"Synchronicity", do Police, ganha edição de 40 anos: "É um disco cheio de tensão", diz guitarrista
Em turnê no Brasil, Andy Summers fala da nova versão do álbum, com faixas inéditas, e dos problemas nos bastidores da gravação, que rendeu a canção mais tocada da história do rádio americano
Uma explosão de hits (a começar por “Every breath you take”, a canção mais tocada de toda a história do rádio americano), “Synchronicity” (1983), o quinto e último álbum do grupo inglês The Police, foi um daqueles discos que marcaram época.
Não só pelo sucesso brutal — que agraciou outras faixas, como “Synchronicity I”, “Synchronicity II”, “King of pain”, “Wrapped around your finger” e “Tea in the Sahara” —, mas pela inovação que trouxe em termos de composição (a maior parte delas, do cantor e baixista Sting) e de sonoridade para o rock.
Muito copiado e jamais igualado, o disco ganhou na sexta-feira uma edição de luxo 40 anos, em diferentes caixas com múltiplos CDs ou LPs, que incluem livreto de 62 páginas com fotos jamais vistas e 55 faixas inéditas.
Um verdadeiro mergulho no processo de criação de uma obra-prima... que um dos três envolvidos, o guitarrista Andy Summers (o outro é o baterista Stewart Copeland), nem considera assim, digamos, essa coisa toda.
— Bem, “Synchronicity” foi o nosso álbum de maior sucesso. Não sei se é o melhor, não gosto de dar esse tipo de opinião, existem diferentes maneiras de se avaliar isso... Mas meu álbum favorito foi o segundo que fizemos, “Regatta de blanc” (de 1979) — diz Andy, em entrevista por Zoom, do Rio, onde ensaiava para a turnê sul-americana do Call The Police, trio com João Barone (bateria, dos Paralamas do Sucesso) e Rodrigo Santos (baixo e voz), com o qual toca canções do antigo grupo. — “Synchronicity” tem “Every breath you take”, nossa música mais tocada de todos os tempos, e é mais sofisticado... ou, diríamos, mais suave que os anteriores.
Lados B, versões alternativas de faixas, gravações demo ou ao vivo, remasterizações... nada do que foi incluído da nova edição de “Synchronicity” chega a interessar Andy Summers.
— Isso tudo foi organizado pela gravadora, não por nós. O comentário geral é o de que as pessoas parecem estar interessadas em como as músicas surgiram, como fomos das primeiras versões até as definitivas... e essa nova edição de fato tem um pouco disso. Pessoalmente, acho que é bem mais uma coisa para os fãs — desdenha. — As pessoas pensam que ficamos sentados, pensando em como colocar tudo isso junto, mas é uma reedição feita pela gravadora. Não quero parecer cínico, só quero dizer que estou satisfeito por ter sido lançado. Isso tudo é apenas uma maneira de vender o disco novamente.
Disco gravado no Caribe (com os músicos em salas separadas) e mixado no Canadá (em boa parte, pelo produtor Hugh Padgham, enquanto Sting, Summers e Copeland esquiavam), “Synchronicity” reflete as tensões entre os integrantes, pouco antes de a banda se separar e o vocalista sair em carreira solo. Segundo disse certa vez Padgham, “em muitos aspectos, foi essa tensão o que acabou fazendo esse álbum ser tão bom.”
— Eu acho que a tensão criativa é uma coisa boa, especialmente se você está em um esforço colaborativo com outras pessoas. É isso que dá essa força que chama a atenção das pessoas. Não a suavidade, o relaxamento — confirma Andy Summers. — Esse disco está cheio de tensão, ele tem essa qualidade evolutiva que era típica da nossa banda. Porque a maioria das coisas que fizemos tinha esse compromisso acirrado em conjugar nossas diferentes ideias. Assim, cada peça era exaustivamente pensada, o que não foi diferente neste álbum.
Summers se lembra de ter pensado quando ouviu pela primeira vez o disco pronto: “Bem, este é o álbum que nos levará ao primeiro lugar nos EUA, ele é bom e forte o suficiente!”
— Acho que, naquele ponto, poderíamos ter feito qualquer álbum e ele seria o número um, porque chegamos a um ponto tal de sucesso comercial em que éramos muito populares — gaba-se. — Foi um álbum difícil de fazer, estávamos prestes a nos separar, e acho que foi muito complicado para o Sting. Dali, fomos direto para o primeiro lugar das paradas com o single de “Every breath you take”, e depois o álbum permaneceu no primeiro lugar por quatro meses. Mantivemos Michael Jackson (com o avassalador álbum“Thriller”) fora do topo das paradas, o que foi bastante interessante.
Em 1997, “Every breath you take”, composição de Sting, foi sampleada pelo rapper e produtor Puff Daddy (Sean Combs, mais tarde conhecido como Diddy) na faixa “I’ll be missing you”, que liderou a parada Billboard Hot 100 por 11 semanas e ganhou um Grammy de melhor performance de rap por um duo ou grupo. O cantor do Police se juntou ao rapper em uma apresentação dessa música no MTV Video Music Awards de 1997. O que deixou Andy Summers (não incluído na arrecadação de direitos sobre a gravação) nada feliz.
— Foi a minha linha de guitarra que fez a música ser um hit para o Police e também para o Puff Daddy — acusa. — Diddy roubou e sampleou a guitarra, e a lei era um pouco mais frouxa naquela época porque o sampling ainda era uma novidade. Ele pegou a melhor parte da música e a transformou num hit para si mesmo. Sim, foi ultrajante.
Da pena do guitarrista, “Synchronicity” tem apenas a estranha “Mother”, que ele mesmo cuidou de cantar no disco.
— Bem, eu adoro ela! Estávamos em um ponto em que Sting compunha a maioria das músicas, mas ainda assim havia um acordo que eu e Stu colocaríamos uma composição cada um. E eu criei essa música chamada “Mother”, sobre a minha mãe, muito influenciada por Captain Beefheart, num compasso de 7/4, o que é muito diferente para se botar em um álbum de uma banda com tanto sucesso — conta. — Acho que a gravadora ficou realmente chocada com essa música, porque ela era exagerada, muito avant garde para um grupo pop.
Por outro lado, tocar “Synchronicity” ao vivo foi um trabalho que Andy Summers diz ter adorado.
— Foi uma turnê incrível, que durou cerca de um ano. O que importava é que tínhamos que subir ao palco todas as noites, não importa o que achássemos, e tocar muito bem juntos, porque eram apenas três caras, não havia gravações de apoio. Toda noite teríamos que julgar nosso próprio desempenho como músicos, então essa foi a cola que nos manteve juntos —relata. — Internamente, eu acho que Sting acabava diminuindo a camaradagem da banda porque estava pensando em sair em carreira solo, o que acabou acontecendo no final das contas, e isso pôs uma leve pressão na atmosfera. Porque estávamos nos divertindo muito sendo a banda número um do mundo.
Para os críticos, “Synchronicity” acabou sendo um disco que responde tanto pelo chamado “som do rock dos anos 80” quanto celebrados LPs de Duran Duran e Tears For Fears. Já para Andy Summers...
— Peraí, Duran Duran é uma banda pop estúpida e vazia! Acho que, nessa, estávamos sozinhos, porque nenhuma dessas bandas poderia se igualar a nós. Tenho até uma certa afeição por Tears For Fears, mas certamente não pelo Duran Duran. Não há comparação, éramos grandes músicos, e eles, um grupo reunido por produtores — indigna-se.
Aos inacreditáveis 81 anos de idade (“sou uma espécie de aberração biológica, não sinto que tenha essa idade toda e me sinto muito bem... exceto pelos mexilhões estragados que vomitei outra noite!”), Andy Summers parte para a sua quinta turnê com o Call The Police, que desta vez passa por Recife (1/8), Rio de Janeiro (dia 2), São Paulo (3), La Paz (5) e Santiago do Chile (8).
— Bem, é divertido. Eu gosto de estar no palco, gosto de fazer shows, gosto de tocar com grandes músicos — anima-se. —Tem, claro, todo um outro lado, que é ter que entrar e sair dos aviões e dos teatros, mas você acaba desenvolvendo uma espécie de mentalidade de turnê, e geralmente há muita camaradagem. Todos nos damos muito bem. De outra forma, eu não faria isso.
"Andy adora o Brasil e o Rio"
Para João Barone, apesar de estarem juntos desde 2017 com o Call The Police (que surgira três anos antes, quando Rodrigo Santos ficou amigo do guitarrista inglês), não deixa de ser surreal até hoje “o fato de Andy estar ali tocando as músicas do Police com a gente”.
— Ele poderia ter escolhido mil músicos e acabou é que a gente que está ali — admira-se. — Andy parece um compadre velho, para usar a expressão mais coloquial. Ele adora o Brasil, adora o Rio.
Um dínamo, que só no ano passado fez 50 apresentações mundo afora de “The Cracked Lens + A Missing String: an evening with Andy Summers” (show multimídia em que sobe ao palco com sua guitarra e uma tela para exibir suas fotografias da natureza exótica, em meio a muita contação de histórias na estrada), Andy Summers diz que em 2025 vai “só gravar discos”:
— Tenho alguns projetos, mas com certeza farei um novo álbum solo. Mesmo quando estou na estrada, eu gravo no meu iPhone as peças de guitarra nas quais estou pensando.
E quanto a uma nova reunião com Sting e Copeland para reviver o Police mais uma vez (já que, entre 2007 e 2008, os três voltaram e fizeram uma muito bem-sucedida turnê, que no Rio teve como palco o estádio do Maracanã)?
— Não acho que seja muito provável, mas eu nunca digo não, não gosto de fechar a porta. Acho que poderíamos sair em uma grande turnê, mas vou seguir com o que quer que esteja fazendo até que chegue a ligação!