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Manifestantes contrários à reforma de Milei são reprimidos em meio a debate no Senado

Pelo menos 40 pessoas receberam atendimento médico no local com irritação na pele

Manifestantes são pulverizados com canhões de água pela tropa de choque em frente ao Congresso Nacional, em Buenos Aires - Luis Robayo / AFP

Pelo menos cinco deputados que participavam de uma grande manifestação em frente ao Congresso argentino foram hospitalizados nesta quarta-feira (12) após serem reprimidos com gás pela polícia, enquanto os senadores debatiam em sessão plenária um projeto de lei crucial para a governabilidade do presidente Javier Milei.

"É um dia muito violento, em 40 anos de democracia nunca tinha visto uma repressão assim", disse a deputada opositora Cecilia Moreau à AFP, confirmando que cinco colegas que acompanhavam a manifestação foram atingidos pelo gás.

A polícia antidistúrbios repeliu os manifestantes para evitar que se aproximassem do Congresso, isolado por barricadas.

Pelo menos 40 pessoas receberam atendimento médico no local com irritação na pele, afirmou à AFP a Associação contra a Violência Institucional, sem esclarecer o número total de hospitalizados.

"Precisamos que essa repressão cesse. Pedimos que intervenham para acabar com esses atos", exigiu no plenário a senadora opositora Nora Giménez. A polícia não fez comentários imediatos sobre o ocorrido.

O Senado discute a Lei de Bases, que em seus 238 artigos inclui incentivos a grandes investimentos por 30 anos, uma reforma trabalhista, privatizações e uma polêmica delegação de poderes legislativos ao presidente ultraliberal, que necessita de apoio dos congressistas após não conseguir aprovar uma única lei em seis meses de governo.

A reforma trabalhista em particular "retorna ao século passado, quando o funcionário não tinha nenhum direito trabalhista; não resiste à análise constitucional e vai gerar conflito e litigiosidade", acusou o senador opositor Mariano Recalde.

A lei já havia sido aprovada pela Câmara dos Deputados em abril. Se os senadores o ratificarem, o texto retornará à Câmara Baixa para sanção definitiva.

"O esforço dos argentinos nestes meses é colossal, esperamos (com esta lei) lançar as bases do progresso", disse em seu discurso de abertura o senador governista Bartolomé Abdala, ao defender o projeto do Executivo.

A discussão, que pode se estender até a madrugada de quinta-feira, é repudiada nas ruas por organizações sociais, partidos de esquerda, aposentados, professores e sindicatos, alguns dos quais lançaram uma greve contra o projeto.

"Não podemos acreditar que na Argentina estejamos discutindo uma lei que nos leva 100 anos para trás", disse na manifestação Fabio Núñez, um advogado de 55 anos.

Economia em recessão 
O presidente Milei voltou a defender seu pacote de reformas: "Eles passaram seis meses discutindo a Lei de Bases, que teria feito o ajuste ser menos doloroso, mas para a política isso não importa", afirmou em um fórum de finanças em Buenos Aires antes de partir em uma viagem pela Europa, onde participará da cúpula do G7 na Itália.

A via legislativa tem sido difícil para o pequeno partido A Liberdade Avança, de Milei, que é minoritário em ambas as câmaras.

"Desde o FMI até os investidores estrangeiros, muitos atores dizem que, para que a proposta de Milei seja crível, são necessárias leis do Congresso, são necessários acordos, é necessário um Estado mais ou menos funcionando", comentou à AFP Iván Schuliaquer, cientista político da Universidade de San Martín.

O ministro da Economia, Luis Caputo, disse na terça-feira que a lei é "um acelerador, um potencializador da recuperação da situação econômica".

O debate ocorre em um contexto de recessão econômica, com queda na atividade industrial e no consumo, milhares de demissões e uma inflação em desaceleração, mas ainda em torno de 300% ao ano.

O peso do ajuste recaiu principalmente sobre as aposentadorias e sobre o poder de compra dos salários em um país onde metade da população está em situação de  pobreza.

"Ninho de ratos" 
O projeto naufragou em sua primeira votação na Câmara dos Deputados e o governo fez muitas concessões para reerguê-lo, reduzindo seu conteúdo original de 600 artigos para cerca de um terço.

Em meio aos conflitos, o presidente anarcocapitalista chamou o Congresso de "ninho de ratos", entre outros insultos contra legisladores e governadores.

No Senado, o presidente conta com apenas sete das 72 cadeiras e precisa do voto de 37 legisladores para a sanção.

Desses, ele tem garantidos cerca de 35 graças ao apoio da direita tradicional e negociava até o último momento para tentar obter os votos restantes.

Se o pacote for rejeitado, Milei terá que esperar um ano para tentar aprová-lo novamente, uma possibilidade que o enfraqueceria politicamente em meio a vários desafios.

Em particular, o gigantesco Ministério de Capital Humano, que reúne quatro pastas além da administração da seguridade social, está sob fogo após a descoberta de 5.000 toneladas de alimentos que estavam armazenados, enquanto o governo se recusava a enviar comida para as cozinhas comunitárias.

O Senado também debaterá uma reforma fiscal paralela, que inclui a reintrodução de um imposto sobre ganhos para tributar salários e aposentadorias.