LUTO

J. Borges: relembre a trajetória artística do mestre da xilogravura

Sepultamento do artista pernambucano ocorre neste sábado (27), em Bezerros

J. Borges - Alfeu Tavares/ Folha de Pernambuco

Ele gravou a essência do Nordeste brasileiro através de suas obras, ajudando a moldar a identidade visual da região. O pernambucano José Francisco Borges, mais conhecido como J. Borges, partiu na última sexta-feira, aos 88 anos, mas deixou para trás um legado de cores e formas que inspiraram várias gerações e o colocaram entre os mais importantes artistas populares do Brasil.

O poeta, cordelista e xilógrafo nasceu e viveu a maior parte de sua vida em Bezerros, no Agreste de Pernambuco. Distante a 100 km do Recife, a cidade sedia o Memorial J. Borges, lugar que serve, ao mesmo tempo, como ateliê, galeria e museu. 

Registrado como Patrimônio Vivo de Pernambuco em 2005, J. Borges trabalhou como agricultor, oleiro, mascate, marceneiro e pintor de paredes, antes de virar artista. Frequentou a escola apenas por dez meses, tempo suficiente para ser alfabetizado. 
 

Ao longo de 20 anos, o pernambucano vendeu folhetos de cordel em feiras populares de cidades no Interior do Estado. Essa proximidade acendeu nele a vontade de escrever seu próprio material. Sua estreia como cordelista ocorreu em 1964, com “O Encontro de Dois Vaqueiros no Sertão de Petrolina”, ilustrado pelo artista Dila.

Com o sucesso da primeira publicação, que vendeu 5 mil exemplares em apenas dois meses, J. Borges resolveu dar continuidade à atividade de cordelista. Na segunda obra, intitulada “O Verdadeiro Aviso de Frei Damião”, encontrou dificuldades para bancar a ilustração da capa e, por isso, resolveu ele mesmo entalhar o desenho da fachada da igreja de Bezerros na madeira. Começava ali sua carreira como xilógrafo.  

J. Borges passou a fazer matrizes por encomenda e também para ilustrar seus próprios cordéis. Em entrevista à Folha de Pernambuco, em 2016, confessou que, no começo, não tinha muita noção da grandeza de sua arte. 

“Eu entrei na arte abrindo caminho a fogo. Já vendia gravura e não sabia para que é que compravam. Um dia, chegou um pessoal do Rio [de Janeiro] e uma mulher espalhafatosa disse: ‘Eu quando vejo xilogravura fico doida, e essas de Borges têm uma variedade muito grande’. Ligeiramente, eu escrevi o nome xilogravura em um papel e guardei. Quando ela saiu, fui procurar o que era no dicionário”, relatou.  

Nos anos 1970, a obra de J. Borges passou a ser valorizada pelo mercado de arte e pelo acadêmico. Ele creditava sua ascensão ao apoio que recebeu, na época, de Ariano Suassuna e do artista plástico Ivan Marchetti. O autor de “Auto da Compadecida” costumava referendar o bezerrense como “o melhor gravador popular do Nordeste”. A fama do xilógrafo correu o mundo e o levou a visitar mais de uma dezena de países. 

Nas redes sociais, Lula se despediu do artista lembrando de quando presenteou o Papa Francisco com uma obra sua. “Fiquei muito feliz de poder levar sua arte até o Papa. Meus sentimentos aos familiares, amigos e admiradores deste grande artista do nosso país”, escreveu. Já a governadora do Estado, Raquel Lyra, apontou que “a sua grandiosidade permanecerá aqui pelas mãos de seus filhos, discípulos e centenas de xilogravuras que representam tão bem a nossa cultura”.

J. Borges teve 18 filhos, incluindo Pablo e Bacaro Borges, que levam adiante o legado do pai através de seus próprios trabalhos artísticos. Ele também inspirou outros artistas sem relação consanguínea, como o pernambucano Derlon. “Obrigado por tudo que aprendi com as suas obras e a pessoa maravilhosa que foi. Adorava visitar o seu ateliê em Bezerros, Pernambuco. Sempre alegre, conversador, contava histórias hilárias”, escreveu o discípulo em sua página no Instagram.

Segundo familiares, J. Borges morreu em casa, por volta das 6h. A causa da morte não foi informada. Duas semanas antes, ele chegou a ser hospitalizado por problemas no coração e no pulmão, mas recebeu alta médica. O velório do artista ocorre desde a tarde da sexta-feira, Centro de Artesanato, em Bezerros. Já o sepultamento está marcado para as 15h deste sábado, no Cemitério Parques dos Eucaliptos, na mesma cidade.