literatura

"Dom Casmurro": booktoker que viralizou Brás Cubas defende Capitu

Fã de Machado de Assis e Clarice Lispector, Courtney Henning Novak recorreu a trechos de "Dom Casmurro" para provar a inocência da personagem

Dom Casmurro: booktoker americana Courtney Henning Novak se manifesta em defesa de Capitu - Tiktok/Reprodução

A booktoker americana Courtney Henning Novak, que se converteu em embaixadora informal da literatura brasileira após seus elogios a Machado de Assis e Clarice Lispector viralizarem, já escolheu um lado e "Dom Casmurro", o debate mais acalorado das letras nacionais: Capitu traiu? Courtney defende que não.

Num vídeo compartilhado nas redes sociais, ela conta que um estudante brasileiro pediu sua ajuda com argumentos para em favor a inocência de Capitu, pois sua escola estava organizando um tribunal para julgar a personagem de “Dom Casmurro”.

 

 
 
 
 
 
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Uma publicação compartilhada por Courtney Henning Novak (@courtneyhenningnovak)

Ele fora escalado como advogado de defesa. “Agora eu posso mostrar para você meu nível de obsessão com ‘Dom Casmurro’”, diz Courtney, que elencou uma série de argumentos para desfazer a hipótese do adultério.

“Capitu não traiu e a prova está no título do livro. No capítulo I, ele diz: ‘Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo’.

Mas se você consultar dicionários, vai ver que casmurro significa teimoso. Ele é teimoso! É um narrador não confiável e teimoso que tenta justificar a tragédia de sua vida, ter mandado seu único filho e o amor de sua vida para o exílio na Europa por causa de seu ciúme”, afirma a nova advogada de Capitu.

Courtney não parou por aí. Lembrou que o sobrenome do narrador Bentinho — Santigado — contém o nome de Iago, um dos personagens de “Otelo”, peça de Shakespeare sobre o ciúme.

A americana diz que Bentinho não é Otelo, que desconfia a da traição da esposa; ele é o mentiroso Iago, que tenta convencer o protagonista da infidelidade de Desdêmona. “É tudo um delírio narcisista dele”, dispara Courtney.

“Todas as evidências de que Capitu traiu são circunstanciais e de baixa qualidade. Não há cartas, documentos ou testemunhas oculares, só os delírios desconexos de um homem louco de ciúme”, diz ela, que invoca trechos de “Dom Casmurro” para defender a honra de Capitu. Ela insiste, por exemplo, que Bentinho é “influenciável”, só se percebeu apaixonado por Capitu ao ouvir uma conversa entre sua mãe e o agregado José Dias, que sugeriam que o menino podia estar gostando da vizinha.

No capítulo XL, continua Courtney, o narrador confessa que sua imaginação sempre foi “viva, rápida, inquieta”, “companheira de toda a minha existência”. “É tudo imaginação dele”, diz a booktoker. Mais à frente, no CVII, ele se assume ciumento: “Os meus ciúmes eram intensos, mas curtos; com pouco derrubaria tudo, mas com o mesmo pouco ou menos reconstruiria o céu, a terra e as estrelas”. No CXIII, ele afirma “ter ciúme de tudo e de todos”.

Após citar as palavras do próprio Betinho, Courtney aponta uma inconsistência no discurso do narrador. “Ele admite ser ciumento e possessivo, desconfiar de tudo. Mas como é que ele só percebe que sua mulher o estava traindo com seu melhor amigo depois que o amigo morre e ele a vê chorando a morte dele?”, questiona a advogada de Capitu. “O ciúme o levou à loucura. Ele também diz que Capitu era muito boa em esconder seus sentimentos. Se ela era mesmo tão boa nisso, não choraria no velório do amante na presença do marido.”

Por fim, Courtney ataca um dos principais argumentos de Bentinho contra a esposa: o filho deles, Ezequiel, se pareceria com seu amigo Escobar.

“Mas ele mesmo fala de um retrato em que Sancha (esposa de Escobar) está parecida com Capitu. As pessoas se parecem! Vemos isso o tempo todo, um médico pode se parecer com minha melhor amiga, com alguém com quem joguei futebol anos atrás. Isso não é prova de infidelidade”, afirma. “Dom Casmurro enlouqueceu de ciúme e não tem provas da infidelidade de Capitu. Ela não traiu”, finaliza Courtney.

Amor por Machado e Clarice
Courtney viralizou em maio após comentar “As memórias póstumas de Brás Cubas”, que ela descreveu como “o melhor livro já escrito”. Na ocasião, a edição americana do romance (traduzida por Flora Thompson-DeVeaux, que vive no Rio) alcançou o segundo lugar na lista de mais vendidos da Amazon.

Em junho, Courtney leu “Dom Casmurro” e se manifestou em defesa de Capitu: “Brasil, Capitu traiu ou não? Sei que é um debate e que as pessoas se dividem em ambos os lados. Não li nenhuma crítica e não pesquisei. Esta é minha opinião inicial: Capitu não traiu”.

Na semana passada, Courtney conheceu “A hora da estrela”, de Clarice Lispector. “Como vocês conseguem seguir a vida normalmente depois de ler Clarice? Essa mulher inventou um jeito de se escrever”, derramou-se a booktoker.