Toxinas fúngicas: riscos das substâncias encontradas na farinha e no arroz
Análise de amostras em casas de Ribeirão Preto identificou níveis elevados de toxinas, com potencial carcinogênico
Uma análise de amostras de farinha e arroz de casas de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, encontrou quantidades elevadas de toxinas fúngicas, que podem ser nocivas à saúde.
O trabalho foi conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), recebeu apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e foi publicado na revista científica Food Research International.
Para a pesquisa, foram selecionadas 230 amostras dos alimentos que estavam armazenadas nos domicílios de 67 crianças: 21 delas com idades entre 3 e 6 anos; 15 entre 7 e 10 anos e 31 adolescentes de 11 a 17 anos. O material foi coletado entre agosto e dezembro de 2022. Os responsáveis não detalharam as marcas dos produtos.
O coordenador do estudo, Carlos Augusto Fernandes de Oliveira, professor da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA-USP), explicou à Agência Fapesp que existem mais de 400 toxinas produzidas por fungos, mas algumas são de maior preocupação:
— Seis delas, as quais chamamos de meninas superpoderosas, requerem mais atenção por serem carcinogênicas, imunossupressoras ou por atuarem como disruptores endócrinos. É algo que demanda muita atenção pelos seus efeitos prejudiciais à saúde.
São elas as aflatoxinas (AFs), as fumonisinas (FBs), a zearalenona (ZEN), a toxina T-2, a desoxinivalenol (DON) e a ocratoxina A (OTA). Os resultados da análise dos pesquisadores encontraram a presença das seis toxinas em todas as amostras avaliadas.
Além disso, identificou taxas acima do limite de tolerância estabelecido pelos órgãos de saúde para três delas: FBs, ZEN e DON. E cerca de 1 a cada 3 alimentos (32,86%) tinha de duas a quatro combinações de toxinas em quantidades elevadas.
Os autores do estudo afirmam que a exposição a essas substâncias por meio da alimentação pode aumentar o risco de problemas de saúde, especialmente no caso de crianças e adolescentes. Por isso, reforçam a importância do armazenamento de alimentos como grãos e farinhas em locais secos e protegidos de insetos para evitar a contaminação.
"Todos os microrganismos, incluindo os fungos, necessitam do chamado ‘binômio temperatura e tempo’ para se desenvolver em um substrato. Portanto, quanto mais tempo um alimento contendo fungos toxigênicos ficar armazenado em condições inadequadas, por exemplo, exposto ao ambiente, desprotegido, em local quente e úmido, maior a probabilidade de haver altas concentrações de micotoxinas" alertou Oliveira.
Quais os riscos das toxinas?
Entre as toxinas encontradas na análise, o pesquisador destaca que a aflatoxina B1, descoberta na década de 1960, é aquela com o maior potencial carcinogênico natural conhecido. Segundo o cientista, ela pode induzir danos no DNA que levam a mutações genéticas ligadas ao câncer de fígado.
Além disso, foi associada a um impacto no sistema imunológico, a problemas reprodutivos e à teratogênese, quando gestantes ou pessoas em amamentação transferem as toxinas para o embrião, feto ou criança, causando problemas de saúde nele.
— Não existe nenhuma substância conhecida pelo homem na natureza que tenha o poder cancerígeno dessa micotoxina, só raras exceções criadas em laboratório — contou o pesquisador.
A ocratoxina A também é uma toxina considerada carcinogênica, assim como a fumonisina B1, que foi uma das três encontradas em altas taxas na análise. A substância já foi ligada a tumores no esôfago e outros problemas no fígado.
Outra toxina cuja quantidade foi elevada na pesquisa, a desoxinivalenol não é ligada ao câncer, mas associada a uma redução da imunidade em pessoas contaminadas, disse o professor da USP: — Ela também tem efeito no sistema gastrointestinal. Nos animais, por exemplo, ela provoca tanta irritação que eles regurgitam. Por isso, ela é vulgarmente chamada de vomitoxina.
Já a zearalenona, terceira toxina que teve os maiores níveis na análise, possui uma estrutura idêntica à do estrógeno, o que pode levar a problemas de saúde relacionados ao excesso do hormônio feminino no organismo.
— Elas têm efeito progressivo. Isso quer dizer, por exemplo, que, com a exposição a moléculas de B1, em algum momento não será mais possível reparar o DNA que foi lesado pela micotoxina. É a partir daí que pode surgir o câncer. Por isso, a nossa preocupação com crianças e adolescentes, que tendem a ser mais sensíveis a toxinas em geral — explicou o coordenador do trabalho.
O grupo responsável pela pesquisa realiza agora uma segunda etapa para investigar em mais detalhes o grau de contaminação por meio de amostras de urina das crianças e adolescentes que vivem na região. — Com isso poderemos antever potenciais efeitos da contaminação — afirmou Oliveira.