Política de equilíbrio: Por que a Turquia intermediou troca de presos entre a Rússia e o Ocidente?
Apesar de ser membro da Otan e manter relações econômicas de alto nível com a UE, país tem bom trânsito com Moscou, em parte devido ao relacionamento próximo entre seus presidentes
A Turquia anunciou nesta quinta-feira uma das “maiores” e “mais extraordinárias” troca de prisioneiros da História Moderna, envolvendo 26 pessoas de sete países, entre eles o repórter do Wall Street Journal Evan Gershkovich, que foi julgado e condenado a 16 anos de prisão por suposta espionagem e estava detido desde março de 2023 em território russo.
O envolvimento de Ancara numa negociação deste tipo não é novidade: o país, uma antiga potência otomana que liga Ocidente e Oriente, é conhecido por manter uma “política de equilíbrio” como pilar de sua política externa, mesmo em contextos de conflito.
"A Agência de Inteligência Turca (MIT) realizou a maior operação de troca de prisioneiros dos últimos tempos em Ancara, envolvendo a troca de 26 pessoas de prisões de sete países diferentes", disse a Presidência turca.
A troca, que inclui dois menores de idade que estavam acompanhando os pais, também foi confirmada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, que a descreveu como uma "façanha diplomática".
A Turquia é considerada por analistas uma potência média que exerce papel fundamental na competição entre a Rússia e o bloco ocidental, entendido principalmente como a União Europeia (UE) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar ocidental liderada pelos Estados Unidos.
Apesar de ser membro da Otan e manter relações econômicas de alto nível com a UE (sem mencionar seu status oficial de candidatura), o país tem bom trânsito com Moscou, em parte devido ao relacionamento próximo entre o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, e seu homólogo russo, Vladimir Putin.
“A Turquia pode ser considerada um Estado oscilante", afirma Pelin Ayan Musil, pesquisadora sênior do Instituto de Relações Internacionais de Praga, em artigo publicado em março.
Em julho de 2022, a Turquia mediou o primeiro acordo entre Ucrânia e Rússia desde o início da guerra com o objetivo de permitir a exportação de grãos ucranianos pelo Mar Negro após meses de bloqueio que elevaram os preços dos grãos e motivaram alertas de uma crise alimentar global.
Segundo Musil, a Turquia "frequentemente se desviou dos padrões perseguidos por seus aliados ocidentais sem se alinhar totalmente com a Rússia", escolhendo empregar uma "estratégia de intermediário" em relação à agressão russa sobre a Ucrânia extraindo benefícios de ambos os lados".
Em uma entrevista que deu em setembro de 2023, o presidente Erdogan, há mais de 20 anos no poder, declarou que “nos últimos 50 anos, estivemos esperando na porta da UE e, neste momento, confio no Ocidente tanto quanto confio na Rússia."
Ancara também tem papel-chave nos esforços de mediação na guerra em Gaza que envolvam o Hamas. O país recebe altos integrantes do grupo palestino que controla o enclave e não o classifica como terrorista, como já faziam Israel e as potências ocidentais mesmo antes dos ataques terroristas de 7 de outubro.
A troca de prisioneiros desta quinta-feira é uma das "maiores" e "mais extraordinárias" da História Moderna, não apenas pelo grande número de prisioneiros e pelo número de países envolvidos, mas levando em consideração principalmente as relações entre as nações do Ocidente e a Rússia — as piores desde o fim da Guerra Fria, em 1991 —, pontuou a rede BBC.
O acordo teria mostrado que, apesar das tensões, as agências de inteligência dos países seguem mantendo contato. A última grande troca ocorreu em 2010, quando 14 prisioneiros foram libertados.