Neurocientistas de Stanford usam IA para simular como o cérebro processa o mundo ao redor; entenda
Cientistas criaram uma rede artificial que reproduz mapas de neurônios formados pelo órgão humano quando enxerga
Cientistas do Instituto de Neurociências Wu Tsai, da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, conseguiram reproduzir, com a ajuda de técnicas de inteligência artificial (IA), a forma como o cérebro organiza informações visuais e dá sentido ao mundo. O estudo em que detalham a descoberta foi publicado na revista científica Neuron.
Os pesquisadores explicam que as regiões visuais do cérebro atuam de formas diferentes para processarem aquilo que o olho vê. Quando se observa o ponteiro de um relógio analógico se movendo, por exemplo, neurônios específicos seletivos a ângulos são ativados e formam mapas em formato de cata-ventos.
Já outras áreas visuais do cérebro formam tipos diferentes de estruturas espaciais com os neurônios para interpretar características visuais mais complexas e abstratas, como a distinção entre imagens de rostos familiares e de lugares.
Os cientistas chamam isso de mapas funcionais e afirmam que eles podem ser encontrados por todo o cérebro. Esse fenômeno intriga os pesquisadores, que buscavam maneiras de reproduzir os layouts de forma computacional para melhor compreendê-los.
Por isso, durante um extenso trabalho que levou sete anos, o time de Stanford desenvolveu um algoritmo de IA chamado rede neural artificial profunda topográfica (TDANN, da sigla em inglês), que, segundo escrevem no estudo, é “o primeiro modelo a prever vários aspectos da organização funcional (...) no sistema visual de primatas”.
Em resumo, a rede artificial simula como o cérebro humano dá sentido para o mundo ao redor. À medida que o modelo aprendeu a processar estímulos visuais, ele começou a formar os mapas espaciais, reproduzindo a forma como os neurônios do cérebro se organizam.
De forma mais específica, ele reproduziu padrões complexos, como as estruturas mencionadas do cata-vento no córtex visual primário e dos grupos no córtex temporal ventral superior que reagem a rostos e lugares.
Eshed Margalit, o principal autor do estudo e pesquisador de Stanford, explica que foram utilizados modelos de aprendizado de máquina para treinar a rede que simula o cérebro. O resultado, segundo ele, é “parecido com a forma como os bebês aprendem sobre o mundo visual”, diz em comunicado.
Para os especialistas, essa tecnologia possibilitará uma compreensão melhor sobre como o cérebro se organiza – não apenas para a visão, que foi abordada no novo estudo, mas futuramente para outros sistemas, como o auditivo.
“Quando o cérebro está tentando aprender algo sobre o mundo, ele (...) forma mapas. Acreditamos que esse princípio também pode ser aplicado em outros sistemas”, diz Kalanit Grill-Spector, professor da Escola de Humanidades e Ciências de Stanford que participou do estudo.
Para os neurocientistas, o TDANN pode ser um caminho para avanços tanto na neurociência, como na própria área de IA. É uma “nova lente”, citam, para entender como o córtex visual funciona, o que pode levar a descobertas importantes para o estudo de distúrbios neurológicos – e de como tratá-los.
Já no campo da inteligência artificial, o desenvolvimento das redes pode ensinar os computadores a “ver” como os seres humanos. O que seria positivo já que o cérebro opera com uma capacidade acima da observada hoje entre os computadores.
Os pesquisadores citam de exemplo que o órgão humano consegue computar um bilhão de operações matemáticas com apenas 20 watts de energia, enquanto um supercomputador requer um milhão de vezes mais energia para fazer a mesma tarefa.
Segundo os cientistas, esses mapas podem ser justamente a “fiação” que conecta os 100 bilhões de neurônios do cérebro de forma mais simples, o que aumenta a efetividade do processamento do órgão. Isso pode levar à criação de sistemas artificiais mais eficientes inspirados no mecanismo cerebral.
“A IA é limitada pela potência. Em longo prazo, se as pessoas souberem como executar sistemas artificiais com um consumo de energia muito menor, isso poderá impulsionar o desenvolvimento da tecnologia”, diz o pesquisador Dan Yamins, do Instituto de Neurociências Wu Tsai, que também participou do estudo.