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Conheça o magnata egípcio que fatura milhões com fuga de palestinos da guerra em Gaza

De líder rebelde preso por sequestro de policiais a empresário aliado de presidente do Egito, Ibrahim al-Organi lucra com "lista VIP" de refugiados

Empresas do magnata egípcio Ibrahim al-Organi, de 50 anos, lucraram milhões de dólares com a guerra em Gaza - Divulgação/Organi Group

Há 15 anos, o magnata egípcio Ibrahim al-Organi estava preso no Egito. Ex-líder rebelde, ele sofria “tortura severa” por parte de policiais de alto escalão, e chegou ter um derrame supostamente provocado pela violência na cadeia.

Hoje aos 50 anos, o mesmo homem construiu um vasto império empresarial, estabeleceu laços estreitos com autoridades do país e se tornou um dos aliados mais próximos do presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sisi, e das Forças Armadas.

Sua história, ainda que controversa, recentemente ganhou destaque por outro motivo: desde o início da guerra em Gaza, em outubro, al-Organi tem exercido influência significativa sobre o movimento de pessoas e mercadorias que entram e saem do enclave, e já faturou milhões de dólares com a chamada “lista VIP” de refugiados —feito que o levou a ser conhecido como o “Rei das Travessias”.
 

Em pouco mais de sete meses de bombardeios e operações terrestres, um número crescente de palestinos tem buscado escapar dos horrores do conflito na Faixa de Gaza.

Histórias de civis que perderam suas casas e foram forçados a evacuar são comuns, e as áreas designadas por Israel para deslocamento já compõem mais de três quartos do enclave, também assolado pela crise humanitária e alerta para o risco de fome iminente.

Com as fronteiras rigidamente controladas, no entanto, a única saída do território passa pela empresa Hala Tourism Services, de al-Organi.

Criada em 2019, a companhia, que tem supostos vínculos com os serviços de segurança do Cairo, é responsável por registrar os nomes dos palestinos na lista egípcia de viajantes aprovados para entrar no país e operar o transporte na fronteira, em Rafah, até a capital do Egito.

— Para uma pessoa normal em Gaza, havia, antes da guerra, poucas opções para sair de lá. Era preciso ser estudante ou comprovar a necessidade de receber tratamento médico fora do enclave. Nesses casos, a pessoa iria até um escritório do governo e solicitaria a permissão. Se tivesse uma razão válida, eles dariam uma data para a viagem. Você não podia viajar em qualquer dia — disse ao Globo Mohammad (nome fictício), um palestino que reside no Egito e tenta retirar a família da Faixa de Gaza.

— Sem esses motivos, era recomendado procurar essa empresa. Antes da guerra era mais rápido, porque menos pessoas viajavam. Agora, sei de casos em que o processo demorou um mês.

Ainda que o serviço da Hala não seja novo, as taxas aumentaram mais de 1.900% se comparadas ao período anterior à guerra: se antes os preços variavam entre US$ 250 a US$ 350 por pessoa (R$ 1,2 mil a R$ 1,7 mil), hoje eles flutuam entre US$ 5 mil a US$ 10 mil (R$ 25,6 mil a R$ 51,2 mil), e US$ 2,5 mil por criança (R$ 12,8 mil).

Apenas em abril, segundo o portal Middle East Eye, a empresa de al-Organi faturou em média US$ 2 milhões por dia: foram ao menos US$ 58 milhões (R$ 298,1 milhões) de faturamento, com cerca de 10,1 mil adultos e 2,9 mil crianças cruzando a fronteira. Até o fim deste ano, caso a média de abril se mantenha, a Hala pode lucrar mais de meio bilhão de dólares (R$ 2,5 bilhões).

Em entrevista ao New York Times em seu escritório no Cairo, al-Organi descreveu a Hala como uma companhia de turismo "como qualquer empresa que existe em um aeroporto". Ele contradiz os valores apontados, e afirma que a Hala cobra US$ 2.500 por adulto e nada para crianças.

Quem é al-Organi?
Nascido em 1974, al-Organi é membro da tribo beduína Tarabin, uma das mais importantes da Península do Sinai, no Egito.

Ainda de acordo com o portal Middle East Eye, que ouviu uma fonte tribal do Sinai, o empresário começou sua carreira como motorista de táxi, embora desde cedo também estivesse envolvido em atividades de contrabando para Gaza e Israel.

Entre 2004 e 2006, após atentados atingirem vários destinos turísticos no sul da península, tribos da região foram alvo de repressão por parte de autoridades de segurança, e al-Organi articipou de uma série de protestos e manifestações, movimento que ficou conhecido como “Queremos Viver”.

Simultaneamente, ele também participou como mediador entre os serviços de segurança e as tribos.

Em novembro de 2008, como parte dos seus esforços de mediação, al-Organi enviou o irmão e dois parentes para tentar acalmar os confrontos em frente a uma delegacia no Sinai onde ocorriam protestos.

Em entrevista à revista Rose al-Yusuf, que posteriormente foi apagada do site, o empresário disse em 2011 que, naquele dia, seu irmão foi baleado 121 vezes nas costas por um policial.

“Não havia nenhum tiro na frente, de acordo com o relatório forense, o que confirma que o oficial traiu meu irmão e não houve confronto”, afirmou ele na época.

Seu irmão e os dois companheiros foram enterrados num lixão perto da fronteira com Israel —movimento que, segundo al-Organi, foi feito para dar a falsa impressão de que eles morreram em operações de contrabando.

Na época, veículos locais noticiaram que o trio foi morto por “portar armas” e “desafiar os policiais” num posto de controle. Quando al-Organi encontrou os corpos, no entanto, ele filmou a cena e entregou as imagens a uma comissão parlamentar de inquérito.

Em retaliação pelo ocorrido, ele e outros membros de tribos locais cercaram várias delegaciais, apreenderam armas e mantiveram dezenas de policiais como reféns. Na mesma entrevista à Rose al-Yusuf, o magnata afirmou que os manteve presos à época para “protegê-los da vingança das famílias das vítimas”, e também para pressionar as autoridades a levar o suposto assassino à Justiça.

O caso terminou com a prisão de al-Origani por acusações que ele descreveu como “criminais e políticas”.

Ao todo, o empresário ficou detido por quase dois anos. Ele afirmou, no passado, ter sido “deliberadamente transferido” entre prisões distantes do Sinai, ainda que fosse popular entre os outros detentos.

Segundo al-Organi, enquanto estava preso, ele foi “eleito” como representante dos demais presos junto às autoridades prisionais. O magnata também disse ter sido “vítima da brutalidade policial” e se descreveu como um defensor dos direitos de sua tribo contra a repressão das forças de segurança.

Líder da milícia
Após sair da cadeia, al-Organi se estabeleceu como líder da milícia no Sinai. Na época, grupos militantes haviam se estabelecido na região —inicialmente afiliados à al-Qaeda, e depois ao Estado Islâmico.

Naquele mesmo período, al-Sisi, que havia liderado um golpe contra o então presidente Mohamed Morsi, declarou uma “guerra ao terrorismo” contra os membros do grupo no Sinai.

Como um tratado de paz do Egito com Israel impõe limites ao número de tropas egípcias permitidas na região, o autocrata egípcio recorreu às tribos locais, incluindo a de al-Organi, para combater os terroristas ao lado do Exército.

Em 2015, al-Organi e outros membros tribais formaram a União das Tribos do Sinai, que passou a ser o principal aliado do Exército do Egito contra os militantes da região.

Inicialmente encarregado dos assuntos financeiros da organização, al-Organi assumiu a liderança da milícia em 2017, após a morte do antigo comandante, Lafy.

Sob seu comando, a União tornou-se mais institucionalizada, e os membros passaram a receber um salário mensal, alguém de portar cartões de identidade especiais, segundo o jornal egípcio Mada Masr.

A milícia também começou a atrair membros de outras tribos, e os afiliados ao Estado Islâmico na região foram oficialmente derrotados em 2022.

— Nunca na história do Egito houve uma milícia tão promovida e midiatizada como a de al-Organi— disse o analista Mohannad Sabry ao Middle East Eye. — A União das Tribos do Sinai, no entanto, é uma entidade desonesta, uma organização ilegal. Vimos evidências reais nos últimos 10 anos de membros dessas milícias executando civis ao lado de membros do Exército. Suas ações foram designadas como crimes de guerra por grupos de direitos humanos, mas nada aconteceu a respeito.

Logo após sair da prisão, em 2010, al-Organi construiu um grupo empresarial que abrange construção, mineração, viagens, hospitalidade e segurança privada.

Duas de suas companhias monopolizaram o movimento de pessoas e mercadorias pela passagem de Rafah, o único acesso ao enclave palestino que não é controlado diretamente por Israel.

Além da Hala, que atua para liberar a passagem de civis, a Sons of Sinai, empresa de construção e empreiteiras, controla as permissões de saída para caminhões e mercadorias. A entidade foi uma das duas empresas encarregadas de reconstruir Gaza após uma operação militar de Tel Aviv no território palestino em 2012.

Em 2014, após outra campanha militar conduzida por Israel no enclave, a Sons of Sinai assumiu um papel maior na reconstrução —e monopolizou o transporte de mercadorias.

Naquele ano, al-Organi também foi nomeado presidente do conselho de administração de outra empresa, a Misr Sinai for Industrial Development and Investment, na qual o acionista majoritário é uma autoridade afiliada ao Exército egípcio, de acordo com uma investigação do Mada Masr.

Em 2021, após outro ataque israelense, uma quarta empresa, a Sons of Sinai for Construction and Building (diferente da empresa anterior) foi criada e também encarregada de reconstruir o território palestino.

A Neom for Real Estate Development, outra empresa de al-Organi, assinou acordos em janeiro com o governo do leste da Líbia para participar da reconstrução de Derna após as inundações que destruíram grande parte da cidade líbia no ano passado.

O Grupo Organi também inclui uma empresa de serviços de segurança, a Itous, contratada para supervisionar vários grandes eventos esportivos.