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Reagrupamento Nacional: como a extrema-direita francesa refez sua imagem e ameaça chegar ao poder

Marine Le Pen e Jordan Bardella são um dos principais arquitetos por trás do Reagrupamento Nacional, responsáveis por "desdemonizar", fazer uma limpeza interna e dar um novo rosto

Reagrupamento Nacional: como a extrema-direita francesa refez sua imagem e ameaça chegar ao poder - Nicolas Tucat/AFP

Por décadas, o Reagrupamento Nacional foi o pária da política francesa — considerado tão perigoso que políticos de outros partidos se recusavam a se envolver com seus membros.

Uma mudança profunda neste sentido ficou aparente neste mês: O RN, como o partido é conhecido por suas iniciais em francês, dominou as eleições para o Parlamento Europeu, esmagando o partido do presidente Emmanuel Macron e conquistando um terço dos votos na França.

Logo em seguida, Macron convocou eleições legislativas antecipadas para a Assembleia Nacional — com pesquisas sugerindo que o Reagrupamento Nacional está posicionado para vencer também essas eleições.

Jordan Bardella, presidente do partido, está manobrando para se tornar o próximo primeiro-ministro do país — algo que, apenas 10 anos atrás, seria impensável. Ele enfrentou dois adversários, incluindo o atual primeiro-ministro Gabriel Attal, em um debate muito aguardado na noite de terça-feira, pintando uma visão sombria do estado do país e focando na imigração ilegal, criminalidade e aumento dos custos.

Se seu partido conseguir uma grande vitória nas eleições, Bardella, com apenas 28 anos, poderá se tornar primeiro-ministro, nomear membros do gabinete e atrapalhar grande parte da agenda doméstica de Macron, que ainda definirá a política externa e de defesa.

Fundador abertamente racista
Originalmente chamado de Frente Nacional, o partido foi fundado em 1972 como braço político da Nova Ordem, cujos membros acreditavam que a democracia estava condenada ao fracasso. Incluía ex-soldados nazistas, colaboradores do regime de Vichy e ex-membros de uma organização terrorista que realizava ataques para impedir a independência da Argélia do domínio colonial francês.

Sua plataforma defendia a restauração dos valores familiares conservadores e o combate ao comunismo. Mais tarde, tornou-se ferrenhamente anti-imigração.

O presidente fundador do partido, Jean-Marie Le Pen, era abertamente racista, afirmando que as raças "não têm as mesmas habilidades, nem o mesmo nível de evolução histórica". Ele foi repetidamente condenado por fazer comentários antissemitas e minimizar publicamente o Holocausto, chamando o assassinato de judeus nas câmaras de gás de um "detalhe" da história.

Postura anti-imigração
Embora o partido tenha mudado — por exemplo, eliminando seu antissemitismo — ainda vê o ser francês, ou a francesidade, como uma etnicidade e faz uma clara demarcação entre nativos e não nativos. Argumenta que os cidadãos franceses devem ter prioridade sobre os residentes não franceses em áreas como benefícios sociais, moradia subsidiada e tratamento hospitalar, embora muitos estudiosos afirmem que isso contraria a Constituição francesa e os ideais republicanos.

— A Constituição diz que você pode se tornar francês se concordar e respeitar as leis e o legado do iluminismo, liberdade de expressão, direitos civis para todos — disse Jean-Yves Camus, co-diretor do Observatório de Políticas Radicais da Fundação Jean-Jaurès. — Ser francês não é uma etnicidade. São valores.

Por décadas, outros partidos políticos formaram uma "frente republicana" — apelando aos seus membros para votar estrategicamente contra o RN. O exemplo mais famoso foi em 2002, quando Le Pen chegou ao segundo turno das eleições presidenciais e os partidos de esquerda pediram aos seus membros que votassem em seu oponente conservador, Jacques Chirac. Chirac foi eleito de forma esmagadora, e Le Pen obteve menos de 18% dos votos.

Nos últimos anos, essas estratégias se desgastaram à medida que o partido ganhava cada vez mais apoiadores, em parte devido às mudanças no país e à mudança de imagem do partido.

Marine Le Pen tentou atrair eleitores mais moderados
Filha de Jean-Marie Le Pen, Marine assumiu o partido em 2011 e se esforçou para "desdemonizar" a sigla. Ela se distanciou dos comentários antissemitas de seu pai, declarando os campos de concentração como "o auge da barbárie". Lentamente, ela tentou limpar a casa — inclusive expulsando seu pai, em 2015 — embora alguns membros do partido continuem sendo criticados por comentários racistas, antissemitas ou homofóbicos.

Em 2018, Marine Le Pen renomeou o partido para Reagrupamento Nacional e ampliou sua plataforma para incluir questões econômicas.

As raízes do partido eram economicamente libertárias — defendendo privatizações em larga escala e redução do número de funcionários públicos e impostos sobre a renda, de acordo com Gilles Ivaldi, professor de ciência política na Universidade Sciences Po de Paris. Reconhecendo que a maioria de seus primeiros apoiadores vinha das classes trabalhadoras, o partido começou a mudar, propondo muitas medidas geralmente associadas à esquerda, como a expansão dos serviços públicos.

Em 2022, Marine Le Pen recebeu 41,5% dos votos no segundo turno das eleições presidenciais — um novo recorde para o partido.

Talvez mais importante, quase 90 membros de seu partido foram eleitos para os 577 assentos da Assembleia Nacional, um aumento significativo em relação aos apenas oito anteriores. Eles obtiveram posições de poder, com dois membros nomeados vice-presidentes da Assembleia Nacional e asseguraram assentos em comitês parlamentares. Analistas dizem que eles se apresentaram profissionalmente.

Em uma pesquisa Ipsos Reid-Sopra Steria publicada em outubro, 44% dos entrevistados franceses disseram considerar o Reagrupamento Nacional capaz de governar.

Além disso, as posições rígidas do partido sobre imigração e crime tornaram-se cada vez mais mainstream. No ano passado, o projeto de lei de imigração do Parlamento incorporou muitos elementos da agenda do RN, embora o tribunal constitucional do país tenha bloqueado muitas das políticas logo em seguida.

Alguns analistas dizem que, apesar de toda a sua limpeza interna, o partido mantém um ponto de vista racista.

— O leque de bodes expiatórios agora foi reduzido a muçulmanos e imigrantes — disse Cécile Alduy, professora da Universidade Stanford que é especialista no partido. — Essa é a essência deste partido, ver a sociedade e os indivíduos não como agentes livres que entram em um contrato social com outros em uma sociedade democrática, mas através da lente das origens, o que está em seu sangue.

Bardella, o rosto da reformulação do partido
Em 2022, Marine Le Pen nomeou Bardella como presidente do partido. De maneira serena e impecavelmente vestido, ele incorpora os esforços do Reagrupamento Nacional para remodelar sua imagem.

Notavelmente, analistas e muitos apoiadores dizem que ele não é da família Le Pen, o que para alguns eleitores continua a evocar as raízes racistas do partido.

Filho de imigrantes italianos, Bardella cresceu nos subúrbios parisienses, onde viviam famílias pobres, frequentemente imigrantes muçulmanos e seus descendentes.

Ele criou uma narrativa — contestada por alguns que observam que ele frequentou uma escola particular paga — na qual a violência e o tráfico de drogas que ele afirma ter testemunhado na infância o levaram às políticas duras do partido contra a imigração e o islamismo.

Durante o debate na terça-feira, Bardella afirmou que "não havia uma única pessoa francesa nos assistindo esta noite que não estivesse temerosa por sua segurança no espaço público". Ele também reafirmou um ponto essencial do partido, que relaciona violência à imigração.

Bardella disse que, ao se tornar primeiro-ministro, uma de suas prioridades será reduzir drasticamente a imigração. Ele também afirma querer reforçar a segurança para combater o crime e cortar impostos sobre energia de todos os tipos — gasolina, eletricidade e gás natural.

Ele prometeu bloquear o acesso ao tratamento médico gratuito para pessoas sem documentos, exceto em emergências — parte do objetivo do partido de dar tratamento preferencial aos cidadãos franceses em relação aos estrangeiros, mesmo aqueles que vivem no país há anos.

Ele também se comprometeu a acabar com a possibilidade de crianças nascidas na França, filhas de estrangeiros, de se qualificarem automaticamente para a cidadania francesa quando completarem 18 anos.

Em relação à segurança, Bardella prometeu bloquear o acesso a moradia pública para pessoas condenadas por crimes e cortar subsídios estatais para as famílias de jovens que são pegos reincidindo.

Na última semana, Bardella adiou algumas das propostas mais caras ou controversas do partido. Embora a proibição de véus islâmicos em público permaneça um objetivo de longo prazo para ele, Bardella disse ao jornal Le Parisien que não está entre as prioridades imediatas do partido.

Além disso, uma promessa de privatizar meios de comunicação financiados publicamente, que o Reagrupamento Nacional acusa de serem tendenciosos contra ele, foi adiada para mais tarde.