Caso Marielle: relembre os papéis dos denunciados
PGR apresentou denúncia no mês passado contra Chiquinho e Domingos Brazão e Rivaldo Barbosa
A denúncia do caso dos assassinatos de Marielle Franco (Psol) e de seu motorista Anderson Gomes será julgada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (18). O ministro Alexandre de Moraes, relator do caso e presidente da Primeira Turma, liberou o processo para a análise e marcou o julgamento. A Procuradoria-Geral da República (PGR) ofereceu, em maio, denúncia contra cinco suspeitos de envolvimento no crime.
O deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido), o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) Domingos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa, presos desde março, e o major da PM Ronald Paulo Alves Pereira, que já cumpre pena por dois processos de homicídio, foram denunciados pela PGR pelos homicídios.
Os irmãos também foram denunciados pelo órgão, junto com Robson Calixto da Fonseca, conhecido como Peixe, assessor do conselheiro, por organização criminosa.
Grilagem de terra seria motivação
A PGR afirma, na denúncia oferecida, que “a ordem para executar os homicídios foi dada por Domingos e Chiquinho” e que os dois defendiam os interesses de milícias “junto às instituições de Estado”. Eles estariam buscando a regularização de um condomínio em Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade, visando obter o título de propriedade para especulação imobiliária. Os dois são apontados como mandantes do homicídio.
De acordo com a Polícia Federal (PF), o ex-policial militar Ronnie Lessa — que confessou ter atirado nas vítimas — relatou em sua delação que, no segundo trimestre de 2017, Chiquinho, então vereador do Rio, demonstrou “descontrolada reação” à atuação de Marielle em “apertada votação do projeto de Lei à Câmara número 174/2016”.
No início deste mês, como publicou Lauro Jardim, a defesa do deputado nega o envolvimento de Chiquinho nos crimes e afirma que a "denúncia não consegue, nem mesmo minimamente, traçar um nexo de causalidade entre a conduta dos executores e os afirmados mandantes". A peça, assinada pelos advogados Murilo de Oliveira e Cleber Lopes, afirma, ainda, que dos eventos citados em que teriam ocorrido os encontros entre Ronnie Lessa e os irmãos, Chiquinho e Domingos.
A exploração de terras para construção irregular na Zona Oeste do Rio é apontada em relatório da PF, ao mesmo tempo, como motivação para o crime e forma de pagamento por sua execução. Ronnie Lessa disse, em delação, que foram prometidos a ele lotes de terrenos na Praça Seca. Para Élcio de Queiroz, que dirigiu o Cobalt prata usado pelos criminosos, a recompensa viria através de terrenos que seriam invadidos na Barra da Tijuca.
A denúncia afirma ainda que os irmãos informaram sobre o plano de matar a parlamentar ao delegado Rivaldo. Ele teria usado sua autoridade como chefe de Polícia Civil “para oferecer a garantia necessária aos autores intelectuais do crime de que todos permaneceriam impunes”. “Acrescente-se que Rivaldo ocupava, ao tempo do planejamento do crime, a função de diretor da Divisão de Homicídios, tendo sido empossado, no dia imediatamente anterior às execuções, como chefe de Polícia Civil. Por isso, o seu aval era parte indispensável do plano elaborado pelos irmãos Brazão. Ele detinha o controle dos meios necessários para garantir a impunidade do crime”, diz o vice-procurador-geral da República Hindenburgo Chateubriand Filho, que assina o documento.
Delegado teria atrapalhado investigações
Ao ser ouvido pela Polícia Federal no início deste mês, o delegado e ex-chefe da Polícia Civil do Rio Rivaldo Barbosa negou ter planejado o homicídio de Marielle Franco e de ter atuado para proteger os supostos mandantes do crime. O delegado foi chefe de Polícia Civil durante as investigações do assassinato, de março a dezembro de 2018.
Segundo a delação de Ronnie Lessa, Barbosa deu o aval aos irmãos Brazão de que o crime ficaria impune. O ex-PM chegou a detalhar como o crime teria sido acertado com o delegado, o que evitaria posteriores tentativas de extorsão por parte dos investigadores.
"Lessa justifica que a carta-branca outorgada por Rivaldo aos irmãos Brazão é uma forma mais segura de se cometer homicídios na capital fluminense, tendo em vista que o ajuste prévio tem o condão de evitar um 'bote', ou seja, extorsão decorrente de investigadores em face dos homicidas para que seus crimes não sejam devidamente investigados", escreveu a PF no relatório da investigação.
Segundo Lessa, a única exigência imposta por Barbosa aos irmãos Brazão era de que nem o monitoramento de Marielle, nem a execução do homicídio poderiam partir da Câmara de Vereadores. " Não pode porque Rivaldo não quer", teria dito Domingos a Lessa.
À época, o advogado Marcelo Ferreira, que representa Barbosa, disse que o delegado "nunca esteve com essas pessoas, não conhece essas pessoas. Ele entregou o celular dele para a Polícia Federal com todas as senhas e isso nunca foi levado em consideração. Cadê as conversas que teria tido com ele?".
Informações sobre paradeiro
Ronald Paulo Alves Pereira, conhecido como major Ronald, apontado como ex-chefe da milícia da Muzema, na Zona Oeste do Rio, é acusado de envolvimento nos assassinatos de Marielle e Anderson. No início de maio, o policial militar foi alvo de um mandado de prisão preventiva da PF; ele já cumpria pena num presídio federal em Mato Grosso do Sul.
O major Ronald aparece no relatório da PF como a pessoa que informou que Marielle estaria na Casa das Pretas em 14 de março de 2018, data em que foi assassinada no bairro do Estácio, na região central do Rio. Ele teria ligado para Edmilson da Silva de Oliveira, conhecido como Macalé — apontado como intermediário do crime, e executado em 2021. O PM seria responsável por levantar informações da rotina da parlamentar.
A denúncia diz que, uma semana antes do ataque, “Ronald acompanhou os deslocamentos da vítima durante a agenda da vereadora na Universidade Candido Mendes, no Centro”. Os investigadores confirmaram os passos do oficial por meio do levantamento de dados das antenas de telefonia móvel da região.
Segundo Ronnie Lessa disse à PF, major Ronald era "empreiteiro de construções irregulares" em Rio das Pedras. Ele seria o responsável por grande parte das construções irregulares da Grande Jacarepaguá.
À época, o advogado de Ronald, Igor de Carvalho, afirmou que a defesa foi surpreendida pela "informação da inserção de seu cliente como acusado no processo" e que, após análise do relatório final da investigação "fica evidente que a própria Polícia Federal afirmou a total ausência de elementos que corroborassem as palavras do criminoso confesso e delator Ronnie Lessa".
O policial militar, que cumpre pena na Penitenciária Federal de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, foi condenado em outubro de 2021 a 17 anos de prisão por homicídio e organização criminosa. Em 2022, recebeu pena de 76 anos pelo sequestro e pela morte de quatro jovens, assassinados na saída de uma casa de espetáculos em 2003, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Apesar das duas condenações, o oficial ainda integra os quadros da PM: em abril, recebeu salário bruto de pouco mais de R$ 29 mil.
"Homem de confiança"
Em acordo de delação premiada, Ronnie Lessa relata que Robson Calixto Fonseca, o Peixe ou Peixão, era o "homem de confiança" do conselheiro do TCE Domingos Brazão. Na Alerj, assim como no TCE, Calixto foi nomeado assessor de Domingos e é dito, por Lessa, "faz tudo" do conselheiro.
Segundo o ex-PM contou em depoimento à PF, coube a Peixe providenciar a submetralhadora HK MP5 usada para matar a vereadora e o motorista. O homem foi preso preventivamente pela Polícia Federal na mesma operação em que foi cumprido o mandado contra o major Ronald.
"O interlocutor deles (dos irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, deputado federal) era o Peixão. Eu não o conheço pessoalmente, não sei nem qual é a sua estatura, sua cor. Não conheço. Mas esse Peixão, ele era, segundo Macalé (sargento da PM, amigo de Lessa, morto em 2021), um faz tudo, um homem da alta confiança dos irmãos (Brazão)".