Guerra

Putin nega ver "necessidade" de usar armas atômicas na Ucrânia

Presidente disse confiar no "caráter russo" para vencer a guerra, e nega ter inflamado o debate sobre o uso dos arsenais estratégicos

Presidente da Rússia, Vladimir Putin, durante plenária do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo - Alexandre Zholbov/Pool/ AFP

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, disse nesta sexta-feira que não pretende usar seu arsenal atômico na guerra na Ucrânia (ou em qualquer conflito armado) e rejeitou a ideia de que tenha “incitado a retórica nuclear”. Contudo, ele não descartou mudanças na doutrina que rege o uso do arsenal atômico russo.

Quase ao mesmo tempo, na Normandia, o presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou em discurso que os veteranos da Segunda Guerra Mundial gostariam que o mundo se levantasse contra o que chamou de "agressão russa" na Ucrânia.

Em discurso no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, espécie de vitrine econômica e política do Kremlin para o mundo, Putin adotou um tom mais ameno do que o visto há dois dias, no mesmo evento, quando alertou o Ocidente de que, em determinadas situações, p oderia fazer uso de seu arsenal nuclear. Nesta sexta, ele afirmou que, hoje, não existem condições para empregar essas armas em conflitos armados.

— Temos uma doutrina nuclear, e aí está tudo escrito [sobre o uso de armas nucleares]. O uso é possível justamente em casos excepcionais, em caso de ameaça à soberania e ao território, à integridade do país em casos excepcionais, e não acredito que tal caso tenha acontecido — disse o líder russo, ao ser questionado se pretendia usar seu arsenal nuclear como forma de pressionar o Ocidente sobre a Ucrânia. — Peço a todos mais uma vez que não mencionem tais coisas [armas nucleares] em vão.

No início da invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022, Putin ordenou que suas forças nucleares entrassem em modo de preparação para o combate, e nos meses seguintes aliados, como o líder da Chechênia, Ramzam Kadyrov, sugeriram o uso de armas atômicas táticas, com menor poder de destruição, durante os combates.

No ano seguinte, Moscou suspendeu a participação no Novo Start, o único acordo de controle de arsenais estratégicos ainda em vigor com os EUA, e anunciou seus planos para reposicionar ogivas no território da Bielorrússia.

Em fevereiro, no discurso sobre o Estado da União, Putin disse que o maior envolvimento do Ocidente na guerra contra Kiev poderia levar a um conflito nuclear. Segundo a Federação de Cientistas Americanos, a Rússia tem 1.710 ogivas operacionais (prontas para uso), 2.670 não operacionais e 1.200 fora de uso.

— Se acontecer, Deus nos livre, [de uma guerra nuclear], seria algo que realmente não gostaríamos — apontou Putin. — Mas ainda parto do pressuposto de que nunca chegaremos a esse ponto.

Em São Petersburgo, Putin disse que não foi o responsável por “iniciar” o debate sobre o uso de armas nucleares, e afirmou que a ex-premier britânica, Liz Truss, que ficou no cargo por 45 dias em 2022, assumiu o poder “pronta para apertar o botão nuclear”.

— Sobre a escalada nuclear, nós nunca incitamos esta retórica. Nunca dissemos isso. Simplesmente respondemos que precisávamos levar isso mais a sério — afirmou o líder russo. — Eles imediatamente começaram a dizer que estamos promovendo armas nucleares, não estamos as promovendo.

 

Putin voltou a lembrar que seu país tem uma doutrina nuclear estabelecida sobre as condições de uso de seu arsenal estratégico. Em fevereiro, o jornal Financial Times teve acesso a um documento que detalha essas condições. 

Elas preveem, por exemplo, o emprego de bombas caso a frota de submarinos nucleares sofra perdas consideráveis, impedir "agressões de Estados inimigos", a resposta a um ataque atômico e, como Putin menciona com frequência, a ameaça à existência da Rússia. Nesta sexta, o presidente deixou no ar a possibilidade de mudanças nessa doutrina no futuro.

— Esta doutrina é um instrumento vivo e estamos observando atentamente o que está acontecendo no mundo, ao nosso redor, e não descartamos fazer algumas mudanças nesta doutrina — afirmou, sem dar detalhes.

Diante de uma plateia majoritariamente amistosa, o presidente reiterou a confiança em uma vitória militar na Ucrânia, e destacou não ser necessária uma nova mobilização militar . No momento, suas forças estão avançando em áreas do leste ucraniano, e se aproximam de Kharkiv, a segunda maior cidade do país.

Putin disse que não pretende conquistar a cidade, que esteve perto de cair no início da invasão, mas sim criar uma “zona sanitária” perto da fronteira, citando os recorrentes ataques de Kiev contra cidades russas na região.

— Nosso complexo industrial de defesa está demonstrando seu funcionamento eficaz, já disse muitas vezes, posso repetir, aumentamos a produção de munições em mais de 20 vezes, somos muitas vezes maiores que as capacidades do inimigo em tecnologia de aviação, e somos significativamente superiores em tecnologia de veículos blindados e assim por diante — declarou, retornando à mesma carta nuclear que ele recomendou não ser levantada em vão. — Quando vemos o que é o caráter russo, qual é o caráter de um cidadão russo, entendemos isso e confiamos nisso, então não precisamos de nenhuma arma atômica.