SAÚDE

Veja o que diz o médico que cuida de jovem com "a pior dor do mundo"

Presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED) explica por que caso de Carolina, que sofre com neuralgia do trigêmeo, é tão grave e quais são as opções terapêuticas

Carolina Arruda, de 27 anos, sofre com 'a pior dor do mundo' - Arquivo Pessoal

Carolina Arruda, de 27 anos, que viralizou ao compartilhar seu desejo de buscar a eutanásia na Suíça após mais de 10 anos lidando com “a pior dor do mundo”, foi internada na Clínica da Dor da Santa Casa de Alfenas, no Sul de Minas Gerais, nesta semana, para tentar novas opções de tratamento.

A estudante de Medicina Veterinária, moradora da cidade mineira de Bambuí, sofre desde os 16 anos com um diagnóstico chamado neuralgia do trigêmeo, que afeta cerca de 4,3 pessoas a cada 100 mil e é conhecido pelas dores crônicas e excruciantes.

Durante esse tempo, ela já buscou uma série de tratamentos, inclusive cirúrgicos, mas até agora sem sucesso. Ao Globo, Carolina contou ter chegado a tentar o suicídio duas vezes:

— Durante a crise, temos vontade de acabar com ela de qualquer forma. Então comecei a buscar pela eutanásia. Eu sou da área de veterinária, sempre vi o procedimento como um alívio digno para o sofrimento.

 

Ao tomar conhecimento sobre o caso de Carolina, o médico especialista em dor Carlos Marcelo de Barros, presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED), decidiu contatá-la para auxiliar com novas opções de tratamento. Ele conta que o caso dela é de fato complicado, já que ela tem um quadro raro mesmo entre pacientes com neuralgia do trigêmeo:

— A neuralgia do trigêmeo é uma doença no nervo trigêmeo, nós temos um de cada lado na face. Em 90% dos casos é causada por conflito vascular, uma artéria que, por má formação, encosta no nervo e o desmieliniza, levando o a funcionar de maneira disfuncional. Geralmente ela acomete somente um dos ramos do nervo e apenas um dos dois nervos da face. Mas o caso da Carolina é ainda mais raro porque ela é jovem, tem um quadro bilateral, ou seja, acomete os dois nervos, e porque é nos três ramos de cada nervo. É muito difícil, muito sofrido.

 

Carlos Marcelo de Barros, presidente da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor (SBED). — Foto: Divulgação

Ele cita que um paciente uma vez descreveu a ele a dor da neuralgia do trigêmeo como “colocar um ferro quente no rosto e deixar ele ali”. Por isso, o objetivo no momento é interromper a dor aguda e conseguir promover uma espécie de alívio à Carolina.

— O primeiro passo é tentar tirar a Carolina desse sofrimento agudo que dura 10 anos, que a levou inclusive a tomar decisões bem difíceis como a da eutanásia. Para isso, usamos medicamentos endovenosos, analgésicos muito potentes, que precisam ser administrados na UTI (unidade de terapia intensiva) devido aos efeitos adversos que podem causar. Vamos manter assim por três, quatro dias na tentativa de aliviar o sintoma agudo — diz o médico, diretor clínico da Clínica da Dor da Santa Casa de Alfenas.

Em seguida, provavelmente na próxima semana, ele explica que serão avaliadas as opções de tratamento em conjunto com Carolina. Algumas já foram feitas por ela, mas podem ser repetidas, explica o médico. Todas têm base científica sólida, mas os resultados são variáveis.

— Vamos conversar com ela, que é instruída, e discutir as alternativas. Seja fazer uma nova rizotomia de balão, que ela já fez, mas não há impedimento de ser submetida a outra. Ou uma rizotomia de radiofrequência ablativa. Existe também a frequência radiopulsada, que não queima, mas adormece o nervo. Eles têm diferentes índices de sucesso e de complicação. Vamos avaliar todas elas com a Carolina e entender se ela deseja realizar alguma delas ou nenhuma delas— diz.

Ele explica que essas rizotomias envolvem colocar uma agulha junto ao nervo e realizar a intervenção. No caso do balão, é feita uma compressão no nervo em busca de diminuir a sua atividade. No caso das ondas de radiofrequência ablativa, há um aquecimento para “queimar” o nervo.

Depois das rizotomias, há opções de terapias implantadas. — Tem a bomba de infusão de fármacos, em que você a implanta na barriga do paciente e ela vai até o sistema nervoso central a partir de um cateter para jogar as medicações diretamente nele, na esperança de aumentar a potência e reduzir a dor de forma mais eficiente.

Outra terapia nesse estilo envolve a neuromodulação, em que implantes na medula buscam estimular o nervo e reduzir a ação disfuncional. — Fora isso, temos procedimentos neurocirúrgicos, que podem ainda ser realizados. Mas não é algo que se resolve do dia para noite, pode levar meses — diz Carlos.

Por meio de publicações nos stories do Instagram, Carolina contou que, caso os novos tratamentos auxiliem em pelo menos 60% da dor sofrida, ela pode cogitar desistir de buscar a eutanásia na Suíça. Nesse caso, doaria todo o dinheiro arrecadado por meio de uma vaquinha online para arcar com os custos do acesso ao procedimento.

Caso de Carolina dá visibilidade à dor crônica
O presidente da SBED chama a atenção para o fato que esses tratamentos não são acessíveis para a maioria das pessoas que sofrem com dor crônica, especialmente para aqueles que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS):

— O caso da Carolina é bem dramático, mas não é isolado. Temos milhares de pacientes com situações semelhantes sem acesso a tratamento. Não temos políticas para pacientes com dor crônica. Muitas pessoas têm a vida totalmente impactada pela dor. A Carolina dá voz a essas pessoas, uma visibilidade importante a pessoas que sofrem e não são acolhidas pelo nosso sistema de saúde.

No caso da estudante de Veterinária, a internação dela está sendo coberta pelo SUS, porém os custos dos procedimentos a que ela e a equipe médica decidirem submetê-la envolverão doações, explica o médico:

— Esses materiais que possivelmente serão usados vamos conseguir via doação das empresas que os fornecem. O tratamento dela não terá em hipótese nenhuma custo para ela. Mas é importante salientar que de maneira geral não é um tratamento oferecido no SUS.