SAÚDE

Eutanásia é um alívio digno para meu sofrimento, diz jovem que lida com "a pior dor do mundo"

Estudante de Medicina Veterinária, Carolina Arruda fala nas redes sobre o dia a dia com neuralgia do trigêmeo, doença conhecida pelas dores incapacitantes

Carolina Arruda, de 27 anos, sofre com 'a pior dor do mundo'. - Arquivo Pessoal

Neste ano, a estudante de Medicina Veterinária Carolina Arruda, de 27 anos, moradora de Bambuí, Minas Gerais, passou a utilizar o TikTok para compartilhar a rotina com neuralgia do trigêmeo, um diagnóstico raro que afeta cerca de 4,3 pessoas a cada 100 mil e é conhecido por causar "a pior dor do mundo".

Na última segunda-feira, após conviver com as dores diárias por quase 10 anos, a mineira decidiu compartilhar com seus quase 200 mil seguidores a decisão de passar pelo processo de eutanásia na Suíça, já que no Brasil a prática da morte voluntária é proibida.

 
 
 
 
 
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Uma publicação compartilhada por Carolina Arruda (@caarrudar)


 

 

Para arcar com os custos da viagem e do procedimento, Carolina abriu uma vaquinha online que, em apenas três dias, já arrecadou 44 dos 150 mil reais necessários. Abaixo, leia o relato de Carolina ao Globo sobre como é viver com a doença e entenda o que é a neuralgia do trigêmeo:

"Os sintomas começaram quando eu tinha 16 anos, quando estava grávida de quatro meses da minha filha. Foi muita dor, a primeira crise já bem intensa. Ela geralmente dura minutos, só que com o passar do tempo uma foi se emendando na outra, e a frequência ficou cada vez maior.

Eu demorei mais quatro anos até chegar no diagnóstico de neuralgia do trigêmeo. Os médicos não achavam que era a doença, diziam que eu era muito nova, porque ela é mais comum em idosos. Depois de 27 neurologistas, recebi meu diagnóstico. E desde então comecei a saga de buscar tratamento.

Testei diversos medicamentos fortíssimos, anti-inflamatórios, opioides. Testei terapias experimentais, alternativas. Mas a minha dor só estava aumentando, cada vez mais frequente. Foi quando comecei a procurar a cirurgia. Foi mais uma luta, porque tinha muita resistência na época. Os médicos falavam que o risco de sequela era muito grande pela minha idade. Depois de passar por mais de 50 neurocirurgiões, eu consegui.

E foi apenas porque teve uma noite, em 2020, que eu estava com uma crise muito forte e no hospital tentaram fazer o controle da dor, mas não conseguiram. Então decidiram operar. Foi uma cirurgia de descompressão microvascular, que precisa abrir o crânio. Fiquei dois meses sem dor, mas depois ela voltou igual a antes.

Em 2021, a mesma equipe resolveu tentar outra cirurgia com uma técnica diferente, uma rizotomia por balão. Fiquei com sequelas de não conseguir deglutir, de precisar ficar cuspindo num potinho, e com paralisia no nervo da laringe, sem conseguir falar. Depois de um tempo, voltou ao normal. Mas menos de 15 dias depois, também voltei a sentir dor.

Desde então, passaram a não querer mais me operar, já que os procedimentos não funcionaram. Continuei testando outros tratamentos farmacológicos, inclusive o canabidiol, que uso hoje.

Em setembro de 2023, meu novo médico na época, o dr. Wellerson Sabat, quis tentar uma cirurgia com uma nova técnica de deposição de fenol em cima do gânglio do nervo trigêmeo. Ela é feita com a pessoa acordada, porque precisa observar o reflexo do olho. Senti tudo, e fiquei com uma sequela do lado direito do rosto, uma paralisia, que tende a voltar ao normal. Mas ainda assim continuei com a mesma dor.

Em novembro, tive uma crise muito forte que me levou a tentar suicídio. Meu marido me encontrou e me levou para o hospital. Eu acabei decidindo seguir o conselho da minha família e me internar numa clínica psiquiátrica para tratar a depressão que eu desenvolvi pela doença. Fiquei dois meses lá, mas a maior parte do tempo ficava no pronto-socorro pela neuralgia.

Por volta de março, comecei a compartilhar minha história nas redes, porque queria dar visibilidade para a comunidade de pacientes com essa doença no Brasil. O diagnóstico é muito raro, muito desconhecido. Cansei de ir ao hospital e ninguém sabia o que era e não sabiam como tratar.

Durante a crise, temos vontade de acabar com ela de qualquer forma. Já tentei o suicídio duas vezes. Então comecei a buscar pela eutanásia. Eu sou da área de veterinária, então sempre vi o procedimento como um alívio digno para o sofrimento.

Vejo isso nos animais, às vezes precisamos recorrer à eutanásia para que ele não fique apenas sobrevivendo à base de medicamentos. Comecei a internalizar isso desde muito nova e pensar na possibilidade de colocar um fim no meu sofrimento de forma digna.

No começo houve uma resistência pelos meus pais, claro, mas com o tempo eles compreenderam. Eles não aceitam ou concordam, mas compreendem. Meu marido é a pessoa que mais entende e me apoia. Ele está comigo sempre, me leva para o hospital, me dá banho. Então ele vê o meu sofrimento e realmente entende minha decisão.

Internamente e com minha família, já tomei essa decisão há uns anos. Mas decidi falar abertamente sobre há poucos meses. Nessa semana, abri a vaquinha despretensiosamente, sem saber se iria dar certo, já que o valor é alto.

Fiz a estimativa com base nas instituições que auxiliam o acesso na Suíça. É um processo muito longo e burocrático, inclui custos da viagem, de médicos, a eutanásia e a cremação. Quero ser transparente em relação ao dinheiro, mostrar tudo que estou fazendo.

Recebi muito apoio, mas lógico também muitos comentários negativos, muita gente falando que eu não penso na minha família, não penso em Deus. Mas tento me abster dos comentários para não piorar minha condição. Só queria que as pessoas tivessem um pouco mais de empatia, que refletissem sobre o que fariam se estivessem no meu lugar.

Muita gente está abordando religião, falando de falta de Deus. Eu entendo isso porque somos um país muito religioso, mas não foi falta de fé. Eu procurei muita religião, busquei esperança em muita coisa. Mas é uma doença que não tem cura, e eu me baseio muito na ciência".