Saúde

'As mídias sociais impuseram um padrão estético que não existe', diz cirurgião plástico

Ao GLOBO, Marcelo Araújo, médico do Hospital Albert Einstein, fala sobre o panorama e as tendências da cirurgia plástica no país

cirurgia plástica - Freepik

O Brasil é o segundo país que mais realiza cirurgias plásticas, atrás apenas dos Estados Unidos, segundo a Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética. Estima-se que os EUA e o Brasil tenham o maior número de cirurgiões plásticos, com mais de 30% do total mundial. Entre os médicos brasileiros, um dos principais expoentes é o cirurgião plástico Marcelo Araújo, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

Araújo se especializou na clínica do Pitanguy, atuando diretamente com o mestre Ivo Pitanguy, considerado um dos maiores cirurgiões plásticos do mundo. Hoje, Araújo é um dos cirurgiões mais procurados do país, incluindo por famosos e pessoas públicas. Mas o médico é bastante discreto em relação aos seus pacientes. Ele se diz privilegiado pode ser procurado por pessoas públicas ou pessoas “que fizeram história dentro das suas carreiras ou das suas vidas”.

— Mas eu tenho um lema que quem tem que ser famoso é o meu paciente, não o médico.,

Em entrevista ao GLOBO, ele fala sobre o panorama atual da cirurgia plástica no país e o que esperar para os próximos anos.

Quais são as cirurgias plásticas mais procuradas atualmente?

A cirurgia corporal saiu na frente e corporal ainda é a mais prevalente, principalmente lipoaspiração e mamoplastia, porque ela pega todas as idades. Mas o que estamos vendo nos últimos anos é um crescimento grande das cirurgias de face. Isso inclui pálpebra, face e rinoplastia. A face é uma área mais exposta, com uma anatomia mais complexa e acho que precisou chegar num nível de evolução técnica que o paciente se sentisse seguro de que seria uma cirurgia natural em termos de resultado.

Podemos dizer que o resultado das cirurgias plásticas ficou mais natural?

Sim, os resultados hoje são mais naturais por muitos motivos. Para começar, houve uma melhora das técnicas de cirurgia. Além disso, os pacientes chegam para o médico com uma melhor qualidade de pele, parecendo mais jovens e a cirurgia fica menor, mais natural. Isso só foi possível devido ao surgimento de recursos tecnológicos para cuidar da pele, como laser, botox, ultrassom, entre outros. Outros recursos tecnológicos, como simulação 3D em computador, permite que o médico entenda o que melhor o que paciente deseja, desde que utilizado. Essa simulação não é usada como uma promessa de resultado, mas para ouvir a paciente. Por exemplo, é possível simular uma redução de nariz e ouvir da paciente se ela acha aquilo pouco ou muito. O mesmo serve para volumes de mama. Com essas ferramentas conseguimos orientar melhor o paciente quanto ao resultado e a maioria das pacientes entendem hoje que o proporcional, seja no nariz ou na mama, é o mais bonito e é o melhor.

Os tratamentos não cirúrgicos ajudam o cirurgião?

Os tratamentos não cirúrgicos vieram para retardar ou deixar a cirurgia mais leve, para que a pessoa envelheça mais devagar. Mas cabe um alerta. Nos últimos cinco anos temos notado um exagero de alguns procedimentos não cirúrgicos, em especial os preenchimentos. Por serem de mais fácil acesso, não precisarem de internação cirúrgica, poderem ser feitos direto no consultório de várias especialidades médicas, houve, na minha visão, um abuso do uso desses injetáveis. Temos recebido muitos pacientes para retirada desses preenchedores. Esse era um fenômeno que eu não observava antes de cinco anos. Antigamente, as pessoas exageravam na cirurgia, agora, o exagero está acontecendo na outra ponta.

Qual é o perfil dos pacientes atualmente, em termos de idade?

Tem chegado não só pacientes mais jovens, como mais idosos. Hoje eu também tenho muitos pacientes acima de 80 anos no meu consultório, o que não tinha antes. Os mais jovens procuram mais cirurgia no nariz, prótese de mama e lipoaspiração. Nos idosos, são as cirurgias de rejuvenescimento facial. Face, pescoço e cirurgia de pálpebra são as mais comuns.

Existe uma idade mínima para idade mínima para a realização de procedimentos estéticos?

Em geral, nas crianças fazemos cirurgias reparadoras devido a trauma, queimadura, acidente ou deformidades congênitas, como lábio leporino e deformidades craniofaciais. Com exceção da cirurgia de orelha proeminente, que pode ser realizada a partir dos seis anos de idade. Quando falamos de cirurgias estéticas, como mama, lipoaspiração e nariz, o ideal é que esse paciente já tenha completado quase todo o ciclo de crescimento, o que em geral acontece a partir dos 15 ou 16 anos.

Cirurgias estéticas em adolescentes causam controvérsia, pois são procedimentos definitivos e, hoje em dia, ainda tem a pressão dos filtros e redes sociais. Como o médico lida com esse tipo de paciente?

Precisamos lembrar que a cirurgia plástica trata a parte física, mas interfere muito com o lado psicológico do paciente. O meu maior cuidado sempre são os adolescentes porque eles estão numa fase de transição física e psicológica muito grande em suas vidas. Então eles têm mais insegurança em relação à imagem. Aqui cabe um outro alerta, que é o nível de cobrança que os jovens estão se põem por causa das mídias sociais. Elas impuseram um padrão estético que não existe. As pessoas ali estão com filtro, maquiagem, luz e, às vezes, um adolescente vê aquela foto e se idealiza naquela forma. Mas aquela foto não é a realidade. Cabe ao profissional orientar o adolescente se o que ele está desejando é factível, se fica bem para ele e se está seguro com a decisão. Essa é uma fase que o médico tem que ter um cuidado maior com o lado psicológico. Em geral, quando na paciente mais velha, é o oposto. Cabe mais uma orientação em relação ao cuidado físico e de segurança da cirurgia e menos o lado psicológico. Acho que toda criança abaixo dos 18 anos tem que ter a anuência dos pais para realizar uma cirurgia plástica. Até para que o ambiente familiar seja acolhedor para aquela cirurgia.

Aumentou o número de pacientes homens?

Hoje, um quarto dos meus pacientes são homens. Há 25 anos, quando eu comecei, os homens eram menos de 5%. Em geral, o homem quer um procedimento ainda mais natural do que a mulher e acho eles se sentiram mais seguros quando viram que a cirurgia foi ficando mais natural.

As cirurgias plásticas ficaram mais seguras?

Sim. Nos últimos 20 anos houve uma evolução da anestesia e da segurança operatória. Quando eu iniciei minha carreira, era muito comum que os cirurgiões tivessem uma clínica pequena junto com consultório e eles operavam fora do hospital. Hoje, a grande maioria dos cirurgiões passou a operar dentro de uma estrutura hospitalar que tem muito mais recurso e segurança. A evolução tecnológica e de medicamentos da anestesia também foi exponencial nos últimos 20 anos. Aliás, a anestesia foi uma das especialidades que mais evoluiu em termos de monitoramento, medicamentos e estrutura. Hoje, quando uma pessoa vai submeter à cirurgia, ela sabe que o nível de segurança é muito maior do que no início da minha carreira. Acho que isso foi um fator fundamental para que as cirurgias pudessem aumentar em número.

Apesar do aumento da segurança ainda vemos casos de mortes, erros e sequelas. Por que isso acontece?

Na maioria das vezes, a cirurgia plástica é eletiva e programada. Então esse paciente não deve ser submetido a nenhum tipo de risco, porque se é uma cirurgia programada, você deve fazer nas melhores condições possíveis. Se o paciente tem alguma doença crônica, por exemplo, essa condição precisa estar controlada ou estável. Se ele usa algum medicamento de risco, isso deve ser suspenso antes. Além disso, o fato da cirurgia ser eletiva e programada não dá o direito de o médico exceder os limites, como a quantidade de cirurgias associadas no mesmo ato cirúrgico ou o número de horas de cirurgia para aquele perfil de paciente. O tempo máximo de uma cirurgia deve considerar a idade do paciente, a presença de comorbidades e o estado geral de saúde. Se for uma paciente mais idosa, com comorbidade, o ideal é não fazer uma cirurgia de muitas horas ou com vários procedimentos associados. Não existe um número fixo, mas esse bom senso em relação ao estado de saúde e idade daquela paciente. Na lipoaspiração, por exemplo, é preciso respeitar o volume máximo de líquido a ser aspirado. Isso gira em torno de 5 a 7% do peso corporal. Vejo que alguns colegas querem exceder esse limite. Para mim, o limite de segurança é inegociável. Sempre digo que é igual pilotar um avião. Em geral, quando acontece algum deslize em uma cirurgia plástica, é uma somatória de vários fatores que foram desrespeitados.

Como o paciente pode se prevenir de riscos?

A primeira coisa é se certificar que o médico é um especialista em cirurgia plástica. Uma das maneiras mais fáceis de fazer isso é ligar ou entrar no site da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP). Segundo, deve se certificar que o médico opera em um ambiente seguro e certificado, seja um ambiente hospitalar ou clínica, que tenha todos os recursos de segurança e emergência. Tem que ter um pouco de cuidado quando a escolha do profissional é só por uma mídia social, por exemplo. Eu sempre acho que as melhores referências são pacientes já operados ou a opinião de colegas médicos sobre aquele profissional.

É possível fazer uma lipo em pacientes que já são magras?

A lipoaspiração ficou muito tecnológica nos últimos oito, nove anos. Com isso, os resultados ficaram melhores e pessoas que já têm o corpo considerado bonito, querem melhorar um pouco mais. Querem ressaltar o relevo muscular e afinar a cintura, por exemplo. O questionamento ético sobre esse tipo de procedimento tem uma lenha muito tênue, que passa por outras cirurgias também. Existe uma definição muito importante na cirurgia plástica que é não devemos julgar o paciente pelo tamanho da deformidade. Às vezes, uma deformidade muito pequena pode causar um desconforto físico e psicossocial muito grande naquela pessoa, enquanto um indivíduo com uma deformidade grande pode ter um convívio psicossocial muito bom com isso. Então, eu diria que o desconforto psicológico não tem relação com o tamanho da deformidade física e que uma cirurgia com essa pode ser feita, desde que o médico respeite os limites da cirurgia e não coloque a paciente em risco.

A cirurgia de face pode ser indicada para pacientes jovens ou é mais para pacientes mais velhos?

A cirurgia de face tem dois grandes grupos, a cirurgia de rejuvenescimento e a de contorno facial. A primeira é indicada para pacientes que se queixam do envelhecimento ou da flacidez e, em geral, são indicadas dos 48, 50 anos para frente. Já o contorno facial inclui os jovens. N paciente que tem o queixo muito pequeno ou a mandíbula retraída, uma simples cirurgia de avanço do mento ou colocação de um implante pode dar uma forma melhor para o rosto. Algumas características genéticas e familiares, como bolsas de gordura nos olhos, também se manifestam cedo. Temos pacientes de 28 a 30 anos que já tem as bolsas palpebrais evidentes e algumas gorduras profundas do rosto e podem se beneficiar de uma cirurgia de contorno facial.

Por que que os resultados cirurgia de fácil hoje são bem melhores do que no passado?

Hoje, pensamos no envelhecimento como um todo. Se a paciente teve uma redução óssea ou o contorno ósseo precisa de reparo, podemos fazer avanços ósseos, usar implantes de mento, de mandíbula, fazer injeção de gordura para aumentar o contorno ósseo. Também tratamos a flacidez da musculatura, repomos volume que esse paciente perdeu de gordura ao longo do tempo e ainda tratamos a pele. A cirurgia de Face hoje não tem mais nada relacionado àquela antiga, que apenas esticada a pele. Ela é uma cirurgia completa, de todas as camadas, e não força muito a pele. Os resultados não só rejuvenescem, mas embelezam um pouco a pessoa.

Tem alguma área da cirurgia plástica que ainda precisa evoluir?

Hoje se fala um pouco do lipedema, por exemplo, que é uma gordura localizada. Mas parte que menos evoluiu é a cirurgia dos membros inferiores, como a coxa. As cicatrizes nesses locais ainda são aparentes e os resultados estéticos ainda deixam a desejar. No tronco, as cirurgias são escondidas pela roupa íntima. Todas as cirurgias de face e pescoço são escondidas pelo cabelo. Mas as cirurgias dos membros ainda são evidentes. Precisamos ter lugares melhores ainda como camuflar essas cicatrizes e formas de melhorar o tônus da pele.

O que mudou cirurgia plástica nos últimos anos?

Nos últimos 20 a 25 anos, o que eu notei foi uma universalização da cirurgia plástica. Quando a cirurgia plástica começou, ela era uma medicina de guerra, quase 100% reparadora. Os médicos foram se especializando e melhorando tecnicamente e viram que podiam fazer em casos estéticos. Quando ela começou a assumir a parte estética, ainda era reservada para um grupo pequeno de pacientes privilegiados que podiam pagar ou que tinham acesso a esses médicos, que eram poucos. A cirurgia plástica cresceu absurdamente no mundo e também se estendeu a outras classes da população. Hoje, a cirurgia plástica atende desde a pessoa que não tem é renda, seja com hospitais públicos ou filantropia, até a pessoa mais privilegiada. Em 20 anos, a cirurgia plástica estética cresceu muito no número de pacientes, no número de médicos e também na parte não cirúrgica. Quando eu comecei, só existiam as cirurgias. Nesses 20 anos, tem um repertório muito grande de tecnologias de tratamento não invasivo, como lasers, ultrassom, microagulhamento, radiofrequência, injetáveis, fios absorvíveis, etc. Esses procedimentos possibilitaram retardar um pouco a cirurgia plástica e, quando feita, a cirurgia é menor e um pouco menos agressiva.

O que esperar da cirurgia plástica no futuro?

Muita gente imagina que os tratamentos de pele não cirúrgicos vão melhorar tanto que a cirurgia em algum momento vai desaparecer. A cirurgia nunca vai desaparecer porque existem traumas, deformidades congênitas e, mesmo que possamos melhorar a qualidade da pele, as alterações internas, o envelhecimento como um todo, continua acontecendo. A tendência é que a cirurgia até aumente em número, como eu tenho observado dos últimos anos, ao contrário de outros profissionais imaginavam. Só que a cirurgia tende a ficar menor, em termos de cicatrizes, mais segura e menos traumática, com recuperação mais rápida. Olhando para o futuro, também pensamos muito no uso da terapia celular. Existem centenas de tratamentos com terapia celular, desde cuidados simples como melhorar a qualidade da pele, até melhorar a cicatrização, casos de trauma, queimadura e ferida. Já temos alguns casos pontuais de pacientes que tem um nível de cicatrização muito melhor e mais rápido, com menos dias de hospitalização, por causa da terapia celular. Hoje, a regulação jurídica que existe no Brasil e na maioria dos países permite o uso da célula do próprio paciente apenas no momento que ela foi retirada, sem manipulação no laboratório. Então, num pequeno aspirado de lipoaspiração, eu posso colher célula de gordura e células-tronco ou fatores de crescimento retirados dessa gordura através de filtros ou centrífuga, e injetar na pele ou no couro cabeludo do paciente para melhorar a cicatrização e repor volume. Hoje, uma das ferramentas mais utilizadas em reconstrução de mama é o enxerto de gordura da própria paciente. Mas a expectativa para o futuro é poder estocar a célula de um paciente, por exemplo, e utilizá-la para um novo procedimento. A ideia é que a maioria dos preenchedores e próteses de mama, que hoje são sintéticos, sejam feitos com célula do paciente. Já existem pesquisas sobre isso e acho que a medicina está realmente caminhando nesse sentido.

Por que o senhor optou por cirurgia plástica?

Sou fruto de uma mistura muito interessante. Sou mineiro, meu pai é médico anestesista e acho que essa parte médica foi influenciada por ele, e a parte artística que a plástica envolve, eu herdei totalmente da minha mãe, que era estilista. Nunca ninguém me influenciou, mas instintivamente procurei uma área que unisse as duas coisas. Apesar de ser mineiro, fiz medicina e cirurgia-geral na USP de Ribeirão Preto e quando fui fazer plástica, meu sonho era entrar na clínica do professor Pitangui, que era o serviço de plástica mais reconhecido da época. Consegui e foi uma convivência maravilhosa. Morei praticamente três anos na clínica. Eu era residente direto na clínica privada e trabalhava ao lado do professor Pitangui. Ali eu tive uma vivência muito rica em todos os sentidos porque ele fazia cirurgia estética e reparadora. A gente não pode separar uma da outra porque quando falamos de cirurgia plástica, as pessoas esquecem a enorme função social e reparadora da plástica. Teve outro aspecto cultural muito importante que foi a convivência com pessoas do mundo todo, tanto médicos que vinham se especializar aqui, como pacientes.