POLÍCIA FEDERAL

Ramagem reconhece à PF falta de "controle devido" no uso de programa espião pela Abin

Apuração da Polícia Federal trata de ações clandestinas de vigilância de adversários

O ex-diretor-geral da Abin, delegado de Polícia Federal Alexandre Ramagem - Reprodução/X

No depoimento de quase sete horas que prestou à Polícia Federal no último dia 17, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência Brasileira de Informações (Abin), reconheceu o que classificou como "falta de controle devido" em relação ao uso do programa First Mile – um sistema que rastreava a localização de pessoas e cujo uso está sob investigação.

Indagado sobre as ferramentas de inteligência disponíveis no momento em que era diretor-geral da Abin, Ramagem respondeu aos investigadores que a compra do sistema já havia ocorrido quando iniciou sua gestão, em 2019. Segundo ele, uma auditoria do parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) concluiu que a compra do First Mile foi "correta", e que o mecanismo atendia a uma diretriz de inteligência da agência.

 

À PF, contudo, disse que "na direção-geral, tinha ciência de que não havia o controle devido da utilização da ferramenta, ou seja, justificativa e registro dos acessos". De acordo com Ramagem, havia uma preocupação com o "uso irregular" da ferramenta, sendo que uma auditoria específica sobre o First Mile foi realizada, e que na direção-geral "havia desconfiança" de algum "uso irregular da ferramenta para fins provados".

A utilização do First Mile durante o governo de Jair Bolsonaro foi revelada pelo GLOBO em março de 2023 e motivou a abertura de um inquérito pela PF. A investigação identificou que o programa foi empregado pela Abin para espionar políticos, jornalistas, advogados e adversários do ex-presidente. A ferramenta, fabricada pela israelense Cognyte, é capaz de monitorar a localização de até 10 mil números de celular por ano.

Ao longo do depoimento, o ex-diretor-geral da Abin e um dos principais aliados de Bolsonaro, afirma não se lembrar das atividades de monitoramento de adversários do ex-presidente. Na última fase da operação Última Milha, deflagrada pela PF no início do mês, os investigadores apontaram para a criação de uma suposta rede de monitoramento ilegal de autoridades, entre ministros do STF, jornalistas e políticos da oposição.

Entre os nomes presentes na lista de autoridades que teriam sido monitoradas ilegalmente estão o da ex-deputada federal Joice Hasselmann, o do ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia, do ex-prefeito de São Paulo João Doria.

Ao ser questionado sobre qual seria a motivação para o monitoramento envolvendo deputados federais e qual seria a ordem judicial autorizando a medida, Ramagem respondeu que os deputados federais nunca foram alvo de monitoramento. E especificamente com relação a uma ação envolvendo um jantar no Lago Sul, em Brasília, em que estavam presentes Joice Hasselmann e Rodrigo Maia, disse que o objetivo era identificar a quem pertencia um determinado carro – e que a conclusão a que se chegou era de que o veículo era usado por Anderson Torres, à época secretário de segurança do Distrito Federal.

Ramagem também foi indagado pela PF a respeito da reunião realizada no Palácio do Planalto com Bolsonaro e duas advogadas que faziam a defesa de Flávio Bolsonaro. A reunião teve como principal tema a discussão sobre uma blindagem do filho do ex-presidente no caso das rachadinhas". O encontro foi gravado pelo ex-diretor da Abin e o conteúdo do áudio foi divulgado após determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo Ramagem, a gravação foi feita a pedido do ex-presidente que teria, de acordo com seu relato, tido a notícia de que poderia haver "algum tipo de proposta que não seria lícita". E que combinou com Bolsonaro de fazer a gravação caso houvesse "alguma proposta ilícita", mas que não sabe se o general Augusto Heleno, que também estava presente no encontro, sabia da gravação.