OPINIÃO

Frans Post: o intérprete do Brasil holandês

     Um Conselho Supremo governava Pernambuco com número variável de membros quando da presença dos holandeses no Nordeste, cujo comandante era chamado de governador. A Companhia das Índias Ocidentais, contudo, com objetivos explícitos de exploração acreditando obter maiores lucros e resolver inúmeros conflitos sociais, decidiu unificar o poder nas mãos de um único governante que agregasse excelentes qualidades individuais para tal função. 

     Para o honroso cargo de Governador do Brasil Holandês foi escolhido o Conde João Maurício de Nassau – Siegen, 32 anos de idade, pertencente à ilustre família holandesa, mesmo nascido na Alemanha, no castelo de Dillenburg, em 17 de junho de 1604. Nassau freqüentou algumas Universidades na Suíça, mas não conseguiu concluir os seus estudos, uma vez que aos 17 anos já estava participando da Guerra dos Trinta Anos na Europa, entre os anos de 1618 – 48. Mesmo com a sua íntima experiência com as armas, cultivava o gosto pela literatura, pela ciência e pelas artes, além de falar várias línguas: holandês, francês, alemão e latim. 

     Empreendedor e operoso homem, deveria receber da Companhia, depois de finalizado o contrato, 12 navios e 2.700 homens, os quais comporiam a sua armada com destino ao Brasil. Aos 25 dias de outubro de 1636, partiu do porto de Texel, na Holanda, com os navios disponíveis e, durante a longa viagem, enfrentou grande tempestade no Canal da Mancha, entre o sul da Inglaterra e o norte da França, conseguindo, por fim, atravessá-lo, chegando no Recife em 23 de janeiro de 1637. Neste período, vindo a residir na rua da antiga cadeia em uma casa que pertencia a um português, Pedro Álvares, adquirida pela Companhia. Com um mês depois, em 18 de fevereiro, já estava em luta em Porto Calvo, combatendo numerosos guerrilheiros ali instalados. Mais tarde, ao longo de 4 anos, Nassau ampliou as suas conquistas entre Sergipe (1637), Ceará (1637 – 38) até São Luis do Maranhão (1641). 

     Nassau escreveu inúmeras cartas à Companhia, elogiando o Recife e as suas paisagens encantadoras e lamentava a destruição de vários engenhos de açúcar e muitas plantações.  Solicitava constantemente que lhe enviassem colonos para trabalharem nas terras conquistadas. Além de implantar inúmeras medidas que deveriam favorecer o desenvolvimento econômico da região, cuidava também de organizar o sistema de defesa, construindo fortalezas e restaurando as existentes e aperfeiçoando o que podia em suas terras. 

     Nassau estimulou proprietários e colonos a retomarem as suas terras, a reconstruírem seus engenhos, com finalidade de novamente serem reconhecidos e respeitados. Também, criou as Câmaras dos Escabinos – com funções de juízes – para resolver problemas locais e de justiça.  Durante todo o seu governo, ele, que era protestante, respeitou largamente todas as convicções religiosas da sua gente. Os judeus, por exemplo, podiam exercer e praticar a sua religiosidade espontaneamente, pois somente no Recife, nesse período, já existiam duas sinagogas. 

     Na ilha de Antônio Vaz – em referência ao seu antigo proprietário – em cujas terras alagadiças existiam duas baterias de defesa e pouquíssimas construções, decidiu Nassau construir a capital do Brasil holandês, uma cidade em sua homenagem, a Cidade Maurícia, com o traçado das ruas e dos jardins, projetados pelos arquitetos Pieter Post e Jacob van Campen. A cidade seria guarnecida, naquela época, por dois fortes: o primeiro, ao sul, chamado Frederic Henrique ou Forte das Cinco Pontas, em virtude de seus cinco baluartes; e, o segundo, o Forte Ernesto, em homenagem ao seu irmão, Johannes Ernetus, que envolvia o antigo Convento de São Francisco. Na extremidade norte da cidade, visível desde o mar, foi concebida a residência do Conde Nassau, o Palácio Friburgo – a cidadela da liberdade – uma notável construção com duas torres altas voltadas para o mar, que se estendeu entre os anos 1639 a 1642,  embelezado por parques e jardins. 

     Muito embora a comitiva de Nassau apresentasse um caráter de dominação, uma vez que tinha como objetivo a consolidação da conquista holandesa no Brasil, ele recheou-a de artistas, literatos e cientistas, como os pintores Frans Post e Albert Eckhout. Frans Post nascido em Haarlem (Holanda), em 1612, era filho de um artista que confeccionava vitral e o irmão mais novo do arquiteto Pieter Post. Desembarcou em Pernambuco com a comitiva, em 1637, com 25 anos de idade e passou a residir no Palácio Friburgo, dedicando-se a retratar os aspectos da vida e da paisagem do nordeste do Brasil. Em suas paisagens como cenários brasileiros, costumava inserir algumas figuras humanas sempre em movimento, assim como animais da fauna dos trópicos, retratados nas extremidades das telas, descendo a linha do horizonte, revelando o céu do trópico. As suas pinturas tinham como objetivo retratar, ou melhor, documentar todos os aspectos da realidade brasileira – as belas paisagens e as edificações nelas inseridas, as quais, muitas vezes, foram utilizadas como “documento” no processo de restauração, a exemplo da Matriz do Salvador, em Olinda. Despede-se do Brasil em 1644 com sua expedição deixando um legado de cerca de 150 quadros, os quais se encontram embelezando museus e galerias do mundo. Encantou-se em 1680, deixando-nos notáveis e preciosas obras.

     Dedico este artigo ao querido e saudoso Dr Ricardo Brennand, admirável figura humana e um dos maiores colecionadores da obra de Frans Post, em exposição no Instituto Ricardo Brennand. 

     *Arquiteto, membro do CEHM, membro do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano e Professor Titular da UFPE.