SAÚDE

Fadiga crônica, névoa mental: novo relatório dos EUA aponta mais de 200 sintomas da Covid longa

Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina do país destaca que persistência de queixas pós-Covid 'está associada a uma ampla gama de condições de saúde'

Fadiga crônica, névoa mental: novo relatório dos EUA aponta mais de 200 sintomas da Covid longa - Freepik

Uma das principais autoridades de aconselhamento médico dos Estados Unidos publicou um relatório de 265 páginas sobre a Covid longa, quadro caracterizado pela persistência dos sintomas após a infecção, em que reconheceu a gravidade e a prevalência da doença entre milhões de americanos.

Segundo as Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA, uma instituição não governamental que assessora agências federais em ciência e medicina, o problema continua a prejudicar a capacidade de funcionamento de muitas pessoas mais de quatro anos depois do início da pandemia.

 

“A Covid longa pode afetar pessoas ao longo de toda a vida, de crianças a idosos, bem como em todos os sexos, gêneros, grupos raciais, étnicos e outros grupos demográficos”, diz o documento, concluindo que o quadro “está associado a uma ampla gama de condições de saúde novas ou agravadas e abrange mais de 200 sintomas envolvendo quase todos os sistemas de órgãos”.

Abaixo, confira as principais conclusões das Academias Nacionais, elaboradas por um comitê de 14 médicos e pesquisadores:

Quantas pessoas têm Covid longa?
O relatório citou dados de 2022 que sugerem que quase 18 milhões de adultos, e quase 1 milhão de crianças, nos Estados Unidos, tiveram Covid longa em algum momento. Na época exata da pesquisa, cerca de 8,9 milhões de adultos e 362 mil crianças tinham a doença.

As pesquisas mostram que a prevalência da Covid longa diminuiu em 2023, mas, por motivos pouco claros, aumentou neste ano. Em janeiro, os dados apontavam que quase 7% dos adultos nos Estados Unidos tinham o diagnóstico.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que de 10 a 20% dos infectados pela Covid-19 desenvolvem a persistência das queixas. Outros trabalhos, como um conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), encontraram proporções mais altas, de até 50,2% (metade) dos contaminados.

Diagnóstico e consequências
Ainda não existe uma maneira padronizada de diagnosticar a Covid longa e nenhum tratamento definitivo para curá-la. “Não há uma abordagem única para a reabilitação, e cada indivíduo precisará de um programa adaptado às suas necessidades complexas”, recomendam as Academias Nacionais no relatório.

Em relação à identificação do quadro, as autoridades aconselham que os médicos não exijam um teste positivo da Covid-19 dos pacientes para que sejam diagnosticados com Covid longa.

O relatório afirma que alguns dos sintomas mais problemáticos – como névoa cerebral e fadiga crônica – podem impedir que as pessoas retornem ao trabalho e devem torná-las elegíveis para pagamentos por invalidez, embora seus sintomas possam não se encaixar nas categorias atuais de invalidez da Administração da Previdência Social dos EUA. O cenário é semelhante no Brasil.

“A Covid prolongada pode resultar na incapacidade de retornar ao trabalho (ou à escola para crianças e adolescentes), má qualidade de vida, diminuição da capacidade de realizar atividades da vida diária e diminuição da função física e cognitiva por seis meses a dois anos ou mais”, diz o relatório.

Pessoas em maior risco
As pessoas que têm um quadro mais grave devido à infecção inicial pela Covid têm maior probabilidade de apresentar sintomas de longo prazo. Aquelas que ficaram doentes o suficiente para serem hospitalizadas tinham de duas a três vezes mais chances de desenvolver a Covid longa.

Mas, segundo o relatório, “mesmo indivíduos com um curso inicial de doença leve podem desenvolver a Covid longa com efeitos graves para a saúde”. E “dado o número muito maior de pessoas com doença leve versus doença grave, elas constituem a grande maioria das pessoas com Covid longa”.

As mulheres também têm cerca de duas vezes mais chances de desenvolver o problema. Outros fatores de risco incluem não ter sido vacinado adequadamente contra o coronavírus, ter condições médicas preexistentes ou deficiências e ser fumante.

Covid longa em crianças
As crianças são menos propensas do que os adultos a desenvolver Covid longa e têm maior probabilidade de se recuperar dela.

No entanto, há casos que "apresentam sintomas persistentes ou intermitentes que podem reduzir sua qualidade de vida” e “resultam em aumento de faltas à escola e diminuição da participação e desempenho na escola, esportes e outras atividades sociais”, diz o relatório.

Recuperação da Covid longa
Algumas pessoas se recuperam com o tempo, e há evidências de que, após um ano, os sintomas de muitas pessoas diminuíram. Mas, há também pesquisas sugerindo que a recuperação desacelera ou se estabiliza após o primeiro ano, segundo o relatório.

Como a Covid longa varia muito de pessoa para pessoa e afeta muitos sistemas do corpo, cada caso deve ser abordado individualmente, recomendam os especialistas.

Para algumas pessoas, “retornar ao trabalho muito cedo pode resultar em deterioração da saúde, e um plano de retorno gradual ao trabalho pode ser aconselhado”, diz o documento, especialmente para pessoas com mal-estar pós-exercício, um sintoma que envolve esgotamento de energia ou contratempos após a realização de atividades que envolvem esforço físico ou mental.

Os empregadores talvez precisem oferecer acomodações aos funcionários que retornam, como permitir que eles façam intervalos frequentes ou trabalhem remotamente.

Semelhanças com outras doenças crônicas
“A Covid longa parece ser uma doença crônica, com poucos pacientes atingindo a remissão completa”, diz o relatório.

Alguns sintomas são semelhantes aos de outras doenças que surgem após infecções, incluindo encefalomielite málgica/síndrome da fadiga crônica, fibromialgia e síndrome de taquicardia postural ortostática.

A causa biológica dos sintomas não é clara. As teorias incluem inflamação, fragmentos de vírus remanescentes e desregulação do sistema imunológico.

Questões de equidade pioram o quadro
A Covid longa apresenta mais obstáculos para as pessoas que enfrentam desafios econômicos ou discriminação devido à sua raça ou etnia, ao local onde vivem ou ao grau de instrução que possuem, apontam as evidências.

Esses pacientes podem enfrentar mais ceticismo em relação a seus sintomas, podem ter menos condições de se ausentar do trabalho e podem morar mais longe de clínicas ou programas de tratamento para a Covid longa.