser objeto de trabalho com os ucranianos, em particular para entender suas necessidades".

Em fevereiro, Macron causou polêmica ao afirmar que o envio de tropas ocidentais à Ucrânia não poderia ser excluído. A fala ocorreu num momento em que países aliados de Kiev tentavam angariar apoio, especialmente militar, diante de avanços importantes da Rússia nas frentes de combate. Na ocasião, o líder francês reiterou que não havia consenso "para mandar forças terrestres de forma oficial, declarada e endossada" pelos governos ocidentais. A possibilidade foi cogitada nos primeiros momentos da guerra, quando havia o temor de uma operação rápida e bem sucedida de Moscou, inclusive contra a capital ucraniana.

Desde o ano passado, o governo ucraniano reclama junto a seus aliados ocidentais sobre o ritmo considerado lento de entrega de armamentos, algo que o próprio presidente ucraniano disse ser responsável pelo atual avanço dos russos no campo de batalha. Diante de um número cada vez mais escasso de recrutas, que levou à redução da idade mínima de convocação e à libertação de presos para o combate, Kiev pediu ajuda da Otan para acelerar o treinamento de novos combatentes. Atualmente, boa parte dos treinos específicos ocorre na Polônia, Alemanha e nos EUA, em processos caros e que demandam tempo.

Posição americana
Segundo o New York Times, o general Charles Brown Jr., chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas americanas, sinalizou que o envio de militares da aliança para treinamentos dentro da Ucrânia é algo "no qual está se trabalhando", sem sinalizar se oficiais e soldados dos Estados Unidos estariam envolvidos na iniciativa. Ele, no entanto, afirmou que essa é uma decisão difícil de ser tomada. A começar por questões práticas: a presença dos instrutores ocidentais em um cenário de guerra exigiria meios e estratégias para protegê-los, e poderia demandar recursos originalmente destinados aos ucranianos.

Há ainda o aspecto político: caso eles fossem feridos ou mortos em um ataque russo, haveria uma pressão para que fosse acionado o Artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte, que considera o ataque contra um dos membros da aliança um ataque a todos, elevando o risco direto de uma guerra entre os países da organização e a Rússia. Em fevereiro, o presidente russo, Vladimir Putin, disse que a intervenção ocidental na Ucrânia poderia levar a uma guerra nuclear e "destruir a civilização".

Até o momento, a Casa Branca rejeita a ideia, mesmo que sejam instrutores sem função no campo de batalha, de certa forma repetindo o que aconteceu no Iraque após o fim oficial dos combates envolvendo as forças americanas. O governo do presidente americano, o democrata Joe Biden, também pede a seus aliados da Otan que não enviem forças ao país, em qualquer circunstância.

Além do envio de instrutores, os EUA sofrem pressão da Ucrânia para que liberem ataques com armas americanas contra o território russo. Kiev tem atingido alvos a até mil quilômetros de distância usando drones e outros tipos de armamentos, mas a Casa Branca pede que seus mísseis de médio e longo alcance não sejam usados nessas ações, temendo uma represália russa. Segundo o site Politico, um grupo de parlamentares ucranianos está em Washington em busca de apoio do Congresso americano para obter essa concessão de Biden.