Elon Musk enganou autoridades sobre planos para a área de lançamento da SpaceX, revela investigação
Desenvolvimento da instalação do bilionário no sul do Texas não ocorreu como informado inicialmente; veja tudo que se sabe com o 'dossiê' organizado pelo New York Times
Quando Elon Musk olhou pela primeira vez para o sul do Texas como uma nova base de operações espaciais, ele prometeu que a SpaceX teria uma pegada ecológica pequena e que a área ao redor seria "deixada intocada".
Uma década depois, a realidade é bem diferente. Uma investigação do The New York Times mostra como o crescimento feroz da SpaceX na área mudou dramaticamente a paisagem frágil e ameaçou o habitat que o governo dos Estados Unidos é encarregado de proteger.
Mais consequências provavelmente virão, no sul do Texas e em outros lugares onde a SpaceX está se expandindo. Musk disse que espera um dia lançar suas Starships — o maior foguete já fabricado — mil vezes por ano.
Executivos da SpaceX recusaram repetidos pedidos de comentários. Mas Gary Henry, que até este ano atuou como consultor da SpaceX em programas de lançamento do Pentágono, disse que a empresa estava ciente das preocupações sobre o impacto ambiental da SpaceX e estava comprometida em lidar com elas. Veja, abaixo, quatro conclusões da nossa investigação:
1. Musk usou terras preservadas como um 'amortecedor natural' para as operações da SpaceX
Os locais de lançamento de foguetes nos EUA, como a Base da Força Espacial de Vandenberg, na Califórnia, e o Centro Espacial Kennedy, na Flórida, geralmente são instalações enormes e seguras, com dezenas de milhares de acres dentro de seus limites.
Musk não pretendia comprar nada parecido com essa quantidade de terra quando estava olhando para a área perto de Brownsville, no Texas. Em vez disso, ele queria comprar um pequeno pedaço de propriedade no meio de terras públicas — o que a equipe envolvida chamou de "buraco de donut". Ele imaginou que os parques estaduais ao redor e as reservas federais de vida selvagem serviriam como amortecedores naturais.
Mas havia uma ruga naquele plano. Havia várias casas habitadas em Boca Chica Village, adjacente ao local de lançamento planejado, e havia visitantes frequentes no parque estadual. Essas pessoas teriam que ser evacuadas toda vez que um lançamento fosse planejado.
Mais preocupante, o local de lançamento planejado era ao lado de um dos habitats de aves migratórias mais importantes da América do Norte. Além disso, uma praia próxima de Boca Chica serve como um local de reprodução para as tartarugas marinhas de Kemp, a espécie de tartaruga marinha mais ameaçada do mundo.
2. Musk enganou autoridades sobre seus planos para a área
Musk e a SpaceX disseram inicialmente às autoridades locais que a marca da empresa na região seria modesta. O desenvolvimento traria à área algumas centenas de empregos por meio de um investimento de cerca de 50 milhões de dólares. Os executivos da empresa também disseram à Administração Federal de Aviação (FAA), regulador chefe da SpaceX, que planejavam lançar seus foguetes Falcon da área. Os Falcons são os cavalos de batalha da empresa, usados principalmente para lançar satélites no espaço. Musk, no entanto, executou um plano totalmente diferente.
O investimento nas operações da SpaceX, incluindo uma unidade de fabricação de foguetes, agora totaliza 3 bilhões de dólares. Uma segunda plataforma de lançamento está em construção. O crescimento industrial causou tanto congestionamento ao longo da pequena estrada de duas pistas para Boca Chica que alguns dos agora 3.400 funcionários e contratados da SpaceX vão trabalhar de aerobarco.
A SpaceX também começou a testar o Starship, um foguete que supera a maior versão do Falcon e pesa quase quatro vezes mais. Quando os voos de teste começaram para o Starship, Musk saudou o avanço como um passo em direção a um dia enviar um voo espacial tripulado para Marte. A FAA inicialmente não esperava operações dessa escala ou um foguete dessa potência.
Autoridades do Serviço Nacional de Parques dos EUA também ficaram frustradas com as promessas não cumpridas da SpaceX. A empresa concordou com certas condições para limitar o impacto no vizinho Palmito Ranch Battlefield, local da última luta da Guerra Civil. Mas um funcionário do serviço de parques, que já se aposentou, disse ao The Times que a SpaceX violou vários desses acordos. "Estávamos sendo enganados", disse o ex-funcionário, Mark Spier.
3. As terras públicas ao redor da 'Starbase' foram devastadas
Em abril de 2023, a SpaceX executou seu primeiro lançamento de teste em grande escala de uma Starship. Mas o foguete apresentou defeito, e um mecanismo de autodestruição eventualmente o fez explodir. Chapas de aço, pedaços de concreto e estilhaços foram arremessados a milhares de pés no ar, depois jogados no habitat dos pássaros, bem como no parque estadual e na praia próximos. Um pedaço de concreto foi encontrado a 2.680 pés do local de lançamento — bem fora da zona onde a FAA pensou que os danos poderiam ocorrer.
Essa não foi a primeira nem a última vez que as áreas protegidas foram atingidas por detritos. Em pelo menos 19 ocasiões desde 2019, os testes da SpaceX de foguetes ou protótipos Starship causaram incêndios, vazamentos, explosões ou outros problemas associados ao rápido crescimento do complexo de Musk em Boca Chica, que ele chama de Starbase.
Até mesmo o aerobarco que os funcionários usam para se deslocar criou o que autoridades do Departamento de Pesca e Vida Selvagem dos EUA descreveram em uma carta à SpaceX como novos perigos para uma “área de aves limícolas globalmente importante”.
4. O meio ambiente ficou em segundo plano em relação às ambições da SpaceX e dos EUA
Musk explorou as limitações e missões concorrentes das diversas agências mais preparadas para controlar a expansão da Starbase. Os responsáveis pela proteção dos recursos culturais e naturais da área — principalmente autoridades do Serviço de Pesca e Vida Selvagem e do Serviço de Parques Nacionais — foram repetidamente derrotados por agências mais poderosas, incluindo a FAA, cujos objetivos estão interligados aos de Musk.
Os Estados Unidos já dependem muito da SpaceX para lançar seus satélites comerciais e de defesa no espaço. O Departamento de Defesa e a Nasa pretendem transportar carga a bordo da nova Starship. A Nasa tem um contrato de 2,9 bilhões de dólares para usar o foguete para pousar astronautas na lua pela primeira vez em mais de 50 anos.
A FAA é encarregada de promover viagens espaciais com segurança. E, mesmo que seja obrigada a fazer um estudo ambiental das operações da SpaceX, a agência reconhece que proteger o meio ambiente não é sua primeira prioridade.
— Soprar detritos em parques estaduais ou terras nacionais não é o que prescrevemos, mas o ponto principal é que ninguém se machucou — disse Kevin Coleman, o principal funcionário da FAA que supervisiona as licenças de lançamento espacial. — Certamente não queremos que as pessoas se sintam como se estivessem sendo atropeladas, mas é uma operação muito importante que a SpaceX está conduzindo lá. É muito importante para o nosso programa espacial civil.