Música

Hamilton de Holanda em dose dupla: bandolinista lançou discos com artistas latinos; ouça

"Tembla"- de Hamilton com C4 Trío, da Venezuela - e "Collab", parceria com o cubano Gonzalo Rubacaba, já estão disponíveis nas plataformas digitais

Hamilton de Holanda lançou dois álbuns, um em parceria com o C4 Trío, da Venezuela e outro com o cubano Gonzalo Rubacaba - Dani Gurgel/Divulgação

O intercâmbio musical do bandolinista carioca Hamilton de Holanda com a cultura da América Latina está registrado em seus dois mais recentes álbuns, lançados quase  simultaneamente: “Tembla”- junto com o C4 Trío - e “Collab”, gravado com o cubano Gonzalo Rubacaba, já disponíveis nas plataformas (ouça "Tembla" e "Collab"), produtos das novas parcerias internacionais do artista, que se tornou referência do bandolim brasileiro na música instrumental mundial.

“No ano passado apareceu uma oportunidade de tocar com o cubano Gonzalo [Rubacaba] e, ao mesmo tempo, de fazer um show e gravar com o C4 Trío. Eu já tenho uma relação antiga com a Venezuela porque em 1997 foi a primeira vez que eu toquei fora do Brasil, em Caracas, em Mérida. Então, é uma linguagem que eu gosto, que eu ouço, a música do venezuelano, do merengue, que é um ritmo em 5/8, um ritmo muito especial”, detalha Hamilton.

“Já no discurso com o Gonzalo, ele deu um ponto de vista um pouco mais puxado para o jazz e o choro. Tive que ir, de certa maneira, para um encontro da linguagem brasileira jazzista da minha parte, que vem muito do choro também. E o Gonzalo, que eu já admiro há muitos anos, veio com o som dele”, completa o bandolinista.

Sons venezuelanos  
Hamilton de Holanda, que já havia tocado com Ensamble Gurrufío, um dos mais consagrados grupos venezuelanos, agora se uniu ao C4 Trío para explorar clássicos da música latina no álbum “Tembla”. 

O grupo aborda a música popular venezuelana com fortes influências de jazz, música latina, world music e pop e tem se destacado na cena musical venezuelana com uma formação inusitada: um baixo elétrico, tocado por Rodner Padilla e três cuatros - cordofone típico do país, com quatro cordas de nylon, semelhante ao ukulele - executados pelos músicos Jorge Glem, Hector Ramirez e Héctor Molina. 

“O cuatro é uma mistura de cavaquinho, violão, ukulele com cordas de nylon. Tem uma parada forte, que acho uma característica marcante: eles fazem melodias com acordes, ou seja, eles têm uma troca tão rápida de acordes, que blocam a harmonia”, descreve o bandolinista. 

O projeto nasceu de uma conversa entre Marcos Portinari, empresário de Hamilton, e o produtor do Teatro Colsubsidio Paulo Sanches, oficializado depois em um encontro do brasileiro com o C4 durante a premiação do Grammy Latino, de 2022, vencido por Holanda. 

Holanda e o C4 aproveitaram os shows que fariam no Teatro Colsubsidio, na cidade colombiana de Bogotá, para realizar o projeto, que resultou em dez faixas. O repertório foi escolhido durante uma conversa no Hotel Tequendama e as gravações foram realizadas nos Estúdios Groove, na Colômbia. 

O nome do álbum foi criado nessa temporada, usando o verbo "temblar", em espanhol, que quer dizer "estremecer", em alusão ao ritmo marcante dos cuatros venezuelanos.

Entre as canções gravadas, a maioria de regravações, exceto “Pras Crianças” e Manzanares”, de autoria de Hamilton de Holanda e Jorge Glem.

Estão registrados versões de classicos como “Borbulhas de Amor”, de Juan Luis Guerra (conhecida no Brasil na versão de Fagner) e boleros como “Corazón Partio”, de Alejandro Sanz, a clássica “La Fiesta”, de Chick Corea e “Anos Dourados”, parceria de Tom Jobim e Chico Buarque que na versão de Hamilton e C4 recuperou a essência de bolero. 

“Ojos Verdes” é uma canção bastante representativa para os integrantes do C4 Trío. “É uma música que ouvimos desde crianças. Um bolero precioso. Ficamos agradavelmente surpresos ao descobrir que Hamilton também é um bolerista nato, e poder fazer essa união que acrescenta tanto valor e gravar uma música nos transportou de volta à nossa infância”, comentou Jorge Glem.

Brasil e Cuba
“Collab”, o segundo álbum lançado por Hamilton, marca o encontro entre os estilos de jazz afrocubano e brasileiro interpretados por dois dos seus maiores expoentes: o renomado pianista afrocubano Gonzalo Rubalcaba, selecionado pela revista Piano & Keyboard um dos maiores pianistas do século 20 e o virtuoso bandolinista brasileiro, com sua técnica rítmica inovadora. 

O álbum é repleto de muita improvisação e criatividade. “Há muitos anos que escuto o piano de Gonzalo Rubalcaba. Ele é um desses músicos que a gente ouve e já sabe quem está tocando. Sempre nutri a vontade de um dia tocar com ele, porque achava que fazia coisas que eu reconhecia na minha visão de música, principalmente pelo sotaque nacional e o olhar internacional“, conta Hamilton.



“Depois de algum tempo desejando que este encontro acontecesse, felizmente ele se tornou possível. Realizamos o DUOS, com uma apresentação no Rio de Janeiro e outra em São Paulo, no qual executávamos composições de Hamilton, algumas minhas e outras que ambos amamos da música brasileira, entre outras coisas", relata Gonzalo.

"Isso serviu como um preâmbulo para pensar seriamente em ir a um estúdio de gravação e registrar a música para um projeto que chamamos de 'Collab'. Não poderia ter um nome melhor, pois é justamente nas colaborações que sinto que mais ganhamos”, completa o cubano.

Gonzalo aborda os ritmos afrocubanos dentro da improvisação típica do jazz contemporâneo, com fluidez e intensidade expressiva na interpretação. Hamilton se destaca por sua capacidade de improvisação e por explorar as possibilidades do seu bandolim de 10 cordas. Um encontro que não tinha como dar errado.

“Hamilton é um Maestro. Tenho certeza de que em muitas ocasiões o adjetivo ‘virtuoso’ foi usado para se referir a ele, e sim, ele é. Mas ele não é apenas um virtuoso no domínio do instrumento com o qual transmite a música. Ele é um virtuoso do pensamento, um virtuoso das ideias, ele é um virtuoso em muitas facetas que vão muito além de apenas controlar este instrumento que, aliás, mais uma vez, ele domina, talvez como poucos ao redor do mundo”, elogia Gonzalo.

Sobre o “Collab”
Cada faixa do álbum reverencia a improvisação e a colaboração musical dos dois artistas. São três canções de Hamilton e três de Rubalcaba, além de releituras de clássicos da MPB (“Incompatibilidade de Gênios”, de João Bosco e Aldir Blanc, que surge em duas versões - uma instrumental e outra cantada), da soul music (“Don`t You Worry 'Bout a Thing”, de Stevie Wonder), do jazz (“Silence”, do baixista Charlie Haden) e do pop lusitano (“Saudade, Saudade”, da cantora Maro).

O disco conta com participações especiais do compositor e cantor João Bosco, na música "Incompatibilidade de Gênios", e do gaitista Gabriel Grossi, em "Don’t You Worry ‘Bout a Thing", que oferecem ainda mais profundidade ao trabalho. “Ouvindo o disco pronto, tenho a sensação de gratidão por tudo que vivo na música e fora dela”, finaliza Hamilton.

Um bandolim "fora da caixinha"
Apesar de atribuir grande parte de sua formação e influência musical ao choro brasileiro, Hamilton de Holanda é um dos artistas que ultrapassou fronteiras justamente por não se limitar em nenhum estilo e transitar em diversas paisagens sonoras, abastecidos por suas raízes afrobrasileiras, mas aberto às outras culturas nos quatro cantos do planeta. 

“Antes de eu aprender a ler e escrever, eu já tocava uns chorinhos, entendeu? Então é uma linguagem que é muito comum, ao mesmo tempo, ter esse olhar universal. Nasci no Rio, fui criado em Brasília, sou de família pernambucana, então sou Hamilton de Holanda, mas sou do Brasil, a minha natureza inicial, ancestral, já tem uma mistura muito grande. E aí, cara, esse terreno fica fértil para fazer as misturas e os detalhes. E em relação a novas, elas são.