Ex-chefe da Receita diz que Bolsonaro o procurou para falar sobre apreensão de joias em aeroporto
Em depoimento à PF, Julio Cesar Vieira Gomes confirma encontro com ex-presidente
O ex-secretário da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes disse à Polícia Federal (PF) que tratou pessoalmente com Jair Bolsonaro (PL) a respeito da liberação das joias presenteadas pela Arábia Saudita e apreendidas no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.
Segundo Júlio Cesar, Bolsonaro o procurou duas vezes: pessoalmente, durante uma reunião, e em seguida por telefone. Segundo os investigadores, tratava-se de mais uma "articulação" para desviar itens de luxo do acervo presidencial.
O ex-chefe da Receita também foi indiciado na investigação de um suposto esquema de venda de joias do acervo presidencial durante o governo Jair Bolsonaro, sendo enquadrado nos crimes de advocacia administrativa, peculato e associação criminosa.
Em depoimento prestado à corporação, Julio Cesar disse que foi questionado sobre o assunto após reunião pessoal com Jair Bolsonaro na primeira quinzena de dezembro de 2022. Segundo o ex-chefe da Receita, essa foi a primeira vez que ele tomou conhecimento dos presentes oferecidos pela Arábia Saudita e apreendidos na alfândega em Guarulhos.
No depoimento, o ex-chefe da Receita disse que “acredita que a reunião foi realizada no Palácio do Planalto”. “QUE ao final da reunião, o Presidente da República questionou ao declarante se tinha ciência de alguma apreensão da Receita Federal decorrente de uma viagem para Arabia Saudita; QUE o declarante respondeu que não tinha ciência, mas que iria pesquisar”.
Após a solicitação de Bolsonaro, Julio Cesar diz ter voltado ao gabinete da Receita e solicitado a um servidor que verificasse “se realmente existia apreensão”. Após a consulta, as informações levantadas foram repassadas a Mauro Cid.
À PF, Júlio César afirmou que no dia 27 de dezembro de 2022 foi procurado pela segunda vez por Bolsonaro para tratar do tema das joias.
Na ocasião, Bolsonaro teria agradecido por sua gestão à frente do órgão e, na mesma oportunidade, perguntado se teria informações sobre a pesquisa solicitada dias antes a respeito das joias sauditas.
Como mostrou a colunista do Globo, Bela Megale, um diálogo entre o ex-chefe e o ex-ajudante de ordens Mauro Cid revela sua atuação direta para tentar liberar as joias apreendidas na alfândega do aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo.
Em 31 de dezembro de 2022, Julio Cesar pergunta a Cid, por meio de uma mensagem no WhatsApp:
— Avisou o presidente que vamos recuperar os bens?
— Avisei! — respondeu o ajudante de ordens.
Julio Cesar responde com uma imagem que faz referência aos Comandos Anfíbios da Marinha do Brasil (Comanf). O ex-chefe da Receita é ex-oficial da Marinha do Brasil. O Comanf é a unidade de elite operacional que integra as forças especiais da Marinha. Nasceu durante o auge da Guerra Fria.
Julio Cesar chegou à chefia da Receita um mês depois de o conjunto de joias de diamantes ser apreendido em Guarulhos. Em 2022, fez várias tentativas para liberar os itens, acionando auditores do órgão. Ele chegou a ser alvo de denúncia junto à Corregedoria do Ministério da Fazenda.
Apesar da promessa e do envio de um funcionário do Palácio ao aeroporto de Guarulhos, o ex-chefe da Receita não teve sucesso na empreitada.
Em 7 de fevereiro de 2023, quando o caso ainda não havia sido revelado pela imprensa, Julio Cesar voltou a procurar Cid informando que precisaria de uma procuração do ex-ministro de Energia Bento Albuquerque para tentar liberar as joias.
Por meio de nota, a defesa de Jair Bolsonaro afirmou que os presentes ofertados à Presidência da República “obedecem a um rígido protocolo de tratamento e catalogação sobre o qual o chefe do executivo não tem qualquer ingerência, direta ou indireta”.
A defesa afirma ainda que, antes mesmo de qualquer intimação ou ciência oficial, Bolsonaro “compareceu de forma espontânea aos autos e requereu que os referidos bens fossem, desde logo, depositados” no Tribunal de Contas da União (TCU).
Já a defesa de Júlio Cesar disse que as conclusões da Polícia Federal “são tecnicamente equivocadas e não retratam a verdade comprovada no curso das apurações”.
“Em suas oitivas, Júlio demonstrou que sempre agiu com boa-fé e em estrito respeito aos ditames legais, jamais tendo praticado os crimes pelos quais foi, indevidamente, indiciado”, afirma.