Saúde

Toxinas de fungos encontradas em arroz e farinha: saiba a maneira correta de armazená-los

Presença de substâncias nos alimentos pode levar a danos que se acumulam no DNA e elevam chance de doenças como câncer, alertam pesquisadores

Farinha e arroz são os itens mais propensos à proliferação de microrganismos - FreePik

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) encontraram quantidades elevadas de toxinas produzidas por fungos, que trazem riscos à saúde, em amostras de farinha e arroz presentes em casas de Ribeirão Preto.

Algumas das substâncias são até mesmo consideradas carcinogênicas.

O estudo, publicado na revista científica Food Research International, avaliou 230 amostras coletadas entre agosto de dezembro de 2022 em domicílios onde moravam ao todo 67 crianças, com idades entre 3 e 17 anos.

Os resultados encontraram a presença de seis toxinas que são de maior preocupação, pelos impactos na saúde, nos alimentos: as aflatoxinas (AFs), as fumonisinas (FBs), a zearalenona (ZEN), a toxina T-2, a desoxinivalenol (DON) e a ocratoxina A (OTA).

Além disso, identificou taxas acima do limite de tolerância estabelecido pelos órgãos de saúde para três delas: FBs, ZEN e DON.

E cerca de 1 a cada 3 alimentos (32,86%) tinha de duas a quatro combinações de toxinas em quantidades elevadas.

Os autores do estudo afirmam que a exposição a essas substâncias por meio da alimentação pode aumentar o risco de problemas de saúde, especialmente no caso de crianças e adolescentes.

Por isso, afirmam que os achados reforçam a importância do armazenamento adequado para evitar a contaminação.

Mas qual é o armazenamento correto de farinha e arroz? O médico nutrólogo Daniel Magnoni, presidente do Instituto de Metabolismo e Nutrição (IMeN), em São Paulo, explica quais são os cuidados que é preciso ter e quais são os itens mais propensos à proliferação de microrganismos:

— Exposição à luz do sol, a temperaturas elevadas, a vento e insetos podem levar à formação de toxinas no alimento. Por isso é muito importante observar o armazenamento para garantir a segurança alimentar. Os itens devem ser guardados em locais secos, sem grande variação de temperatura e em pacotes embalados, onde não existe circulação de vento, ar e calor. E precisam permanecer tampados porque ficar ao ar livre, em vasilhas destampadas, aumenta o risco de contaminação. Já o tipo de armazenamento não interfere, o recipiente pode ser de plástico, vidro, ferro, entre outros.

Sobre os alimentos de maior atenção, Magnoni explica serem os grãos, principalmente ervilha, lentilha, feijão, arroz, mas também alguns tipos de farinha.

— Além disso, as castanhas de um modo geral são pontos de atenção, porque temos alguns trabalhos mostrando alta contaminação por aflatoxinas em castanhas-do-pará — continua.

O nutrólogo reforça ainda que o cuidado precisa ser contínuo porque a contaminação nesse caso pode não levar a um quadro infeccioso agudo, mas sim acumular aos poucos danos no código genético do indivíduo, sem que ele perceba por meio de sintomas:

— Os riscos são que gradativamente a pessoa vai ter uma impregnação maior dessas toxinas no organismo. Não é um único prato com o alimento que vai levar a um problema, mas o dano no DNA vai se acumulando.

É esse acúmulo, por exemplo, que leva algumas dessas toxinas a terem efeitos carcinogênicos, ou seja, serem ligadas a um aumento no risco de câncer.

É o que explicou o coordenador do estudo da USP, Carlos Augusto Fernandes de Oliveira, professor da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA-USP), à Agência Fapesp:

— Elas têm efeito progressivo. Isso quer dizer, por exemplo, que, com a exposição a moléculas de B1, em algum momento não será mais possível reparar o DNA que foi lesado pela micotoxina. É a partir daí que pode surgir o câncer. Por isso, a nossa preocupação com crianças e adolescentes, que tendem a ser mais sensíveis a toxinas em geral.

Quais os riscos das toxinas?
Entre as toxinas encontradas na análise, Oliveira destacou que a aflatoxina B1, descoberta na década de 1960, é aquela com o maior potencial carcinogênico natural conhecido.

Segundo o cientista, ela pode induzir danos no DNA que levam a mutações genéticas ligadas ao câncer de fígado.

Além disso, foi associada a um impacto no sistema imunológico, a problemas reprodutivos e à teratogênese, quando gestantes ou pessoas em amamentação transferem as toxinas para o embrião, feto ou criança, causando problemas de saúde nele.

— Não existe nenhuma substância conhecida pelo homem na natureza que tenha o poder cancerígeno dessa micotoxina, só raras exceções criadas em laboratório — contou o pesquisador.

A ocratoxina A também é uma toxina considerada carcinogênica, assim como a fumonisina B1, que foi uma das três encontradas em altas taxas na análise.

A substância já foi ligada a tumores no esôfago e outros problemas no fígado.

Outra toxina cuja quantidade foi elevada na pesquisa, a desoxinivalenol não é ligada ao câncer, mas associada a uma redução da imunidade em pessoas contaminadas, disse o professor da USP:

— Ela também tem efeito no sistema gastrointestinal. Nos animais, por exemplo, ela provoca tanta irritação que eles regurgitam. Por isso, ela é vulgarmente chamada de vomitoxina.

Já a zearalenona, terceira toxina que teve os maiores níveis na análise, possui uma estrutura idêntica à do estrógeno, o que pode levar a problemas de saúde relacionados ao excesso do hormônio feminino no organismo.

O grupo responsável pela pesquisa realiza agora uma segunda etapa para investigar em mais detalhes o grau de contaminação por meio de amostras de urina das crianças e adolescentes que vivem na região.

— Com isso poderemos antever potenciais efeitos da contaminação — afirmou Oliveira.