SAÚDE

Sabor doce na ponta e salgado dos lados? Você pode ter aprendido errado sobre como a língua funciona

A percepção do paladar é extremamente complexa, não apenas na língua, mas em órgãos de todo o corpo

Língua - freestockcenter/Freepik

Pense por um minuto sobre a textura da sua língua. Você provavelmente já viu um diagrama da disposição das papilas gustativas em um livro de biologia — sensores doces na ponta, salgados em ambos os lados, azedos atrás deles e amargos na parte de trás.

No entanto, a ideia de que sabores específicos estão confinados a determinadas áreas da língua é um mito que “persiste na consciência coletiva apesar de décadas de pesquisas que o desmentem”, de acordo com uma análise publicada este mês no The New England Journal of Medicine.

A noção de que o paladar é limitado à boca também está errada.

O antigo diagrama, que tem sido usado em muitos livros didáticos ao longo dos anos, teve origem em um estudo publicado por David Hanig, um cientista alemão, em 1901.
 



Porém, o cientista não estava sugerindo que os vários gostos são segregados na língua. Na verdade, ele estava medindo a sensibilidade de diferentes áreas, diz Paul Breslin, pesquisador do Monell Chemical Senses Center, na Filadélfia.

— O que ele descobriu foi que era possível detectar coisas em uma concentração menor em uma parte em relação a outra — afirma Breslin. A ponta da língua, por exemplo, é repleta de sensores de doce, mas também contém os outros.

Os erros deste mapa são fáceis de confirmar. Se você colocar uma fatia de limão na ponta da língua, ela terá um sabor azedo, e se colocar um pouco de mel na lateral, será doce.

A percepção do paladar é um processo extremamente complexo, que começa no primeiro contato com a língua. As células gustativas têm uma variedade de sensores que sinalizam ao cérebro quando encontram nutrientes ou toxinas. Para alguns sabores, minúsculos poros nas membranas celulares permitem a entrada de substâncias químicas gustativas.

Esses receptores não se limitam à língua e também são encontrados no trato gastrointestinal, no fígado, no pâncreas, nas células de gordura, no cérebro, nas células musculares, na tireoide e nos pulmões.

Em geral, não pensamos que esses órgãos estejam sentindo o gosto de alguma coisa, mas eles usam os receptores para captar a presença de várias moléculas e metabolizá-las, explica Diego Bohórquez, que se autodescreve como neurocientista do intestino-cérebro da Duke University. Por exemplo, quando o intestino percebe a presença de açúcar nos alimentos, ele informa o cérebro para alertar outros órgãos para que se preparem para a digestão.

Breslin compara o sistema a um aeroporto que se organiza para a aterrissagem de um avião.

— Pense se um avião aterrissasse em um terminal de aeroporto que não estivesse pronto — ilustra. Ninguém estaria preparado para guiar o avião até o portão, limpá-lo ou descarregar a bagagem.

Segundo ele, o paladar prepara o organismo. Ele desperta o estômago, estimula a salivação e envia um pouco de insulina para o sangue, que, por sua vez, transporta os açúcares para as células.

Ivan Pavlov, fisiologista russo que ganhou o Prêmio Nobel por seus estudos sobre digestão em 1904, demonstrou que pedaços de carne colocados diretamente em um orifício no estômago do cão não seriam digeridos a menos que ele polvilhasse a língua do cão com um pouco de pó de carne seca para iniciar o processo.

Bohórquez foi instigado a procurar uma conexão entre o intestino e o cérebro há duas décadas, quando estava na pós-graduação e uma amiga que havia se submetido a uma cirurgia bariátrica lhe perguntou por que ela não odiava mais os ovos fritos. Ele pensou que talvez os receptores de sabor em seu intestino, agora reduzido, estivessem sentindo que ela não estava recebendo nutrientes suficientes e começaram a sinalizar para o cérebro que comer gemas de ovos moles seria uma boa ideia agora.

O pesquisador e seus colegas encontraram uma conexão no laboratório. As células portadoras de receptores gustativos no intestino, que ele chamou de neurópodes, fazem contato direto com as células nervosas que permitem que o cérebro saiba que um nutriente está no intestino.

— A percepção do paladar é mais complexa do que apenas as papilas gustativas — ressalta Bohórquez.

Estudos mais recentes estão apenas tornando a questão mais complexa. O umami, um sabor salgado encontrado em alimentos como molho de peixe e ketchup, começou a ser aceito como a quinta categoria de sabor pelos pesquisadores no final da década de 1980 e início da década de 1990, quase 80 anos depois de ter sido proposto por Kikunae Ikeda, um químico japonês. Mais de 2.100 trabalhos de pesquisa sobre o umami estão agora listados pela Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA.

Há vários anos, uma equipe de pesquisa australiana sugeriu que poderia haver um receptor de sabor especial para a gordura. Breslin e outros pesquisadores estão estudando como as células receptoras de sabor identificam a gordura, informação que pode ser útil para descobrir por que algumas pessoas comem demais.