Casa Branca diz que ataque a Rafah não cruzou 'linha vermelha' de Biden sobre Gaza
Especialistas, com base em análise de imagens captadas no local do ataque, apontam que bombas disparadas foram projetadas e fabricadas nos EUA
Autoridades de Defesa dos Estados Unidos afirmaram, na terça-feira (28), que o ataque de Israel contra Rafah que matou dezenas de palestinos foi uma tragédia, mas que não ultrapassou a "linha vermelha" imposta pelo presidente Joe Biden para suspender o envio de armas para o principal aliado no Oriente Médio. A afirmação chega em um momento em que especialistas em equipamentos militares indicam que as bombas utilizadas na ofensiva — que provocou um grande incêndio em um campo de pessoas deslocadas pela guerra — foram fabricadas nos EUA.
John Kirby, porta-voz da Casa Branca, disse que as mortes civis em Rafah foram “devastadoras”, mas que a escala do ataque não foi suficiente para mudar a política dos EUA em relação a Israel. Em uma fala a jornalistas, Kirby afirmou que a maior preocupação dos EUA seria com uma invasão por terra à cidade, justificando que o atual avanço com tanques de guerra não corresponde ao cenário projetado por Washington como uma violação definitiva.
— Não queremos ver uma grande operação terrestre — disse Kirby a repórteres na terça-feira. — Não os vimos entrar com grandes unidades e um grande número de soldados em colunas e formações em algum tipo de manobra coordenada contra múltiplos alvos no terreno [em Rafah]. Tudo o que podemos ver nos diz que eles não estão realizando uma grande operação terrestre em centros populacionais da cidade de Rafah.
A justificativa apresentada pela Casa Branca avança sobre o que o próprio presidente Biden havia dito sobre os limites à ofensiva de Israel. Pressionado até mesmo por integrantes do seu próprio partido para reduzir o envio de armas para Israel e influenciar o andar da guerra, Biden chegou a limitar os equipamentos enviados em uma remessa recente e, em entrevista à rede CNN, disse que os EUA não forneceriam armas a Israel para atacar Rafah.
Apesar disso, especialistas em armas apontaram, a partir de evidências visuais analisadas pelo jornal americano New York Times, que as bombas atiradas contra Rafah são de fabricação americana. Os destroços de munições filmados no local do ataque no dia seguinte eram restos de uma GBU-39, projetada e fabricada no país.
O detalhe principal nos destroços da arma foi o sistema de atuação da cauda, que controla as aletas que guiam o GBU-39 até um alvo, de acordo com Trevor Ball, ex-técnico de eliminação de munições explosivas do Exército dos EUA. O padrão exclusivo do parafuso da arma e a ranhura onde as aletas dobráveis são guardadas eram claramente visíveis nos escombros, disse Ball.
Os fragmentos de munição, filmados por Alam Sadeq, um jornalista palestino, também são marcados por uma série de números começando com “81873”. Este é o código identificador exclusivo atribuído pelo governo dos EUA à Woodward, um fabricante aeroespacial com sede no Colorado que fornece peças para bombas, incluindo a GBU-39.
Operação em análise
O contra-almirante Daniel Hagari, porta-voz das Forças Armadas de Israel, afirmou que as bombas usadas em Rafah continham 17 quilos de material explosivo, "a menor munição" compatível com os jatos israelenses. O GBU-39 tem um peso explosivo líquido de cerca de 17 kg.
A argumentação soou a Washington como um comprovante de que as forças israelenses realmente pensaram a missão para reduzir baixas. Há meses, autoridades americanas têm encorajado os Israel a aumentar o uso de bombas GBU-39 em Gaza. A avaliação é de que são mais precisas e mais adequadas a ambientes urbanos do que bombas maiores.
— Os israelenses disseram que usaram bombas de 17 quilos — disse John Kirby na coletiva de terça-feira. — Se for de fato o que eles usaram, é certamente um indicativo de um esforço para serem discretos, direcionados e precisos.
Hagari ainda afirmou que os militares tomaram medidas para atingir de forma restrita dois líderes do Hamas, que ele disse terem sido mortos no ataque, e não esperavam que as munições prejudicassem civis. As bombas foram lançadas em galpões dentro de um campo para deslocados internos, e muitas tendas eram visíveis nas proximidades. Imagens mostram que o bombardeio desencadeou incêndios mortais — Israel sugeriu que o incêndio poderia ter sido provocado por uma explosão secundária, o que, segundo ele, indicava que poderia haver armas armazenadas na área.
Larry Lewis, antigo conselheiro do Pentágono e do Departamento de Estado que escreveu vários relatórios federais sobre danos civis, disse que parecia que os militares israelenses tinham, neste caso, tomado medidas para mitigar o perigo para os civis, acrescentando que explosões secundárias podem ser difíceis de prever. Contudo, disse estar preocupado porque, nas imagens de vigilância divulgadas pelos militares, quatro pessoas pareciam estar fora dos edifícios visados antes do ataque.
O analista disse que a decisão de atacar naquela altura levanta questões sobre se os militares israelenses “sabiam e aceitavam um possível número de vítimas civis” ou não notaram as pessoas, sugerindo potenciais problemas nas suas medidas de precaução.
Wes J. Bryant, um sargento reformado da Força Aérea Americana que serviu numa força-tarefa crítica ao uso de armas por Israel em Gaza, disse ao New York Times que tinha lançado muitas bombas GBU-39 durante o seu serviço militar e que este ataque foi problemático.
— Isso indica negligência contínua na escolha de alvos, seja uma relutância ou incapacidade de proteger eficazmente os civis — disse Bryant. — Quando você usa uma arma que se destina a ser de precisão e com poucos danos colaterais em uma área onde os civis estão saturados, isso realmente nega o uso pretendido.