Fed decide hoje juro nos EUA; mercado espera 7ª manutenção seguida. Veja como isso afeta o Brasil
Banda atual do banco central americano, entre 5,5% e 5,25%, é o maior patamar desde o início de 2001. Juro está inalterado na maior economia do mundo desde o final de julho do ano passado
O Federal Reserve, o banco central americano, deve manter a sua taxa de juros inalterada entre 5,25% e 5,5% pela sétima vez seguida. A reunião do comitê de política monetária americana (Fomc, na sigla em inglês) acontece hoje, com a atenção do mercado financeiro em todo o mundo, inclusive no Brasil.
Nos últimos dias, os juros americanos têm sido apontados como um dos fatores que desvalorizam o real frente ao dólar.
A manutenção dessa faixa, que está no mesmo patamar há quase um ano — desde julho de 2023 —, é consenso entre os agentes de mercado. De acordo com a ferramenta FedWatch, baseada em estimativas do mercado, a probabilidade de a taxa ser mantida era de 99,4% ontem.
A mesma pesquisa só aponta uma probabilidade maior de corte para a reunião de novembro — daqui a quatro encontros dos diretores da autoridade monetária da maior economia do mundo.
Movimento parecido é visto por casas ouvidas pela agência Bloomberg, entre bancos e gestoras. Todas as 102 consultadas apontaram para a manutenção do juro no patamar atual.
Mudança de perspectiva
No começo de 2024, o início da trajetória de queda da taxa americana era esperado para ser anunciado na reunião de março. Mas os dados positivos de emprego e inflação anunciados desde então, demonstrando um aquecimento persistente na maior economia do mundo, já eram lidos como um motivo para a postergação do anúncio, que até agora não aconteceu.
E esses dados seguem demonstrando a resiliência da economia americana, o que dificulta a redução dos juros diante de um aquecimento da economia que ainda pode estimular a inflação. Na sexta-feira passada, dia 7, dados do chamado payroll, que compila as contratações de empregos nos Estados Unidos, vieram bem acima do esperado, registrando 272 mil novas vagas em maio. A expectativa, segundo a agência Bloomberg, era de criação de 180 mil vagas no mês.
Já o índice de preços de consumo pessoal do mês de abril (PCE, na sigla em inglês) subiu 0,3% em abril, em linha com o esperado pelo mercado financeiro. Este é um índice bem analisado pela autoridade americana para a condução da política monetária. O núcleo da inflação, que exclui a contagem de preços mais voláteis, como alimentos e energia, também surpreendeu positivamente, avançando 0,2%. A expectativa de agentes era de que o dado avançasse 0,3%.
O mercado financeiro estará com os olhos voltados nesta quarta-feira para o pronunciamento do chefe da autoridade monetária americana, Jerome Powell, e a possível indicação do que o Fed fará à frente. A ata da reunião também vai divulgar as expectativas para as taxas futuras de PIB e inflação.
Decisão impacta negócios no mundo e no Brasil
A decisão de manter a taxa no patamar atual impacta os ativos de todo o globo, inclusive aqueles negociados no Brasil. Segundo o último Boletim Focus do Banco Central, que divulga as expectativas de mercado para diversos indicadores neste ano, a Selic (taxa básica de juros brasileira) deve terminar 2024 em 10,25%.
Isso significa que a mediana das projeções de mercado é de um corte de 0,25 ponto percentual na taxa básica brasileira até o fim do ano. Hoje ela está em 10,50%. Serão mais cinco reuniões em 2024, com a próxima daqui a uma semana, no dia 19 de junho.
A taxa americana nas alturas é um empecilho para a redução da Selic no Brasil. A remuneração alta em dólares de títulos americanos atrai investidores de todo o planeta. Isso dificulta que países emergentes reduzam suas taxas de juros sem perder fluxo de capital com um diferencial muito grande em relação à taxa americana.
Os títulos do tesouro americano são considerados os investimentos mais seguros do mundo, e dão menos dor de cabeça do que ativos de risco, como papéis de empresas listadas em bolsas. Elas podem até dar um retorno maior, mas a probabilidade e o risco são colocados na balança pelos agentes.
Quando a taxa brasileira está alta, isso atrai um volume grande de investimentos para a renda fixa no Brasil. Só que o Banco Central vem reduzindo, desde agosto do ano passado, a taxa Selic. Isso faz a diferença entre a taxa de juros dos EUA e a brasileira diminuir, tornando o ambiente por aqui menos atraente (confira o afunilamento no gráfico). Com menos dólares fazendo um caminho de entrada ao país, a moeda americana se valoriza aqui. Nos últimos dias, o dólar tem experimentado altas expressivas no Brasil.
Para Fabiano Vaz, analista da Nord Research, além do impacto da taxa americana, a divisão no Comitê de Política Monetária do Banco Central brasileiro e a instabilidade doméstica da situação fiscal devem impedir que a continuidade do processo de flexibilização monetária no Brasil:
— O ciclo de afrouxamento [da taxa Selic] está pressionado. Estamos muito próximos do fim do nosso ciclo de cortes. Já vemos a inflação desancorando [das metas]. Difícil imaginar alguma coisa diferente daqui pra frente.
O resultado da diminuição desse intervalo, segundo outro analista, já é refletido pelo dólar. Ontem, a moeda americana voltou a atingir a máxima do ano, terminando o dia cotado a R$ 5,36. O valor não chegava a esse nível desde o início de janeiro de 2023:
— Vemos o diferencial de juros já pressionado pelo câmbio. O dólar vem acelerando bastante, e a expectativa de inflação é maior. Há impacto e correlação entre os juros lá fora e os movimentos de política monetária aqui no Brasil — diz Frederico Nobre, chefe de análises da Warren Investimentos.
Dados divulgados pela B3 e compilados pelo Valor Econômico mostram que o fluxo negativo de investimentos estrangeiros em 2024 já ultrapassou, até junho, os R$ 38 bilhões.
Para Fernando Mundt, especialista em investimentos na Ável, o câmbio pode seguir pressionado por conta dos sinais de condução da política fiscal:
— A gente chegou num momento no Brasil em que o Orçamento faz sim, preço. Ele é o balizador dos players de mercado, para que eles tomem as decisões. Se eles trazem um movimento em que o mercado encare como responsabilidade com o fiscal, a tendência é que haja uma melhora — diz, elencando também a importância de dados macroeconômicos mais frios nos EUA para refletir numa queda da cotação.