Doação de sangue

Junho Vermelho: em cada bolsa de doação de sangue, pulsam histórias

A campanha Junho Vermelho relembra a importância do da doação de sangue. Uma única pessoa pode salvar até quatro vidas

Junho Vermelho: a importância da doação de sangue - Artur Mota/Folha de Pernambuco

O Junho Vermelho, mês dedicado à conscientização sobre a doação de sangue, relembra a importância desse gesto altruísta. Em cada bolsa de sangue doada, até quatro vidas podem ser salvas. Histórias de solidariedade e superação mostram como esse gesto é fundamental, tanto para quem doa quanto para quem recebe. Maria Luiza, de apenas 7 anos, é um exemplo vivo da importância da doação de sangue.

O pai de Malu, Filippi Bezerra, narra a luta diária da filha contra a anemia falciforme, uma doença genética e hereditária causada pela anormalidade da hemoglobina dos glóbulos vermelhos, que impede a  passagem dos glóbulos através dos vasos sanguíneos, bloqueando a circulação do sangue em diversos tecidos do corpo humano. 

Campanha
Pacientes com anemia falciforme apresentam episódios de intensa dor, além de ficarem mais suscetíveis à infecções, lesões orgânicas, que provocam alterações em um tecido ou órgão, e, em alguns casos, a morte precoce.

Maria Luiza e o pai, Filippi Bezerra.

“A alimentação dela é sempre controlada, e ela sempre precisa fazer transfusão de sangue. As doações de sangue para ela são cruciais. Devido a queda de hemoglobina ela fica muito fraca e sem comer, ou seja, ela precisa das doações para conseguir suprir essa necessidade e aumentar a imunidade. No mês passado ela passou 12 dias internada, e precisou fazer a transfusão de sangue duas vezes”, relatou o pai.  

Estima-se que, no Brasil, uma em cada cem pessoas apresente as alterações genéticas decorrentes da doença, que atinge principalmente indivíduos descendentes de afro-brasileiros.

A anemia falciforme afeta pessoas diferentes de diversas maneiras e não segue nenhum padrão fixo. Alguns pacientes só têm sintomas leves, com menos de uma crise por ano, enquanto outros, como Maria Luiza, têm sintomas mais severos com mais de uma crise por mês.

“Em setembro, minha filha fez uma cirurgia para retirada do baço, que era o local onde havia o sequestro do sangue e gerava uma queda muito grande de hemoglobina. A retirada do baço ajudou a melhorar as crises, mas o sangue fenotipado, necessário para ela, demora a ser encontrado”, contou Filippi.

Corrente de solidariedade
Do outro lado dessa corrente de solidariedade está o metroviário Dimas Alberto de Assis, de 58 anos. Doador universal (O+), Dimas possui o sangue fenotipado, um dos mais importantes para os hemocentros, essencial para casos como o de Maria Luiza. 

Dimas Alberto de Assis, de 58 anos. Doador universal (O+) com sangue fenotipado.

“O sangue fenotipado tem algumas substâncias que servem para determinadas pessoas que estão mais debilitadas, ou tem alguma doença específica. Então, sempre que eles identificam um paciente com essas especificações, eles entram em contato comigo para vir até aqui realizar a doação. E eu sempre venho, com muita gratidão”, contou Dimas.

Somente pela Fundação de Hematologia e Hemoterapia de Pernambuco (Hemope), Dimas já realizou cerca de 34 doações.

“Como muita gente não doa, apesar de não ser o indicado, já fui convocado pelo Hemope para vir doar novamente um pouco antes dos três meses, porque um paciente estava precisando urgente da doação”, relatou o metroviário. 

A diretora de hematologia do Hemope, Aureli Machado, explica para quais casos as doações de sangue fenotipado são necessárias. 

“Geralmente, os pacientes que necessitam de sangue fenotipado são aqueles com histórico de necessidade de múltiplas transfusões de sangue, como os pacientes com anemia falciforme, anemia hemolítica, leucemias, e doenças do gênero. A necessidade de múltiplas transfusões acaba resultando na formação de anticorpos, que resulta na necessidade do sangue fenotipado”, detalhou a diretora.

Junho Vermelho: campanha é mais um apoio na luta para manter os níveis dos estoques
O Hemope, instituição que há anos luta para manter os níveis dos estoques de sangue, enfrenta desafios constantes. Em nota, à reportagem da Folha de Pernambuco, a fundação alertou sobre os níveis críticos de tipos sanguíneos como O positivo, A positivo e todos os Rh negativos. "Apesar dos esforços, a situação é preocupante. Precisamos do apoio da população para continuar atendendo as necessidades transfusionais," destaca a nota oficial.

O ato de doar sangue, embora não traga benefícios diretos para a saúde do doador, é seguro e sem repercussões negativas. Homens podem doar a cada três meses e mulheres a cada quatro meses. 

Propósito que salva vidas
Para o aposentado José Nelson Tavares de Souza, de 75 anos, doador universal com mais de 118 doações pelo Hemope, doar sangue é um propósito de vida. 

 O aposentado José Nelson Tavares de Souza, de 75 anos, doador universal com mais de 118 doações pelo Hemope.

“Eu entendi que o sangue é uma preciosidade, não se fabrica, não se multiplica, apenas se fraciona, assim como a plaqueta é uma fração do sangue total, que salva muitas vidas. Quando o Hemope implantou o sistema de doação de plaquetas, eu fui um dos primeiros. Em abril de 2000, no ano que foi implantado, eu já comecei a fazer essas doações”, relatou Seu Nelson, como é conhecido no Hemocentro.

Questionado sobre as vidas que ajudou a salvar, José Nelson respondeu: “Salvei a minha vida, e já basta. As pessoas que ajudei a continuar vivendo foi porque Deus me proporcionou essa dádiva”, disse o doador. 

Assim como Seu Nelson, o ator e Professor de Teatro Felipe Braccialli, um doador regular de 34 anos, fala com paixão sobre o compromisso que assumiu com a doação de sangue desde que completou 18 anos. 

O ator e Professor de Teatro Felipe Braccialli, doador regular de 34 anos que assumiu um compromisso com a doação de sangue desde que completou 18 anos.

“Na minha época ainda não podia doar sangue aos 16 anos, com o acompanhamento dos pais. Influenciado pela solidariedade que via em casa, foi uma das primeiras coisas que fiz quando completei 18 anos. Desde então, nunca mais parei de doar. Acho que é uma dedicação tão simples para um retorno tão grande, mesmo que eu não veja os resultados", disse o professor.

Braccialli relata ainda como pequenas mudanças nos planos de vida são reflexos do compromisso com a doação.

 “É uma besteira, mas quando era mais novo tinha muita vontade de fazer tatuagem. Mas decidi que não faria até os 28 anos, para ter 10 anos de doação. Porém, a vida foi passando, as vontades mudando, e o ato de doar sangue se tornou mais importante pra mim do que fazer tatuagem. Assim, acabei nunca fazendo”, contou Felipe.

Importância
A presidente do Hemope, Raquel Santana, ressalta a importância da doação voluntária para o abastecimento dos estoques. De acordo com Raquel, os números, tanto de doadores quanto de doações, vivem uma realidade distante da que seria considerada ideal para o estado. 

“Precisamos que mais de 3% da população doe regularmente para mantermos os estoques em níveis seguros. Infelizmente, nós ainda estamos nessa caminhada e não chegamos próximo desse número, temos pouco mais de um por cento. A necessidade é constante, especialmente em períodos festivos, quando as doações tendem a diminuir. Por isso, campanhas como o Junho Vermelho se fazem tão necessárias”, relatou a presidente.  

Para Santana, são inspirações como José Nelson, Dimas Alberto e Felipe Braccialli, que a população precisa para começar a frequentar os bancos de sangue e se tornarem doadores ativos.  

“Uma doação pode salvar até quatro vidas. É um grande ato de solidariedade e amor, que salva vidas. A gente precisa, de fato, trazer o engajamento da população para a gente ter mais doadores”, concluiu a presidente.

Benefícios para quem é doador
Quem é doador regular de sangue no estado de Pernambuco, com carteirinha de identificação, também tem direito a diversos benefícios, segundo a lei n.º 16724 de 09/12/2019.

Entre os benefícios estão o pagamento de meia entrada em cinema, cineclubes, teatros, espetáculos musicais e circenses e eventos educativos, esportivos, de lazer e de entretenimento.

Segundo o advogado Glauber Oliveira, especialista em Direito do Trabalho, trabalhadores que são doadores regulares de sangue em Pernambuco também têm direito a uma folga remunerada. "O regime da Consolidação das Leis de Trabalho, conhecido como CLT, autoriza uma folga remunerada no período de doze meses", afirmou o advogado.

Porém, também existem outros benefícios; como o atendimento prioritário em bancos e instituições que dispõem desse atendimento. Nestes casos, o atendimento do doador é sucedido após serem atendidas outras prioridades como idosos, lactantes, gestantes e pessoas com deficiência.

"Para comprovar, e obter o direito a esse benefício, a pessoa precisa ter um comprovante de doação, expedido por uma entidade reconhecida pelo governo de Pernambuco, com o registro das doações mínimas (três vezes para homens, e duas vezes para as mulheres) no período de doze meses. Para receber o atendimento prioritário basta ter a comprovação da doação com validade de cento e vinte dias", explicou Glauber Oliveira.

Confira quem pode doar para quem:

Confira os pré-requisitos para doar: