Como e por que a ONU valida os recordes de temperatura?
Mais de 1.800 pessoas morreram com a passagem do Katrina, enquanto um ciclone em 1970 deixou pelo menos 300.000 mortos na região atual de Bangladesh
O possível "erro" do instrumento de medição que registrou uma temperatura recorde em Nova Délhi confirma a abordagem prudente e sistemática da Organização Meteorológica Mundial (OMM) na certificação de observações dos fenômenos meteorológicos extremos.
Esta é a forma como e por que esta agência da ONU com sede em Genebra aprova os registros de temperatura, tal como faz com outros fenômenos como os relâmpagos, a duração dos tufões ou a altura das ondas.
Como a avaliação é feita?
A certificação de um recorde de calor geralmente leva vários meses.
Primeiro, a OMM contacta o serviço meteorológico do país em questão e a entidade específica que registrou o suposto recorde para obter os dados brutos e detalhes sobre a localização exata da observação, o tipo de equipamento utilizado e as condições meteorológicas regionais.
A Comissão de Climatologia da OMM e o relator da organização para eventos meteorológicos extremos e clima, Randall Cerveny, realizam uma primeira avaliação do valor medido e dos dados que o acompanham.
Posteriormente, um comitê de especialistas em ciências atmosféricas examina os dados para gerar uma recomendação, sobre a qual o relator emitirá um parecer final.
Como surge este registro?
Em 2005, Randall Cerveny assistia na televisão imagens do furacão Katrina que inundou Nova Orleans e se impressionou com um comentário repetido pelos jornalistas: "é o pior furacão da história".
Especialista em ciências atmosféricas e professor de geografia na Universidade Estadual do Arizona, Cerveny sabia disso.
Mais de 1.800 pessoas morreram com a passagem do Katrina, enquanto um ciclone em 1970 deixou pelo menos 300.000 mortos na região atual de Bangladesh.
Em 2006, o especialista publicou um artigo científico exigindo a criação de uma base de dados oficial e mundial.
Um ano depois, a OMM lhe solicitou que criasse uma base de dados com registros mundiais, hemisféricos e regionais de uma série de condições meteorológicas extremas (temperatura, chuva, rajadas de vento, altura das ondas, duração dos relâmpagos) e do número de mortes devido a fenômenos meteorológicos.
Medir a mudança climática
De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o clima está mudando mais rapidamente do que o esperado devido à humanidade.
A razão mais importante para homologar os registros é, portanto, determinar com precisão a magnitude e o ritmo da mudança climática global, de acordo com a OMM.
É também "extremamente importante conhecer os extremos meteorológicos e climáticos para os setores da saúde e da engenharia civil", explica Cerveny em um boletim, citando como exemplo o arquiteto que, ao projetar uma ponte, precisa saber a velocidade máxima a que o vento pode chegar.
Outra boa razão é para desenvolver a ciência e evitar que a imprensa exagere determinados acontecimentos meteorológicos.
Recorde desacreditado
No final de janeiro, a OMM confirmou o recorde de temperatura de 48,8 ºC na Europa, registrado em 11 de agosto de 2021 na Sicília.
Alguns anos antes, a organização validou um recorde de temperatura para a região antártica da Argentina (18,3 ºC em 2020), duramente atingida pelo aquecimento global.
Por outro lado, rejeitou outro dado mais elevado, de 20,75 ºC, reportado no mesmo ano em uma estação brasileira de monitoração automatizada do permafrost na Ilha Seymour Norte.
A OMM também pôde rever os registros antes da criação de sua base de dados em 2007.
O caso mais conhecido é a investigação sobre o recorde mundial de calor de 58 ºC medido em 1922 em El Azizia, na atual Líbia. O registro foi invalidado devido a um erro de leitura cometido por um "observador novo e inexperiente".
Desde então, a estação americana de Furnace Creek, no Vale da Morte, detém o recorde mundial de calor, estabelecido em 10 de julho de 1913: 56,7 ºC.
Já a temperatura mais baixa conhecida na Terra (-89,2 ºC) foi registrada em 21 de julho de 1983 na estação Vostok, na Antártida.