História

30 anos do tetra: Recife, da retomada à glória na Copa do Mundo dos Estados Unidos

Relembre a importância da capital pernambucana na conquista do tetra em 1994

30 anos do tetra: Brasil encerrou o jejum de 24 anos sem ganhar o mundial nos Estados Unidos - Divulgação/Estadão Conteúdo

“Eu vi o mundo… ele começava no Recife”. Assim como o pintor Cícero Dias eternizou em sua obra, a Seleção Brasileira foi testemunha da importância da capital pernambucana para o início da conquista do mundo pela quarta vez, na Copa realizada nos Estados Unidos, há 30 anos. Recife foi o ponto de partida para o fim do maior jejum de títulos mundiais do Brasil no futebol, celebrado justamente neste 17 de julho, encerrando numa festa digna de carnaval fora de época, dois dias depois, com mais de cinco horas de desfile e a presença de 1,5 milhão de pessoas pelas ruas da cidade. 

O torcedor brasileiro viveu anos dolorosos nos anos de 1980 e no início de 1990. A dramática eliminação para a Itália em 1982, a doída derrota nos pênaltis para a França em 1986 e a dura queda para a Argentina em 1990 magoaram o coração de quem torce pela Seleção. 

O auge da crise se deu em 1993, no início das Eliminatórias para a Copa. Começando com dois jogos fora de casa, o Brasil empatou com o Equador na estreia e perdeu para a Bolívia por 2x0, primeira derrota da Seleção na história das eliminatórias. 

O clima ruim se instaurou em torno da equipe do técnico Carlos Alberto Parreira, que por onde ia sentia a falta de apoio do torcedor. Mesmo vencendo o Equador por 2x0, em São Paulo, no primeiro jogo da Seleção em casa, o time foi duramente vaiado. 

30 anos do tetra: início de tudo

O ponto de inflexão só foi dado no Recife, na semana que antecedeu a revanche contra a Bolívia, como contou o experiente jornalista Francisco José. “Eles estavam sendo vaiados em todos os estádios que passavam. E aqui no Recife, a Seleção foi bem recebida a partir do aeroporto, o lugar estava cheio de gente esperando até tarde da noite, cantando os hinos da seleção”, contou ele, que acompanhou o time canarinho na ocasião. 

30 anos do tetra: o jornalista Francisco José acompanhou a Seleção Brasileira nas aparições no Recife

Da perspectiva de quem viveu as dificuldades dentro de campo, o zagueiro pernambucano Ricardo Rocha ressaltou a passagem da equipe pela sua cidade natal como um divisor de águas.  

“E em Recife mudou tudo, conheço muitos amigos da imprensa, fiz o apelo para elevar o moral do grupo e foi aquela festa. A ida para Recife, todos os jogadores falam, é a mudança de lado, do lado ruim que estava acontecendo, para o lado bom, que era o apoio do torcedor, do carinho deles (torcedores). A partida no Arruda fez uma mudança enorme na Seleção Brasileira, a confiança do grupo mudou muito com essa vitória, então resgatou a confiança do povo”, comentou Ricardo. 

Símbolos

Do confronto diante dos bolivianos também surgiu diversos símbolos naquela equipe, como o de entrar em campo de mãos dadas, uma amostra de que a equipe estava unida em torno de um propósito maior. Idealizador da corrente, Ricardo Rocha contou como surgiu a ideia. 

“As mãos dadas inicia em Recife, em 1983, com o Santa Cruz na decisão do Supercampeonato estadual. Entramos de mãos dadas e, dez anos depois, tive a ideia de fazer novamente. Falei com Parreira e outros jogadores, todos toparam e foi um momento espetacular”, contou o ex-jogador. 

30 anos do tetra: zagueiro Ricardo Rocha foi o representante pernambucano na Seleção Brasileira 

A euforia do início do jogo contagiou a equipe dentro de campo, e o Brasil aplicou uma goleada de 6x0 diante de uma competitiva seleção boliviana. “A Bolívia tinha uma ótima seleção, foi ao Mundial de 94. Foi a melhor Bolívia de todos os tempos, mas a gente fez um grande jogo, e ali foi a grande redenção nossa para arrancada até a Copa”, analisou Rocha. 

Comemoração 

Após realizar uma boa primeira fase, o Brasil foi eliminando adversário atrás de adversário. Sem sobrar diante de ninguém, vale ressaltar, chegou até a grande decisão quando teve o épico desfecho diante da Itália, com a vitória nos pênaltis e o tiro perdido por Roberto Baggio. 

“Quando eles entraram em campo, o time estava de mãos dadas para jogar contra a Bolívia. Ganharam, foram aplaudidos e quando venceram a Copa, por iniciativa deles, reuniram e resolveram não ir para Brasília ou Rio de Janeiro direto. Escolheram Recife, em forma de gratidão, já que a campanha ‘começou’ aqui, segundo eles”, relembrou Francisco José. 

Com a medalha no peito, não houve dúvidas por parte de todos que fizeram parte da delegação para qual cidade a Seleção deveria aterrissar primeiro. E a explicação só existe uma: retribuição ao carinho que havia recebido antes da Copa.

 



“A decisão foi do grupo todo. Primeiro eu disse para todos que a gente tinha que descer em Recife. Por tudo que representou a torcida pernambucana. Todos os jogadores queriam descer em Recife e foi o que aconteceu. Foi uma demonstração de carinho de todos nós ao povo pernambucano. Foi uma festa linda”, começou Ricardo Rocha.  

“Eu fui o primeiro cara a descer com o troféu de campeão do mundo. O Dunga era o capitão, mas ele disse para eu ir à frente, beijei o chão e tudo, então são momentos que eu nunca vou esquecer”, rememorou.    

Festa na rua

Matérias da época dão conta que todo o desfile dos campeões durou cerca de cinco horas, contou com a presença de 1,5 milhão de pessoas e percorreu um circuito de cerca de 18 km pelas ruas da Zona Sul do Recife. 

“Foi um verdadeiro carnaval. Eles saíram do aeroporto, pegaram a avenida Boa Viagem e a multidão que acompanhava era como carnaval mesmo, como se fosse um trio elétrico e o povo na frente, por isso que demorou tanto”, detalhou Chico José.  

“Em tenho momentos na minha vida que eu nunca vou esquecer: as mãos dadas no jogo contra Bolívia, aquele jogo sensacional que a gente fez nas Eliminatórias contra o Uruguai (2x0 no Maracanã), que marcou a volta do Romário, e a descida em Recife após o título da Copa do Mundo”, confessou o ex-atleta.