Abin Paralela

PF suspeita que integrantes da "Abin paralela" sabiam de minuta do golpe

Os dois ex-auxiliares diretos de Ramagem na Abin foram detidos preventivamente

Abin - Antonio Cruz/Agência Brasil

A investigação da Polícia Federal sobre o uso da estrutura da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para fazer monitoramentos ilegais e disseminar desinformação durante o governo Jair Bolsonaro aponta que suspeitos de integrarem o esquema discutiram a minuta do golpe.

Uma das versões do documento previa a intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) depois do resultado da eleição de 2022. Uma conversa entre dois presos na Operação Última Milha faz, de acordo com a PF, uma referência à possibilidade de Bolsonaro assinar o "decreto"

As mensagens citadas no relatório da PF foram trocadas no dia 21 de dezembro de 2022, entre o policial federal Marcelo Araújo Bormevet e o sargento Giancarlo Gomes Rodrigues, que atuavam no Centro de Inteligência Nacional da Abin, na gestão de Alexandre Ramagem, hoje deputado federal e pré-candidato do PL à prefeitura do Rio.

"Alguma novidade? Nosso PR imbrochável já assinou a porra do decreto?", escreve Bormevet. Rodrigues responde: "Assinou nada. Tá f... essa espera, se é que vai ter alguma coisa". "Tem dia que eu acredito que terá, tem dia que não", diz Bormevet.

Os dois ex-auxiliares diretos de Ramagem na Abin foram detidos preventivamente anteontem, na quarta etapa da Operação Última Milha.

Os investigadores pretendem usar diálogos da dupla, além de outras evidências sobre espionagem de autoridades e jornalistas, para abastecer os inquéritos das fake news, das milícias digitais e dos atos antidemocráticos. Para a PF, "referências a rompimento democrático" por parte dos investigados indica que eles tinham "potencial conhecimento do planejamento das ações que culminaram na construção da minuta do decreto de intervenção".

Além de Marcelo Bormevet e Giancarlo Rodrigues, um outro policial Federal, Carlos Magno, também é apontado com possível elo entre as ações clandestinas na "Abin paralela" e os delitos que culminaram nos ataques do 8 de Janeiro, quando radicais invadiram e depredaram dependências do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.

'Integração'
A PF atribui a Marcelo Bormevet e a Carlos Magno "conduta de difundir desinformação, inclusive relacionada à incitação das Forças Armadas, durante e após o segundo turno das eleições (de 2022), inclusive por meio de perfis fakes nos moldes praticados pela estrutura paralela de inteligência".

Bormevet deixou a Abin em setembro de 2022 e depois foi cedido à Presidência da República, onde permaneceu até o dia 25 de dezembro daquele ano. A PF disse ver, em tal movimentação, a "integração da estrutura paralela de inteligência de Estado" à Presidência.

À época, Bormevet manteve contato com Cargos Magno, que exerceu cargo de coordenador-geral de Credenciamento de Segurança e Análise de Integridade Corporativa na Abin. Tal interlocução, de acordo com a apuração, demonstra a "continuidade de produção de desinformação", agora em razão do resultado do primeiro turno do pleito, em uma "tentativa de desestabilizar o processo eleitoral". Em um dos diálogos, Bormevet afirma: "Vou montar um perfil e começar a escrever. Não vou ficar parado. A inércia é prejudicial. Não podemos nos furtar dessa missão".

Na avaliação da PF, a produção e disseminação de fake news por integrantes da corporação, enquanto atuavam em estruturas de alta administração, agravam a reprovabilidade da conduta. "Essas circunstâncias fazem com que a desinformação adquira peso maior, dados o prestígio e a credibilidade associados às suas funções." Em outro diálogo, Bormevet diz que vai mandar vídeos que baixou do Twitter. "Você pode largar o dedo", afirma a Magno, quanto à disseminação da desinformação, registra a PF. Magno responde: "Nos grupos estou inundando e municiando a galera".

'Incitação'
De acordo com a PF, as ações de difusão de fake news incluíam ainda a incitação das Forças Armadas e convocações de paralisações de caminhoneiros.

No dia 27 de dezembro de 2022, os agentes da PF sob suspeita falam sobre o artigo 142 da Constituição de 1988 - o dispositivo que disciplina a função das Forças Armadas é distorcido por bolsonaristas para justificar uma intervenção militar no País.

Os investigadores da Operação Última Milha já tinham, em outras fases da ofensiva, identificado núcleos da "Abin paralela". A etapa mais recente, desta semana, avançou sobre um outro grupo: o da Presidência da República, que, conforme a PF, Fazia a ponte entre Bolsonaro e propagadores de desinformação contra desafetos do ex-presidente - funcionários da agência de inteligência abasteciam influenciadores ligados ao chamado "gabinete do ódio" para a disseminação de fake news.

Segundo a PF, a interlocução indica "que os produtos ilícitos da estrutura paralela infiltrada na Abin eram destinados para uso e benefício do núcleo político, neste caso concreto com referência expressa ao então presidente da República, Jair Bolsonaro".

'Estrutura'
A PF aponta que as ações clandestinas direcionadas contra alvos considerados opositores do governo Bolsonaro se davam com a integração direta de funcionários públicos lotados na Presidência.

Os autos da Operação Última Milha indicam que a estrutura montada na Abin fazia parte de um esquema maior e mais complexo integrado por "estrutura paralela, milícias digitais e Presidência da República". Todos esses grupos atuavam "de forma concatenada para atender aos interesses do núcleo político, o alto escalão da organização", anotou a PF.

Os principais integrantes do "núcleo Presidência" são ex-servidores do Planalto: Daniel Ribeiro Lemos, que se apresenta como analista político legislativo; José Matheus Sales Gomes, ex-assessor do vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ); e Mateus Sposito, ex-servidor da Secretaria de Comunicação da Presidência. Sposito também foi preso anteontem.