Hunter Biden: Entenda como julgamento do filho do presidente dos EUA impacta campanha eleitoral
Acusado de comprar ilegalmente uma arma quando era usuário de crack, Hunter Biden pode enfrentar até 25 anos de prisão
Não é só o ex-presidente dos EUA Donald Trump — condenado por fraude fiscal no fim de maio — que encara um veredicto decisivo antes das eleições de novembro.
O filho do presidente Joe Biden, Hunter, pode ter o seu destino definido nesta terça-feira com a retomada da deliberação do júri sobre o porte ilegal de uma arma comprada por ele quando supostamente consumia drogas, uma violação à lei federal.
Ele se declarou inocente das três acusações das quais é alvo, mas pode enfrentar até 25 anos de prisão e US$ 750 mil de multa caso seja condenado pelo tribunal de Wilmington, em Delaware.
Em jogo, além da sua liberdade, está o futuro político do seu pai, que busca a reeleição contra Trump em uma corrida eleitoral cada vez mais acirrada.
Esta é a primeira vez na História dos Estados Unidos que o filho de um presidente em exercício é julgado criminalmente.
Hunter Biden ainda deve encarar a Justiça novamente em setembro — dois meses antes do pleito — para um segundo julgamento, dessa vez em Los Angeles, no qual é acusado de sonegação de impostos, evasão fiscal e fraude na declaração do imposto de renda. O caso pode ser ainda mais constrangedor para a família, pois envolve relações obscuras de Hunter com negócios no exterior, ameaçando expor detalhes de um estilo de vida luxuoso em que os laços sanguíneos com o presidente teriam sido usados em seu benefício.
Desde que ambas as denúncias foram feitas, no ano passado, o presidente americano evitou tecer comentários sobre os casos. No ano passado, o democrata disse que o filho "não fez nada de errado" ao ser questionado sobre as investigações em uma entrevista à MSNBC.
Em uma rara declaração, na última quinta-feira, Biden disse que respeitaria qualquer que fosse a decisão da Justiça e não concederia perdão presidencial ao filho. Como as acusações são federais, o presidente também poderia comutar a sentença, poupando-o de cumprir a punição.
Mas a posição do democrata pode não ser a mesma caso seja derrotado por Donald Trump. No apagar das luzes, nada impede que Biden perdoe uma eventual condenação de Hunter. Nesse aspecto, o movimento não seria sequer inédito: em 2021, o então presidente Bill Clinton concedeu perdão ao seu irmão Roger, condenado por posse e tráfico de drogas, como último ato no cargo, embora ele já tivesse cumprido sua sentença há mais de uma década.
Impacto na campanha democrata
Além de ofuscar eventuais boas notícias do governo Biden, o resultado do julgamento pode servir de munição para os republicanos em um momento em que a condenação de Trump pelo suborno da ex-atriz pornô Stormy Daniels ainda ecoa no noticiário. Assim que saiu o veredicto de culpado contra seu rival político, Biden chamou Trump de "criminoso condenado" — rótulo que poderá ser dado também ao seu filho nesta terça-feira.
Caso Hunter seja condenado, a campanha de Trump poderá usar a história para apontar uma disfuncionalidade na família Biden. O veredicto também enfraquece o uso da condenação do magnata em Nova York pelos democratas.
Se Hunter for inocentado, os republicanos poderão reafirmar a narrativa de perseguição política contra Trump, reforçando que o magnata foi condenado por se opor ao rival e ao establishment, mas o filho do presidente não porque o Judiciário seria parcial.
Em uma campanha focada, entre outras coisas, na defesa da democracia e do estado de direito, uma condenação de Hunter agora pode enfraquecer a imagem que Biden busca projetar em contraponto a Trump.
O julgamento também expôs detalhes de momentos difíceis para a família, como a morte do filho mais velho, Beau Biden, causada por um câncer no cérebro. A tragédia teria sido o gatilho para o início do consumo de drogas por Hunter, narrado em um livro de memórias que foi usado pelos promotores como prova do seu vício na época em que a arma foi adquirida. Há, ainda, o impacto psicológico no presidente em meio à campanha.
— Eu sou o presidente, mas também sou um pai — disse Biden em declaração no início do julgamento, em Wilmington, para onde viajou antes de ir à França na última semana. — Nossa família passou por muita coisa junta, e Jill [a primeira-dama] e eu vamos continuar ao lado de Hunter e da nossa família com nosso amor e apoio.
Uma pesquisa do instituto Emerson realizada durante o julgamento na semana passada revelou que 24% dos eleitores estariam menos propensos a votar em Biden a depender do veredicto, enquanto 64% disseram que o caso não mudaria seu voto e 12% afirmaram que estariam mais dispostos a apoiá-lo. O mesmo levantamento apontou que metade (49%) dos eleitores não acreditam que Hunter Biden esteja sendo acusado por ser filho do presidente, enquanto 27% acham que sim.
Quando as investigações foram iniciadas, em setembro do ano passado, uma pesquisa da Universidade Monmouth apresentou resultados similares com os atuais: 27% do eleitorado afirmou que os problemas de Hunter com a Justiça afastariam seu apoio ao presidente. No entanto, o estudo mostrou que a maioria desse grupo já não votaria no presidente de qualquer forma, de modo que o julgamento influenciaria apenas 2% dos eleitores do Biden — um percentual baixo, mas que pode ser decisivo numa votação que será decidida voto a voto em poucos estados-chave, como preveem os analistas.
Fontes da campanha de Biden ouvidas sob anonimato pelo The Wall Street Journal destacaram que o eleitor não dará tanta importância aos processos de Hunter quanto aos de Trump porque sabem a diferença entre "um cidadão privado e uma pessoa que será o candidato republicano".
Relembre o caso
Hunter Biden, 54 anos, é alvo de três acusações federais pela suposta compra e posse ilegal de uma arma quando era viciado em drogas. Apesar de ter falado abertamente sobre sua luta contra o crack e o álcool, ele disse ser inocente e se defendeu dizendo que, na época, não estava consumindo há algum tempo. No ano passado, ele afirmou estar sóbrio desde maio de 2019.
Duas das acusações envolvem a compra da arma e se centram no preenchimento de um formulário onde o comprador precisa, entre outras coisas, atestar certas condições para adquiri-la. A promotoria acusa Hunter de mentir nos documentos ao marcar "não" para a pergunta "você é um usuário ilegal ou viciado em drogas?" Já a terceira se trata da posse, que ficou com o filho de presidente durante 11 dias em outubro de 2018, antes de ser descartada pela sua então namorada, preocupada com seu psicológico.
Na argumentação final, os promotores afirmaram que Hunter "sabia que usava crack e era viciado" quando respondeu ao formulário, não sendo necessárias evidências de que ele teria consumido em um dia específico — um dos elementos mais difíceis de provar. A acusação também mostrou trocas de mensagens do filho do presidente com traficantes na época em que estava em posse da arma e destacou depoimentos de ex-parceiras que confirmaram a sua luta contra o vício ao longo dos anos.
— Talvez se ele nunca tivesse ido para a reabilitação... ele poderia argumentar que não sabia que era um viciado — argumentou o promotor Leo Wise.
Já a defesa destacou que não há provas de que Hunter tinha consciência de que estava violando a lei, uma vez que a pergunta no formulário era feita no tempo presente, portanto, ele teria respondido como se sentia em relação ao vício na época. O advogado Abbe Lowell também apontou o testemunho do vendedor de armas que o filho do presidente não parecia alterado no momento da compra, e argumentou que nenhum depoimento citava que ele havia feito "uso real de drogas" no mês em que esteve com o objeto.
A pena máxima em caso de condenação pelo júri pode chegar a 25 anos de cárcere e multas de até US$ 750 mil. Porém, como Hunter é réu primário e o crime é de baixo potencial ofensivo, seria surpreendente se a punição chegasse a tanto. O veredicto dos jurados apenas aponta para a existência ou não de culpa, e cabe à juiza do caso, Maryellen Noreika, definir qual será sua sentença.