Maduro acusa TikTok e Instagram de 'instalar o ódio' na Venezuela
Ao mesmo tempo, crescem detenções e ameaças à imprensa
Uma semana após o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano anunciar a reeleição do presidente Nicolás Maduro com 51,2% dos votos e o país ser tomado por protestos contrários ao resultado, também contestado pela oposição e boa parte da comunidade internacional, o chavista acusou as redes sociais TikTok e Instagram de "instalarem o ódio" entre os venezuelanos e de levar "o fascismo ao país", afirmando esperar recomendações para regulá-las, enquanto crescem as tensões e perseguições a jornalistas e meios de comunicação no país.
A declaração ocorreu durante o ato de homenagem aos 87 anos da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), no domingo. Em seu discurso, Maduro acusou o TikTok e o Instagram de sua "responsabilidade na instalação do ódio, para dividir os venezuelanos, para buscar um massacre e uma divisão da Venezuela, para trazer o fascismo para a Venezuela."
Voltou a falar em uma tentativa de golpe de Estado contra o país, mas dessa vez "ciberfascista", e apelou ao Conselho de Segurança e ao Conselho de Defesa da nação para lhe dar as recomendações "do mais alto nível" sobre o tema.
Apesar das acusações, o presidente faz uso extensivo das redes: no Instagram, tem 1,6 milhões de seguidores; no TikTok, onde inclusive publicou um trecho do discurso, tem 2,8 milhões de seguidores.
Os ataques contra jornalistas também têm aumentado. Dois jornalistas afirmaram no sábado terem sido vítimas de acusações nas redes sociais, segundo o jornal venezuelano Tal Cual. Frayber Rivas e Humberto Ambrosino compareceram ao Ministério Público do estado de Lara para investigar as denúncias.
No mesmo dia, o site equatoriano La Data Ec denunciou a detenção da jornalista Dayana Krays pelo governo Maduro sob acusação de "promover o ódio". Em uma publicação no domingo, o jornal informou que a Krays já está abrigada em outro lugar.
Ainda segundo o jornal venezuelano Tal Cual, o jornal americano Wall Street Journal teve seu acesso bloqueado no país após publicar na quinta-feira um artigo de opinião da líder da oposição, María Corina Machado. Além do jornal americano, o jornal local Versión Final, que opera no estado de Zulia, também foi bloqueado. Os bloqueios foram divulgados pela ONG Ve Sin Filtro.
Expulsão e detenções
Um jornalista venezuelano teria sido detido por homens da Direção de Contrainteligência Militar (DGCIM) do país enquanto participava de uma manifestação convocada pela oposição no estado de Guárico.
Segundo o jornalista José Guerra, José Gregorio Camero, jornalista, locutor e ativista, teria sido abordado por funcionários do DGCIM quando estava com outro jornalista em um carro. Ainda segundo Guerra à Rádio venezuelana Fé e Alegria, os homens "estavam encapuzados e vestidos de preto".
Também teriam sido presos um cinegrafista do canal Notícia Digital no dia 29 de julho, última terça-feira. Segundo o irmão de Yousner Leomar Alvarado Medina, o cinegrafista foi detido quando passava por um local onde ocorria um protesto.
Ainda segundo o irmão do detido, a detenção ocorreu sem motivo aparente. Segundo fontes do Sindicato dos Trabalhadores da Imprensa (SNTP, na sigla em espanhol), Alvarado Medina foi acusado de crimes de terrorismo.
Outro cinegrafista, desta vez da rede TV VPI, foi preso na manhã do último dia 30. Segundo o jornal Tal Cual, ainda não foram apresentadas as acusações contra Paul León. Um jornalista identificado como Joaquín de Ponte foi detido por funcionários da Guarda Nacional e da Polícia Nacional Bolivariana (PNB) e liberado no mesmo dia.
As detenções mais recentes ocorreram na última sexta-feira: o jornalista e líder da Vontade Popular, Roland Carreño, que chegou a ser preso entre os anos de 2020 e 2023 por "terrorismo e conspiração", e Deysi Peña, um fotógrafo da prefeitura de Carrizal. Uma jornalista venezuelana também teria tido seu celular levado por agentes de segurança.
Ameaças
Além de detenções e intimidações nas redes sociais, também há denúncias de ameaças aos profissionais da imprensa, além de críticas feitas por policiais das coberturas independentes dos protestos.
Um jornalista independente teria recebido ameaça de prisão se continuasse publicando imagens sobre as manifestações, informou o Tal Cual.
Outros cinco jornalistas em Zulia teriam sido assediados por agentes à paisana. Eles teriam sido fotografados e gravados enquanto faziam sua cobertura na Praça da República na cidade de Maracaibo.
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"Quando perguntaram a eles (os policiais) por que estavam sendo filmados e fotografados, eles não responderam e se afastaram, mas ainda seguiam vigiando pelos cantos da praça", informou o SNTP.
Um jornalista também teria ficado ferido, segundo o Colégio Nacional de Jornalistas (CNP). Jesús Romero foi ferido no último dia 30 no estado de Aragua.
Ele tinha, segundo o jornal Tal Cual, ferimentos de projéteis no abdômen e na perna, mas não explicou as circunstâncias dos ferimentos. Romero foi transferido para o Hospital Central de Maracay e, segundo o CNP, precisou passar por uma cirurgia e está se recuperando.
Até o último dia 31, uma mensagem que teria circulado na rede social WhatsApp criticava 12 jornalistas do estado venezuelano de Carabobo por sua cobertura das eleições e manifestações.
O jornalista e antigo secretário-geral do SNTP Mario Villegas também teria sofrido assédio nas redes sociais por expressar suas opiniões políticas.
Outros jornalistas foram alvos de comentários em suas redes sociais, além de circularem fotos desses profissionais com mensagens violentas.
O jornal Tal Cual também informou que os meios de comunicação Nueva Esparta 920 e NotiEspartano foram atacados na madrugada de sexta-feira, tendo registrado danos em estantes e outros espaços.
Uma denúncia foi feita contra o Corpo de Investigações Científicas, Penais e Criminalísticas (CICPC), e os meios continuam em funcionamento.
O sindicato, citado pelo Tal Cual, confirmou que chefes regionais da Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) venezuelana enviaram um comunicado aos proprietários de estações de rádio proibindo-os de "transmitir notícias que violem elementos classificados como violentos".
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"Seguindo instruções do nosso diretor geral Jorge Elieser Márquez, está proibida a transmissão de notícias que violem elementos classificados como violência, a promoção ou divulgação do que é indicado pode resultar em multa ou retirada de concessão", afirmou o texto compartilhado por Denis Cabeza, coordenador da Conatel no estado de Bolívar. Uma rádio saiu do ar no dia 31 após seu coordenador decidir não aderir à orientação.
O governador do estado de Bolívar, Ángel Marcano, ameaçou aplicar "todo peso da Lei" a quem incitar a violência, enquanto seu homólogo do estado da Portuguesa, Primitivo Cedeño, disse que irá investigar portais de notícias e donos de jornais que 'incitaram o ódio nas redes sociais".
Imprensa estrangeira
O jornal venezuelano também relatou a deportação de um jornalista espanhol, detido por agentes do DGCIM em 29 de julho, nas primeiras horas da manhã.
Cake Minuesa foi deportado no mesmo dia graças aos esforços do Ministério das Relações Exteriores espanhol, informou o Tal Cual, que também relatou a expulsão de um jornalista e diretor que cobria os desdobramentos das eleições e os protestos contrários ao resultado divulgado pelo CNE.
Álvaro Nieto, do jornal espanhol The Objective, teria sido submetido a duas horas de interrogatório antes de ser mandado de ser expulso do país, na noite de quinta-feira. No dia seguinte, um correspondente do jornal argentino La Nación teria sido intimidado.
O SNTP informou na quinta-feira que um jornalista e um cinegrafistas italianos foram expulsos do país. "Após a aterrissagem [no Aeroporto Internacional Simón Bolívar], a equipe foi separada do restante dos passageiros e, depois de verificar seus documentos, foi informada de que seria expulsa do país e imediatamente obrigada a embarcar em um voo de retorno", disse o sindicato.
Jornalistas chilenos da rede Televisão Nacional do Chile (TVN) também foram deportados sem motivo aparente.
Segundo a própria rede em um comunicado, Iván Núñez e José Luiz Tapi entraram legalmente e com seus passaportes no território venezuelano, mas que após cruzar a cidade de San Cristóbal, no estado de Táchira, foram "detidos por uma patrulha militar em Chururú".
Quatro meses antes das eleições, a ONG Repórteres sem Fronteiras já havia informado sobre a censura ao canal alemão Deutsche Welle (DW) após a transmissão de uma reportagem sobre corrupção no país.
A ONG afirmou que, em dez anos, cerca de 14 canais ou programas de meios de comunicação estrangeiros foram censurados pelo governo Maduro, no poder desde 2013.