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Gaza: Sarna e piolho se espalham entre crianças devido às más condições de higiene

Hábitos como brincar ao ar livre tornam os menores mais vulneráveis, enquanto a desnutrição enfraquece seu sistema imunológico, criando um 'ciclo vicioso'; mais de 150 mil palestinos contraíram infecções de pele

O palestino Bahaa al-Nimr, 19, que sofre de paralisia cerebral e desnutrição, é alimentado por seu pai Taysir em sua casa no bairro de Sheikh Radwan, no norte da Cidade de Gaza - Omar Al-Qattaa / AFP

O filho de cinco anos de Wafaa Elwane passa as noites se coçando. Ele tem uma doença de pele, como muitas outras crianças no campo de deslocados de Deir el-Balah, no centro da Faixa de Gaza, onde há uma superlotação de famílias.

— Dormimos no chão, na terra, de onde saem os vermes — conta à AFP a mãe do menino e de outras seis crianças, de sua barraca, montada entre milhares de outras em um terreno. — Meu filho não consegue dormir a noite toda porque fica coçando o corpo.

Desde o início da guerra na Faixa, mais de 150 mil pessoas contraíram infecções de pele, devido às más condições de higiene em que sobrevivem os palestinos deslocados, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS): foram registrados 96.417 casos de sarna e piolhos entre a população palestina do enclave e 10.038 de impetigo, uma infecção bacteriana da pele.

— Não damos banho nas crianças como antes. Não há produtos de higiene e desinfetantes para limpar os nossos espaços — explica Elwane.

Anteriormente, as famílias mandavam os seus filhos para se lavarem no Mar Mediterrâneo, mas a poluição da água nos últimos dias agravou os problemas, segundo esta mãe. Elwane afirmou que hoje "o mar é só esgoto":

— Lixo e fraldas são jogados direto lá.

Risco de doença fatal
Na clínica improvisada no campo de Deir el-Balah, Sami Haid, um farmacêutico voluntário de 43 anos, salienta que a sarna é a infecção cutânea mais comum, seguida pela varicela, que é de origem viral.

Duas crianças com dezenas de bolhas e crostas características de varicela, espalhadas pelas mãos, pés, costas e barriga, são atendidas no local. O farmacêutico aplica um creme de calamina para acalmar a coceira, por falta de tratamento melhor.

A pele das crianças sofre com "o calor e a falta de água potável", explicou Sami Hamid, também deslocado da Cidade de Gaza. Segundo o coordenadorm do Médico Sem Fronteiras (MSF), Mohammed Abu Mughaiseeb, elas "brincam ao ar livre, tocam em qualquer coisa, comem em qualquer lugar sem se lavar".

No calor, as pessoas suam mais e a isso se somam impurezas que causam erupções cutâneas que, se coçadas demais, podem causar infecções, explica Mughaiseeb, que teme o aparecimento de doenças de pele mortais, como a leishmaniose.

As crianças em Gaza também são mais vulneráveis a doenças porque o seu sistema imunológico foi enfraquecido pela desnutrição, criando "um ciclo vicioso", segundo o coordenador de MSF. Relatório recente da ONU revela que quase toda a população palestina no território, de cerca de 2,2 milhões de pessoas, enfrenta a fome.

Numa visita a uma escola montada sob uma tenda, Sami Hamid e sua equipe médica confirmaram que 24 em cada 150 alunos sofriam de sarna.

— Os sanitários são rudimentares e levam a esgotos entre as lojas, o que contribui para a propagação de epidemias — acrescenta o farmacêutico.

Devido às más condições de higiene, outras doenças se espalham nos campos de deslocados, alertou a OMS, que reporta 485 mil casos de diarreia, dos quais mais de 113 mil em crianças menores de cinco anos. A ONU anunciou na terça-feira que já existem 1,9 milhão de deslocados na Faixa de Gaza, de uma população de 2,2 milhões de habitantes.

A guerra eclodiu em 7 de outubro, quando combatentes do Hamas invadiram o sul de Israel e mataram 1,2 mil pessoas, a maioria civis, e fizeram cerca de 250 reféns. Em resposta, Israel lançou uma ofensiva em Gaza que já deixou quase 38 mil mortos, a maioria mulheres e menores de idade, segundo o Ministério da Saúde do enclave palestino, governado pelo Hamas desde 2007.