RIO DE JANEIRO

Caso Marielle: demora em executar plano para matar vereadora irritou irmãos Brazão, diz Lessa

Ex-sargento da PM falou do planejamento do crime e do monitoramento da rotina da parlamentar para oportunidade de assassiná-la

O deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) durante apresentação de sua defesa à CCJ - Reprodução

Na delação premiada do assassino confesso da vereadora Marielle Franco, Ronnie Lessa, o ex-sargento da Polícia Militar, afirma que a demora em colocar em prática o plano para executar a parlamentar já estava deixando os irmãos Brazão impacientes.

Segundo Lessa, a exigência imposta pelo então delegado titular da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), Rivaldo Barbosa, ao conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Domingos Brazão e seu irmão, o deputado federal Chiquinho Brazão, impossibilitava a empreitada criminosa. Segundo Lessa, Rivaldo teria exigido que a execução da vereadora fosse longe da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, na Cinelândia, para evitar que fosse vinculado a um crime político.

No acordo de delação premiada firmado com a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República (PGR), Ronnie Lessa falou sobre o monitoramento da rotina da parlamentar, quando tentavam executar o plano de homicídio. O ex-sargente descreveu as dificuldades no endereço onde Marielle morava.

"A gente não conseguia ver a Marielle, a gente não conseguia isso. O prédio dela é um prédio que não tem garagem. Então se a pessoa que mora naquele prédio tem um carro, tem que pagar um estacionamento em outro canto, porque ali não tinha", diz Lessa em um trecho da delação, que completa:

"Ali tem um hospital, uma padaria, e nesse comerciozinho ali tem dois policiais andando o dia inteiro naquela rua ali, e o do trânsito, ou seja, três policiais. Não é uma coisa simples. A rua é logo no alto, no cume do cruzamento. Você não tem como fazer ali uma vigilância. É difícil, quase impossível. E foi se tornando difícil".

 

No depoimento, Lessa cita ainda o ex-policial militar Edmilson Oliveira da Silva, o Macalé. Segundo Lessa, em setembro de 2017, recebeu das mãos do ex-PM a arma e o carro, usados no crime, e o endereço da residência da parlamentar. Na delação, Lessa fala que foi procurado por Macalé para cometer o assassinato.

Lessa contou, na delação, que em uma ocasião. Macalé não tentou pôr o plano criminoso em ação porque estava trabalhando.

"O tempo foi passando, o tempo foi passando, o tempo foi passando, e nada e nada e algumas oportunidades que acabaram surgindo, se eu não me engano, foi no bar, no bar da Praça da Bandeira, um barzinho. Esse dia o Macalé recebeu uma ligação, só que ele estava trabalhando na segurança, ele fazia segurança de uma pessoa. Então, ele não pôde", disse.

Como mostrou o blog Segredos do crime, para a PF não há dúvidas de que Macalé era uma espécie de “corretor da morte”. Além de atuar na milícia da Zona Oeste, o sargento da PM também servia de intermediário entre quem queria encomendar um assassinato e quem executaria o serviço. A morte de Macalé é considerada queima de arquivo por um dos responsáveis pelo relatório da Polícia Federal que serviu de base para a prisão dos acusados de mandar matar a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes.

Loteamento clandestino como pagamento
Como mostrou o Fantástico, da TV Globo, no mesmo depoimento, Lessa disse à PF que, como pagamento para a morte da parlamentar, teria recebido dos irmãos Brazão a oferta de um loteamento clandestino, que também acabou não se concretizando. O ex-PM está preso desde 2019 pela execução de Marielle e de seu motorista, Anderson Gomes.

Em nota, o advogado Cléber Lopes, que defende Chiquinho Brazão, informou que "jamais existiu relação de proximidade entre o deputado e Ronnie Lessa".

“Não há como afirmar, evidentemente, que ambos nunca estiveram no mesmo ambiente, sobretudo em razão da extensa carreira pública de Chiquinho no Rio de Janeiro. Aliás, é impossível fazer prova de fato negativo. Embora Ronnie Lessa afirme ter tido encontros com o Deputado e conhecê-lo de longa data, vale o registro de que o mesmo Ronnie Lessa, há pouquíssimo tempo, declarou em juízo, ao ser interrogado em razão dos fatos que vitimaram a Vereadora Marielle Franco, que nunca esteve com o Chiquinho e que não o conhece "nem de vista”, para ser fiel aos termos utilizados.”, disse, no comunicado.

A defesa se refere a uma audiência ocorrida em outubro de 2019, no Tribunal de Justiça no Rio. Na época do interrogatório, ao ser questionado, ele negou conhecer os irmãos Brazão.

Já os advogados Marcio Palma e Roberto Brzezinski, que representam Domingos Brazão, também negaram a proximidade do parlamentar com o ex-policial militar.

“Quanto aos encontros narrados por Ronnie Lessa, assassino confesso de Marielle Franco, a defesa reitera não existirem elementos que sustentem a presença de Domingos Brazão em qualquer um deles, circunstância que reforça a ausência de credibilidade do relato prestado por um notório matador e traficante de armas em busca de benefícios legais.”, disseram, na nota.

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