Caso Marielle

Caso Marielle: Ronnie Lessa diz que teve aval de Rogério de Andrade para abrir bingo

Em anexo obtido com exclusividade pelo Globo, ex-policial militar detalha encontros com contraventor

O ex-policial militar Ronnie Lessa, durante depoimento prestado em delação premiada - Reprodução

No acordo de delação premiada firmado com a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República (PGR), Ronnie Lessa disse ter pedido o aval do contraventor Rogério de Andrade para abrir um bingo no Quebra-Mar, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio, em 2018.

Em um anexo obtido com exclusividade pelo Globo, o executor da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes detalha o encontro, que, segundo ele, foi interrompido pela chegada da própria PF.

No depoimento, o ex-PM narra que estava no escritório do bicheiro, com Rogério e seu filho, Gustavo de Andrade, em um prédio comercial no mesmo bairro, quando agentes da PF chegou ao local.

Ambos já foram presos pela corporação por participarem de uma organização criminosa que domina o jogo do bicho, as máquinas de caça-níqueis, os bingos e os cassinos nessa região da cidade.

“Aí, chegando no escritório, nós começamos a conversar. Estava Rogério, eu, o Gustavo e o Vinicius. Uns dez minutos depois, ou no máximo 15, a secretária do escritório veio correndo dizendo que a Polícia Federal estava chegando no escritório. Pô, todo mundo saiu correndo. Eu não tenho como correr devido à minha prótese. Cada um foi para um canto, eu não sei exatamente onde cada um se meteu. E, quando consegui sair do escritório, dei de cara com os elevadores subindo. Ou seja, a Polícia Federal estava subindo. Eu olhei do lado e tinha uma escada. A Polícia Federal subiu e eu estava descendo pela escada. Levei não sei quanto tempo, eu não lembro qual era o andar. Fui descendo a escada, descendo, descendo até chegar na portaria”, contou Lessa.

Aos investigadores, o ex-PM narrou que, antes da saída repentina do escritório, o grupo conversou por cerca de dez minutos sobre a autorização do contraventor para a instalação do bingo. O espaço havia sido fechado horas após a inauguração e teve as máquinas de caça-níquel apreendidas:

“Conversamos sobre a liberação do local, o que a gente queria realmente era ter a certeza de que o Rogério sabia do bingo. E muito de imediato, deu para saber, porque eu expus a ele, falei: Pô, que chato, né? Fechou no primeiro dia. Aí ele: É, mas não vamos desistir não, vamos dar continuidade. Ou seja, em 10 minutos, que foi pouco, mas foi, eu acredito que tenha sido o suficiente para eu saber que eu tinha realmente certeza de que eu estava realmente autorizado pelo Rogério. Então, a parte importante para mim era essa. Então, podia ter sido um minuto, mas eu escutei o que eu queria escutar. Então, por mais que tenha se desfeita essa reunião em dez minutos, eu saí de lá satisfeito”.

Lessa relata que as tratativas sobre negócio se deram inicialmente com Gustavo. Ele ressalta, porém, que mesmo não desconfiando do rapaz, precisava ter certeza da anuência de seu pai, a fim de evitar que levasse um “esporro” ou sofresse qualquer outra “consequência”.

“Na verdade, muita gente até pensa, existem esses comentários, até em livros já tem isso, que eu fazia a segurança dele em 2009. Não. Eu conheci o Rogério Andrade em 2010. Então, muita gente pensa que eu era segurança dele, porque a questão é a seguinte. Nós sofremos um atentado à bomba, isso é conhecido de todos. Não é uma coisa normal no Brasil. Então, eu sofri um atentado à bomba em 2009. Sete meses depois, ele também sofreu um atentado à bomba e que acabou vitimando fatalmente o filho dele, tá? Uma coisa assim, uma fatalidade, uma tragédia realmente, né? E isso, quando houve essa segunda bomba que vitimou o filho dele, despertou meu interesse”, discorre Lessa.

À PF, o ex-PM se referiu ao atentado que sofreu e acabou por amputar sua perna, em Bento Ribeiro, Zona Norte do Rio.

Os responsáveis pelo crime teriam sido os mesmos que mataram da mesma maneira outro filho de Rogério, Diogo de Andrade, e um segurança, no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste:

“Porque, pô, eu não sabia quem tinha feito a minha bomba, até então, nós desconfiávamos da pessoa certa, até. Nós tínhamos a desconfiança. Mas quando houve a bomba dele, porque eu não trabalhava para ele, não conhecia ele, eu só conhecia ele através da mídia. Então, em 2010, eu busquei essa aproximação de saber, de perguntar para ele. Por que tentaram te matar a bomba? Porque eu também tinha essa pergunta, e ele também tinha essa dúvida. 'Quem é esse cara que sofreu um atentado igual ao meu?' Como eu disse, uma coisa bem atípica. A gente não está no Oriente Médio. A gente está no Brasil. Então, a princípio, tirando a bomba do Riocentro, era a primeira explosão de bomba, um atentado, uma coisa assim exagerada até. E nisso muita gente criou a mística de que eu estava até no carro dele. Fui especulado, no dia da bomba. Não, a minha foi em 2009, foram sete meses antes. Então, houve essa especulação de que eu era segurança dele. Isso acabou se adaptando”.

Por mais de uma vez, Lessa reitera não ter atuado como segurança nem trabalhado para os Andrade. Ele afirma que o primeiro encontro com o contraventor aconteceu justamente em 2010, para discutir s similaridade e os possíveis mandantes dos atentados que ele e o filho dele sofreram.

“Eu precisava conversar com ele e ele precisava conversar comigo. Consegui estreitar isso. Eu e Vinícius fomos até o apartamento dele no condomínio Golden Green. Ele nos recebeu e começamos a ajustar, e ali nós descobrimos que o alvo dele era um sargento do exército. O nosso também. O material usado no dele foi nitropenta e C4, o meu também”, contou.