Imunização

As 5 principais novidades sobre vacinas nos últimos anos - e o que esperar para o futuro

Em uma história mais recente, a pandemia de Covid-19 é um sólido exemplo do impacto das vacinas e do quanto a ciência e a medicina avançaram na capacidade de desenvolver e produzir esses fármacos

Vacina - Arthur Mota/Folha de Pernambuco

“Três intervenções mudaram o destino da humanidade: água potável, antibióticos e vacinas”, disse o médico americano Stanley Plotkin, inventor do imunizante contra a rubéola e reconhecido mundialmente pelo trabalho como consultor no desenvolvimento de vacinas. Essa é a dimensão da importância da vacinação para a humanidade e não é nem um pouco exagero.

Graças a uma massiva campanha mundial de vacinação, encabeçada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a varíola, doença que já foi a maior ameaça da humanidade, foi erradicada. Um estudo publicado recentemente na revista científica The Lancet revelou que, nas últimas cinco décadas, os esforços globais de vacinação salvaram ao menos 154 milhões de pessoas, sendo a maioria delas, crianças.

— Se hoje estamos livre de paralisia infantil, de difteria e outras doenças, é graças à vacinação. Não é porque a bactéria e o vírus resolveram não mais circular. A varíola, por exemplo, é uma doença que ficou nos livros, mas dizimou praticamente metade da população mundial na época. Para quem ainda duvida ou coloca em xeque a vantagem de ter uma população vacinada, é só ler a história — diz a infectologista Rosana Richtmann, consultora em vacinas do Alta Diagnósticos, marca pertencente à Dasa, rede de saúde integrada.

Em uma história mais recente, a pandemia de Covid-19 é um sólido exemplo do impacto das vacinas e do quanto a ciência e a medicina avançaram na capacidade de desenvolver e produzir esses fármacos. Diante disso, elencamos as principais novidades ocorridas nos últimos anos no campo da vacinação e o que isso representa.

Criação de vacinas em tempo recorde

A pandemia de Covid-19 representou uma mudança de paradigma no desenvolvimento de vacinas. A Moderna conseguiu deflagrar os ensaios clínicos de um imunizante em apenas 63 dias, algo inédito na história da humanidade. Mas mais surpreendente ainda foi a velocidade com que tivemos uma vacina aprovada para combater o novo Sars-CoV-2: 10 meses foi o tempo entre o conceito e a primeira aprovação da vacina desenvolvida pelas empresas Pfizer e BioNTech.

Até então, a vacina que tinha sido desenvolvida mais rápido na história foi contra a caxumba e demorou quatro anos. A velocidade singular no desenvolvimento de uma vacina contra Covid-19 foi possível graças a uma conjunção de fatores, incluindo a utilização de novas tecnologias.

A primeira vacina aprovada no mundo era feita de RNA mensageiro (RNAm), uma plataforma nova, que em vez de introduzir o vírus inativado ou uma parte dele para que o sistema imunológico produza as defesas - como feito nos modelos tradicionais, utiliza o próprio organismo como “fábrica” da proteína S do coronavírus, que então é lida pelo corpo para produzir as células de defesa e anticorpos.

— A pandemia nos trouxe a possibilidade de testarmos e avaliar a eficácia e segurança de plataformas que antes não tínhamos a disposição em larga escala. Isso foi importante porque agora demos um salto muito significativo para utilizar essas plataformas em novas vacinas, para doenças que até então não tínhamos meios ou ferramentas para colocarmos em prática — diz Henrique Fonseca, head de Estudos Clínicos em Vacinas e Imunoterapia na Academic Research Organization (ARO) - Hospital Israelita Albert Einstein.

A tecnologia utilizada na criação das vacinas certamente foi um ponto chave, mas especialistas citam outros fatores que contribuíram para esse desfecho, como experiências anteriores com a elaboração de vacinas para vírus semelhantes, investimentos sem precedentes e modelos inéditos de estudo.

— Mais do que novas tecnologias, foi o modelo de estudo que permitiu termos vacinas em tão pouco tempo. Como era uma emergência sanitária internacional, algumas etapas foram feitas concomitantemente. Esse novo modelo serve para estarmos mais preparados para uma próxima pandemia, que vai acontecer, só não sabemos quando nem o que vai causá-la — pontua Richtmann.

Vacinas contra o câncer

Vacinas contra o câncer estão cada vez mais perto de se tornarem realidade. O CEO da Moderna, Stéphane Bancel, disse à AFP que a vacina experimental contra o melanoma que sua companhia desenvolveu pode estar disponível em apenas dois anos, o que representaria um passo histórico contra a forma mais grave de câncer de pele.

Resultados de um estudo clínico fase 2b – que avalia a eficácia e segurança - apresentados recentemente no congresso anual da American Society of Clinical Oncology (ASCO) mostram que após cerca de três anos de acompanhamento, a vacina da Moderna, em combinação com o fármaco de imunoterapia Keytruda, do laboratório MSD, reduz o risco de recorrência ou morte em 49% e o risco de propagação do câncer em 62%, em comparação com a administração exclusiva do Keytruda.

As vacinas contra o câncer são uma forma de imunoterapia e utilizam a mesma tecnologia de alguns imunizantes contra Covid-19, o RNAm. Ao contrário das vacinas contra vírus e bactérias, que previnem infecções ou reduzem a gravidade de doenças, os imunizantes contra o câncer tratam pessoas que já têm a doença. Eles são projetados para ajudar o sistema imunológico do paciente a reconhecer e matar as células cancerígenas, impedindo que elas voltem.

— Um câncer é um desarranjo no processo de crescimento celular, de diferenciação das células do organismo, que não é reconhecido pelo sistema imune. Nesse contexto, a vacina nada mais é do que você dar ferramentas para que o sistema imune possa reconhecer e atacar o tumor — explica Fonseca.

Outra peculiaridade das vacinas de RNAm contra o câncer é que elas são personalizadas para cada pessoa. Além do melanoma, estão em desenvolvimento vacinas contra outros tipos de câncer, como de pulmão, colorretal, de pâncreas, renal, de mama e urotelial.

Novas vacinas incorporadas pelo SUS

O Sistema Único de Saúde (SUS) tem um dos programas mais robustos de vacinação do mundo: o Programa Nacional de Imunizações (PNI). Criado em 1973, o programa acumula feitos como a erradicação da varíola humana, rubéola e poliomielite. Após sua fundação, a expectativa de vida no Brasil saltou de 57 anos, em 1970, para 76, em 2019.

Nessas cinco décadas o programa vem sendo constantemente atualizado, com a incorporação de novas vacinas. No total, hoje, o SUS oferece 20 vacinas gratuitamente à população, seguindo as recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS), incluindo imunizantes inovadores, como o da dengue.

Para Richtmann, a incorporação da vacina Qdenga, que protege contra a dengue, foi o principal avanço do SUS nos últimos anos.

— O Brasil foi o primeiro país a colocar a vacina da dengue no seu programa nacional de imunizações e teve que enfrentar todos os tropeços e êxitos de uma campanha inédita. Mas é uma experiência que vai servir de exemplo para o resto da América Latina e do mundo em termos de campanha de uma vacina nova.

Outro importante imunizante incorporado ao sistema foi a vacina meningocócica ACWY, que protege adolescentes contra meningite. Algo que vem acontecendo no SUS e que se espera que aconteça mais no futuro é o surgimento de vacinas conjugadas. Por exemplo, em 2012, a vacina tetravalente (DTP+Hib) foi substituída pela pentavalente (DTP+Hib+HepB), que inclui a tríplice bacteriana acelular (DTPa), a poliomielite inativada (VIP) e a Haemophilus influenzae tipo b (Hib), que previnem difteria, tétano, coqueluche, meningite por Haemophilus influenza e tipo b e poliomielite. Em 2013, houve introdução da tetraviral, que protege contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela. A expectativa é que no futuro, seja possível conjugar vacinas para vírus que circulam na mesma época, como influenza, Sars-CoV-2 e vírus sincicial respiratório.

Dose única da vacina contra HPV

Em abril, o Ministério da Saúde anunciou que a vacina contra o HPV — abreviação em inglês para papilomavírus humano — passaria a ser aplicada em dose única no Sistema Único de Saúde (SUS). A recomendação é direcionada para crianças e adolescentes de 9 a 14 anos.

O público restante, que também pode receber a vacina da rede pública, como imunossuprimidos e vítimas de violência sexual, continuarão com o esquema anterior, com duas ou três doses, dependendo da faixa etária.

A pasta também recomenda que os estados e municípios realizem busca ativa para garantir que jovens brasileiros de até 19 anos tenham acesso à vacina contra o HPV. Aqueles que não tomaram nenhuma dose, devem ser imunizados.

O principal objetivo é aumentar a adesão à vacinação e ampliar a cobertura vacinal, visando eliminar o câncer de colo do útero como problema de saúde pública. A mudança aconteceu após recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) feita em 2022.

— O objetivo da vacinação contra o HPV a nível público é a redução drástica do número de mulheres com câncer de colo do útero, por isso o Brasil optou pela dose única. As nossas coberturas vacinais devem aumentar e mais do que isso, sobra mais vacina para podermos ampliar a faixa etária. Antes, vacinávamos de 9 até 14 anos. Hoje, estamos vacinando até 19 anos na rede pública — diz Richtmann.

Novas vacinas extremamente eficazes

Outra novidade dos últimos anos é o lançamento de vacinas eficazes para doenças infecciosas que até então não tinham essa proteção. Além da vacina contra Covid-19, os exemplos mais emblemáticos incluem os imunizantes contra dengue, herpes zoster, vírus sincicial respiratório (VSR) e malária.

A Qdenga, imunizante contra a dengue desenvolvido pelo laboratório japonês Takeda Pharma, foi aprovada pela Anvisa em março do ano passado. Nos estudos clínicos, demonstrou uma eficácia geral de 80,2% para evitar contaminações, e de 90,4% para prevenir casos graves. A proteção é válida tanto para quem nunca teve a doença, quanto para aqueles que já foram infectados antes.

A aprovação de uma vacina eficaz contra a doença representa um grande avanço para o mundo e chega em um momento importante do ponto de vista de saúde pública, visto que a doença está se espalhando pelo globo. O Brasil, por exemplo, enfrenta a pior epidemia da doença. Segundo a OMS, a dengue também se tornará uma ameaça aos EUA, Europa e África.

Em 2023, a Anvisa também aprovou a primeira vacina para prevenção do vírus sincicial respiratório (VSR), principal causa de bronquiolite. O imunizante que recebeu o sinal verde chama-se Arexvy e foi desenvolvido pela farmacêutica GlaxoSmith Kline (GSK). A aplicação, em dose única, é destinada a idosos com 60 anos ou mais. Neste ano, a agência aprovou um segundo imunizante contra o vírus, a vacina Abrysvo, da empresa Pfizer, mas desta vez, destinada a proteger bebês.

De acordo com a infectologista, estes são os dois grupos mais afetados pela doença e com maior risco de desenvolver sintomas graves. O imunizante Abrysvo busca prevenir a doença em crianças desde o nascimento até os 6 meses de idade, por imunização ativa em gestantes. Ou seja, a vacina não é aplicada diretamente nos bebês e sim nas mães, durante a gestação.

— A gente nunca usou tanta vacina em gestante com o objetivo de proteção do recém-nascido. Isso já vale para a influenza, covid, vírus sincicial respiratório e devem surgir outras em breve, com citomegalovírus e Streptococcus do grupo B.

Outras vacinas para prevenções inéditas aprovadas nos últimos anos e que causam um grande impacto em termos de saúde são a da malária e a da herpes zóster. O imunizante contra a malária não está disponível no Brasil, pois protege contra uma forma da doença pouco prevalente no país.

Mas esse imunizante terá um grande impacto na África. Dados de 2022 mostram que 94% dos casos globais e 95% das mortes pela doença estão localizados no continente. Neste ano, Camarões se tornou o primeiro país do mundo com uma campanha de vacinação contra a doença.

Já a Shingrix, vacina recombinante contra herpes zóster desenvolvida pela GSK está disponível no Brasil, mas apenas na rede privada. Os estudos demonstraram eficácia de mais de 90% na prevenção de episódio agudo, mesmo em idosos acima de 70 anos.

— Essa vacina também foi uma novidade fantástica porque zóster é uma doença que muda a qualidade de vida dos idosos e essa vacina tem uma eficácia quase inacreditável, de pelo menos 90% de proteção para uma população idosa, que não responde bem às vacinas — avalia Richtmann.

Para o futuro, a expectativa é grande.

— Estamos em um momento muito oportuno para as vacinas. Essas novas tecnologias vão abrir novas fronteiras para que tenhamos evidências tanto para doenças infecciosas que a gente ainda não tem vacina, quanto para doenças crônicas que a gente precisa conhecer um pouquinho mais — conclui Fonseca.