O HOMEM COM MIL FILHOS

"É uma bênção, não me arrependo de nada": diz doador compulsivo de sêmen com 1000 filhos

Segundo Jonathan Meijer, decisão de se transformar em um 'super doador' foi motivada pela vontade de ajudar pessoas com dificuldades de reprodução

Jonathan Meijer foi proibido de doar sêmen após confirmarem a existência de mais de 500 crianças com seu DNA - Youtube/Reprodução

Inspirado pelos relatos de um amigo que tinha problemas de fertilidade, o holandês Jonathan Meijer decidiu se tornar um doador de esperma em janeiro de 2007 para ajudar outras pessoas a realizarem o sonho de ter uma família. 

Porém, essa vontade ganhou uma projeção complicada 17 anos depois: atualmente, Meijer, com 43 anos, alega ter sido pai de "cerca de 550 crianças" em todo o mundo.

Entretanto, alguns acreditam que o número possa ser ainda maior, chegando a mil crianças, o que inspirou o título do documentário de sucesso "The Man With 1,000 Kids", lançado por uma plataforma de streaming.

A série explora a complexa história de Meijer, e compartilha depoimentos de várias mulheres e casais que tiveram filhos com sua ajuda e que fazem alegações extraordinárias sobre ele.

Acusações de narcisismo extremo e um "complexo divino" são apenas algumas das críticas direcionadas a Meijer, que também é acusado de mentir sobre a extensão de suas doações para manter o controle.

A acusação mais surpreendente vem de uma mulher que alega que Meijer misturou seu esperma com o de outro doador, jogando uma "roleta do esperma" com as vidas das famílias.

Em sua primeira entrevista completa desde o lançamento do documentário, Meijer refutou essas alegações para o jornal inglês Daily Mail, chamando-as de "lixo" e "besteira".

Apesar das críticas, Meijer insiste que suas ações foram motivadas por um desejo de ajudar, e que a situação se transformou em uma espécie de recompensa pessoal.

Ele descreve a sensação de ajudar a criar famílias como uma "bênção" que se tornou difícil de abandonar.

"É uma bênção se você puder vivenciar isso apenas uma vez na vida, mas eu estava vivenciando isso em muitos dias, e ainda estou, porque as pessoas me atualizam sobre o que está acontecendo com seus filhos."

Em 2019, Meijer fez sua última doação, em parte devido a forças externas. Em 2017, a Sociedade Holandesa de Obstetrícia e Ginecologia o proibiu de doar mais após descobrir que ele tinha 102 filhos na Holanda. Seis anos depois, um tribunal holandês o proibiu de fazer mais doações globalmente, após uma ação civil da Donorkind Foundation, que argumentou que ele estava aumentando o risco de incesto.

A série revela que Meijer, um homem tradicional criado em Haia, é visto por alguns como um "arquivilão" e por outros como um enigma.

Quando Meijer se tornou doador, a Holanda havia determinado uma mudança na lei, três anos antes, e a partir de então as crianças provenientes de doações de esperma teriam o direito de conhecer a identidade dos doares.

"Para mim, isso foi uma coisa boa. Eu não queria doar anonimamente: eu queria que as crianças e os pais, e também eu, tivéssemos uma chance de nos encontrar no futuro", ele disse.

Embora tenha começado suas doações em seu país natal, ele expandiu para outras clínicas, incluindo a Cryos, uma clínica internacional na Dinamarca, e participou de doações privadas.
Ele explica que o desejo de ajudar e a falta de controle das clínicas sobre suas doações contribuíram para o grande número de filhos.

"Nenhuma das clínicas individuais, exceto uma, perguntou se eu tinha doado em algum outro lugar — e a que perguntou, quando eu disse que sim, me disse que não poderia me aceitar. Claro, sem problemas. Mas as outras não perguntaram. Se estivessem tão preocupadas, as clínicas poderiam ter pegado o telefone uma para a outra", contou o doador.

O documentário ainda apresenta Vanessa, uma das mães que tiveram filhos com Meijer, que alega que ele minimizou o número de doações que estava fazendo.

O homem admite que, inicialmente, foi muito aberto sobre suas ações, mas começou a ter problemas quando algumas famílias queriam exclusividade.

A alegação mais séria contra Meijer é de Patricia, que diz que ele misturou seu esperma com outro doador antes de entregá-lo. Meijer nega veementemente e afirma que processará a empresa de streaming por essas acusações.

"É nojento", ele diz. "E eu vou processar por algo que não é verdade e sobre o qual eu sei que eles não têm nenhuma evidência."

Apesar das afirmações de Meijer de que ele "acompanhava" as crianças nascidas de suas doações — a lista, ele diz, está "em um cofre" — e que ele se esforçou para garantir que as crianças estivessem em vários locais ao redor do mundo, porém, algumas acabaram em uma proximidade impressionante.

O documentário mostra que três de seus filhos foram encontrados frequentando a mesma creche holandesa.

Dessa maneira, o aspecto que mais preocupa as autoridades holandesas é o fato de existir várias crianças compartilhando os mesmos genes, o que aumenta o risco de consanguinidade, ou seja: relacionamentos sexuais ou casamentos entre pessoas com ancestrais biológicos comuns, e seus potenciais defeitos congênitos resultantes. Porém, isso não perturba Meijer, segundo a mídia britânica.

"Não concordo com a ideia de 'doadores anônimos', porque não é muito bom para as crianças. Acho que elas precisam ter identidade. Meus filhos, imediatamente a partir do momento em que pedem, têm uma foto minha; eles sabem meu nome; eu me encontro com um grande número deles. É preciso fazer apenas uma pergunta para outra pessoa para descobrir quem eu sou. Então, acho que isso é exagerado", explicou Meijer.

Os tribunais holandeses, porém, não pensaram assim. A proibição de Meijer em 2023 de doar seu esperma — que não cobre o fornecimento de doações de irmãos para crianças existentes — foi acompanhada por uma multa de R$ 605 mil para quaisquer violações futuras.

"Para mim, foi ridículo, pois eu já tinha parado de fazer doações quatro anos antes. Foi motivado por um pequeno grupo de mulheres — muitas no documentário — que ficaram obcecadas com meus movimentos", disse ele ao Daily Mail.

A situação, porém, segundo o homem, não é recriminada por todas as famílias e/ou mães solo que decidiram usar o material biológico dele para procriar.

"Você tem o pequeno grupo infeliz, e um outro grupo que acha que o que estou fazendo é ótimo, e então estão bem — alguns mais felizes, outros menos felizes. Pelo que eu vi, as crianças estão felizes. Algumas conheceram meio-irmãos; elas saem de férias, elas se encontram", ele diz.

Quanto à sua mudança de ideia, conforme relatado pelo doador 'compulsivo', aconteceu de forma gradual, e pelo desejo de focar em seu próprio futuro.

"Eu estava realmente desejando essa vida tradicional e natural, na qual estou trabalhando no momento. Também senti que realmente preciso ter minha própria família"

No caso dele, é claro, essa tarefa perfeitamente comum vem acompanhada de uma complexa situação: qualquer criança que ele crie logo descobrirá que tem centenas de meio-irmãos.

Há o problema também de um eventual envolvimento entre irmãos que podem não saber que carregam o código genético de Meijer.

Além disso, de acordo com a entrevista do Daily Mail, Meijer chegou a se relacionar com algumas das mulheres que conheceu inicialmente como doador, mas que os relacionamentos não deram certo.

O homem entende que tem dificuldades e precisa conseguir uma parceira compreensiva a respeito do seu passado como doador.

"Eu gostaria de conhecer alguém, e ela terá que ser forte para entender tudo o que aconteceu e ficar bem com isso", esclareceu Meijer.

A iniciativa do doador 'compulsivo' despertou a iniciativa de regulamentações na doação de esperma e materiais reprodutivos, devido às consequências que 'super doadores' podem causar futuramente.

Apesar de Meijer alegar ter tido boas intenções, segundo a Justiça, a sociedade pode enfrentar desafios significativos em termos sociais e de saúde pública provenientes das doações.