JOIAS

Fotos das joias e barganha em avaliações: os e-mails das negociações de Cid acessados pela PF e FBI

Mensagens rastreadas mostram ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) falando com comerciantes dos EUA

Mauro Cid - Lula Marques/Agência Brasil

A Polícia Federal, por meio de um acordo de cooperação internacional com o Federal Bureau of Investigation (FBI), o Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos, conseguiu acessar emails entre o ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), tenente-coronel Mauro Cid, e comerciantes americanos.

As conversas embasaram o indiciamento de ambos e de outras dez pessoas pelo desvio de joias recebidas em viagens oficiais.

Os emails rastreados estão no relatório encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

No documento, são atribuídos a Bolsonaro, a Cid, a outros assessores, advogados e aliados do ex-mandatário crimes como peculato (apropriação de bens públicos), associação criminosa e lavagem de dinheiro. A investigação apontou que o esquema do grupo atuou em bens que equivalem a pelo menos R$ 6,8 milhões.

A PF destaca que, diante dos fatos identificados ao longo do inquérito, foram cumpridas medidas judiciais de busca e apreensão, quebra de sigilo telemático, bancário e fiscal e firmado ainda o Mutual Legal Assistance in Criminal Matters (MLAT) ou o auxílio jurídico em matéria penal, em tradução livre.

Com a formalização do MLAT, aos investigadores foi concedido acesso, por exemplo, aos emails trocados entre Cid e a loja Fortuna Auction, cuja primeira mensagem se deu em 23 de dezembro de 2022. Na ocasião, o oficial pedia avaliação do chamado “kit ouro rosé”, da Chopard, com preço de mercado de mais de US$ 113 mil.

“Obrigado pelo interesse”
Às 8h44 daquele dia, Cid envia, a dois endereços do estabelecimento, seus dados pessoais, como nome e telefone, a descrição dos itens, e 15 fotos anexadas.

No relatório, a PF ressalta que as imagens são as mesmas que ele havia registado em sua casa, cerca de 72 horas antes.

Em quatro dias, um funcionário da joalheria responde, em inglês: “Caro Mauro, obrigado novamente pelo seu interesse em consignar com a Fortuna e parabéns - seu envio foi pré-aprovado!”.

O email é seguido de informações sobre a loja e orientações de como se daria a eventual avaliação física e compra dos itens.

Na sequência, Cid retruca, também em inglês: “Caro, eu concordo com a sua pré-avaliação. Devido ao alto valor da Chopard, prefiro fazer isso pessoalmente”. Os dois então combinam o agendamento de um horário na loja.

A parceria entre a PF e o FBI também possibilitou apurar que Cid tentou vender o mesmo conjunto de joias a outros estabelecimentos comerciais americanos.

Em 22 de dezembro, quando ainda estava no Brasil, ele enviou um pedido de avaliação a um funcionário da Worthy, que tenta ligar para o ajudante de ordens, sem sucesso.

Após o envio das fotos das peças, o comerciante sugere esperar a chegada do oficial nos Estados Unidos, mas ele insiste em obter uma pré-avaliação. O americano então afirma que a compra se daria entre US$ 26 mil e S$ 30 mil.

Cerca de 40 minutos depois, Cid escreve: “Obrigado pela sua resposta, mas estou obtendo uma evolução muito melhor para o conjunto todo”. A partir das mensagens, a PF conclui que não foi fechada a venda para a Worthy.

Avaliação: US$ 150 mil
Cid também teria negociado com a loja Diamond Banc, em 23 de dezembro. Ao preencher uma espécie de formulário, o ajudante de ordens descreve ter um conjunto Chopard avaliado em US$ 150 mil e que inclui um relógio, além de uma abotoadura, um anel e um rosário de diamante.

“Tudo na caixa original e com os papéis. Estou vendendo todo o conjunto ou só o relógio”, destaca Cid, na mensagem.

De acordo com as investigações, ao menos esse email contém o Internet Protocol (IP) Secretaria Geral de Administração da Presidência da República, demonstrando que foi enviado pelo ajudante de ordens de um computador instalado no Palácio do Planalto.

Nesta segunda-feira, a defesa de Bolsonaro classificou o inquérito de "insólito" e afirmou que o ex-presidente "em momento algum pretendeu se locupletar ou ter para si bens