"Putin fará isso por mim": Trump promete libertar jornalista americano preso na Rússia caso seja ele
Fala traz a memória de uma operação secreta dos republicanos para "segurar" os reféns na embaixada dos EUA em Teerã e ajudar a vitória de Ronald Reagan em 1980
No final de maio, o ex-presidente Donald Trump disse em sua rede social, o Truth Social, que caso retorne à Casa Branca após as eleições de novembro, libertará o jornalista americano Evan Gershkovich, preso na Rússia desde março de 2023 por espionagem.
Sem dar detalhes, o republicano sugeriu que esse seria “um favor” concedido a ele pelo líder russo, Vladimir Putin, com quem nutre uma complexa relação — a repercussão nos EUA foi tamanha que ele reiterou a promessa em vídeo publicado na segunda-feira.
— Evan Gershkovich, o repórter do Wall Street Journal que é prisioneiro na Rússia, será libertado imediatamente após a eleição, certamente antes que eu assuma o mandato — disse Trump. — Vladimir Putin, presidente da Rússia, fará isso por mim, e não acredito que o fará para outra pessoa. E nós não pagaremos nada.
Não foi a primeira vez que o republicano prometeu libertar Gershkovich: em abril, em uma extensa entrevista à revista Time, chamou o jornalista de “um bravo jovem”, disse que iria libertá-lo e afirmou acreditar que isso não acontecerá caso Biden consiga um novo mandato.
Na quarta-feira, sem citar Biden ou Trump, Putin afirmou que o governo americano “está dando passos vigorosos” para garantir a libertação, mas reiterou que a Justiça russa considera que o jornalista “cometeu ações ilegais”. Caso seja condenado, pode receber uma pena de até vinte anos de prisão.
Conhecido pelas bravatas e pela autoestima poucas vezes vista entre líderes mundiais, Trump não deu qualquer garantia de que irá cumprir sua promessa caso seja escolhido pelos americanos para conduzir o país até janeiro de 2029.
Nem Putin deu sinais de que pretenda atender ao pedido: em entrevista ao jornalista (e de certa forma propagandista pró-Trump) Tucker Carlson, em fevereiro, disse apenas acreditar que “um acordo pode ser obtido”.
Quatro décadas antes de Trump fazer suas promessas sobre Gershkovich, lideranças do Partido Republicano também usavam o destino de americanos presos no exterior como carta política em um ano eleitoral. Naquela ocasião, com sucesso.
Em novembro de 1979, em meio ao caos pós-Revolução Islâmica no Irã, a embaixada americana em Teerã foi invadida por estudantes e ativistas ligados ao aiatolá Ruhollah Khomeini, criando um novo problema para um mandato já cheio de sobressaltos do presidente democrata Jimmy Carter. Com um governo abertamente hostil, e uma guerra que se revelaria brutal contra o Iraque no horizonte, Washington fracassou de maneira catastrófica em uma tentativa de resgate, a Operação Eagle Claw, e a crise foi por meses assunto principal dos jornais da noite na TV americana.
Neste contexto, os republicanos deram início a uma operação mantida em sigilo por décadas, e em parte revelada em 1991 pelo ex-integrante do Conselho de Segurança Nacional de Carter, Gary Sick.
Por meses, eles se encontraram com representantes do governo revolucionário do Irã com um simples propósito: garantir que os 52 americanos detidos em Teerã só fossem libertados após a eleição de novembro de 1980.
Por muitos anos, as alegações de Sick foram desprezadas por boa parte do meio político americano, uma vez que muitas fontes falaram em condição de anonimato, e outras não eram exatamente as mais confiáveis.
Em 2023, um dos atores da operação, Ben Barnes, um político do Texas, confirmou ao New York Times ter acompanhado seu mentor político, o ex-governador do estado, John Connally, em viagens pela Europa e Oriente Médio, nas quais acredita que a mensagem para manter os reféns detidos até a vitória de Reagan foi passada.
— Irei para minha tumba acreditando que esse era o propósito da viagem — disse, se referindo a uma jornada iniciada em julho de 1980 e que passou por Jordânia, Síria, Líbano, Arábia Saudita, Egito e Israel, onde teriam ocorrido os encontros com os emissários iranianos. — Não era algo à toa, uma vez que [William] Casey [chefe da campanha de Reagan e ex-diretor da CIA] estava interessado em nos ouvir assim que retornássemos aos EUA. [Ele queria saber] se eles (iranianos) segurariam os reféns.
Não se sabe se Reagan tinha conhecimento da operação (e provavelmente nunca se saberá), mas ele foi eleito em novembro de 1980 com uma vitória histórica sobre Carter, conquistando 489 delegados no Colégio Eleitoral contra 49 do democrata.
Enquanto ele tomava posse no Capitólio, no dia 21 de janeiro de 1981, os 52 reféns em Teerã foram libertados.
O caso de Gershkovich está longe de receber a mesma atenção da crise dos reféns, e não há sinais de que a campanha republicana tenha com a Rússia os mesmos canais secretos que os assessores de Reagan mantiveram com o Irã.
Mas as declarações quase fraternais de Trump sobre Putin reforçam um alinhamento que deve impactar a política externa americana caso ele retorne à Casa Branca.
Trump já disse que resolverá a guerra na Ucrânia “em 24 horas”, ameaçou suspender a bilionária ajuda militar americana a Kiev e ameaçou deixar a Otan, a principal aliança militar do Ocidente e que é liderada pelos EUA, caso os parceiros europeus não incrementem seus gastos com defesa. Em fevereiro, durante discurso de campanha, afirmou que poderia se recusar a proteger a Europa em uma hipotética invasão russa.
— Não, não vou proteger vocês. Aliás, eu iria encorajá-los (Rússia) a fazer o que diabo quisessem fazer. Vocês (Europa) precisam pagar — disse o candidato republicano, ignorando o Artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte, que prevê que um ataque contra um dos membros será considerado um ataque contra todos.
A afeição parece ser correspondida. Na quarta-feira, o líder russo disse que os tribunais americanos estão sendo usados para perseguir o republicano, um argumento repetido à exaustão pelo próprio Trump, ao comentar a condenação do ex-presidente pela compra do silêncio de uma ex-atriz pornô.
— Eles [EUA] estão se queimando por dentro, seu Estado, seu sistema político — disse Putin, em entrevista coletiva. — É óbvio para todo o mundo que o processo contra Trump, especialmente por acusações que foram feitas com bases em eventos ocorridos há muitos anos, sem provas diretas, é uma forma de usar o sistema judicial em uma luta política interna.