Líder do Hamas

Irã afirma ter "dever moral" de responder à morte de Ismail Haniyeh

Teerã tenta apresentar israelenses, acusados pelo atentado contra o líder político do Hamas, como elemento de desestabilização no Oriente Médio

ministro das Relações Exteriores em exercício do Irã, Ali Bagheri (D), dá as boas-vindas ao ministro jordaniano, Ayman Safadi - AFP

O governo do Irã afirmou, nesta segunda-feira (5), ter o dever moral de responder ao assassinato do líder da ala política do Hamas, Ismail Haniyeh, morto na semana passada na capital iraniana, em um ato atribuído a Israel.

Desde o ataque, ocorrido em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas, o Oriente Médio vive a expectativa de uma resposta militar, que traz consigo os riscos de incendiar toda a região.

Segundo os EUA, uma ação é esperada nas próximas "24 a 48 horas", e os israelenses aprovaram planos para "diversos cenários".

— Todos nós temos o dever moral e a responsabilidade de não permanecer em silêncio diante da ocupação, deslocamento e genocídio da nação palestina — disse, em reunião com embaixadores baseados em Teerã, o chanceler interino, Ali Bagheri.

—Indiferença e apaziguamento diante do mal e da injustiça é um tipo de negligência moral e causa a disseminação do mal.

O ataque da semana passada, que matou Haniyeh, ocorreu horas depois da cerimônia de posse do novo presidente iraniano, Massoud Pezeshkian, e um dia depois do comandante militar da milícia libanesa Hezbollah, Fouad Shukr, ser morto em outra ação em Beirute.

Israel assumiu apenas o ataque contra o dirigente libanês, mas o país também foi acusado pelo assassinato do líder político e do Hamas, um incidente apontado como uma gravíssima falha dos serviços de segurança iranianos.

Consulado iraniano
Tal como ocorreu em abril, quando Israel foi acusado de bombardear o consulado iraniano em Damasco, matando oito integrantes da Guarda Revolucionaria, incluindo dois oficiais de alta patente, a expectativa é por uma resposta armada do Irã.

Em abril, Teerã lançou mais de 300 foguetes, mísseis e drones contra Israel, sendo que quase todos foram interceptados pelos sistemas locais de defesa e com a ajuda de aliados ocidentais, incluindo EUA e Reino Unido, e de governos árabes, como a Jordânia.

Embora a situação seja semelhante, e o Irã se veja diante de um dilema — realizar um ataque e arriscar entrar em uma guerra de grande porte, ou não atacar e ser questionado por seus aliados — Teerã parece tomar passos um pouco distintos dessa vez, ao menos à distância.

Na conversa com os embaixadores, Bagheri tentou mostrar Israel como uma força desestabilizadora no Oriente Médio, afirmando que “o terrorismo está na essência do regime sionista”, e defendeu que “o mundo deveria condenar esse crime”, se referindo à morte de Haniyeh.

Alerta mundial
Dessa forma, acreditam os iranianos, está sendo criada a narrativa de que a resposta armada é um direito, e que a comunidade internacional está sendo alertada sobre suas motivações.

— O Irã tenta buscar a estabilidade na região, mas isso só virá através da punição ao agressor, e através da criação de uma dissuasão contra o aventurismo do regime sionista — disse Bagheri, defendendo ainda que os EUA e outras nações parem de apoiar Israel, e que o mundo fracassou ao tentar criar um ambiente estável no Oriente Médio.

Além de palavras, o Irã busca gestos de apoio e interlocutores. No domingo, o chanceler da Jordânia, Ayman Safadi, fez a primeira visita de um alto funcionário do governo a Teerã em 20 anos, e se encontrou com Ali Bagheri. Segundo comunicado da Chancelaria jordaniana, ele “leva uma mensagem de Sua Majestade, o rei Abdullah II. ao presidente Massoud Pezeshkian, sobre a situação na região e as relações bilaterais”.

Como afirmou o jornal Asharq al-Awsat, o ministro também busca esclarecer a posição jordaniana, e quer reiterar o desejo de Amã de que seu espaço aéreo “se torne um teatro de operações militares”. Abdullah II também conversou com o presidente americano, Joe Biden, mas o conteúdo das discussões não foi revelado.

Aliado estratégico
Outro a visitar Teerã foi Sergei Shoigu, ex-ministro da Defesa e atual secretário do Conselho de Segurança Russo.

Ele se encontrou com Pezeshkian, e chamou o Irã de “um dos principais aliados estratégicos da região”, além de considerar que “a cooperação entre o Irã e a Rússia para promover um mundo multipolar conduzirá definitivamente ao avanço da segurança e da paz globais”, afirmou a agência Interfax.

A viagem, afirma o governo russo, foi planejada antes do ataque contra Haniyeh.

Em uma vitória diplomática, Teerã conseguiu convocar uma reunião de emergência da Organização dos Países Islâmicos (OIC, sigla em inglês) para discutir o ataque contra Haniyeh e a possível resposta a Israel. O encontro está marcado para quarta-feira em Jedá, na Arábia Saudita.

Em conversa com representantes do G7, o grupo das sete principais economias democráticas do planeta, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse que um ataque poderia ocorrer entre segunda e terça-feira, e considerou que limitar as ações iranianas poderia ser crucial para evitar uma guerra mais ampla , segundo o site Axios.

Análise dos gestos iranianos
Contudo, analistas veem nos gestos iranianos sinais de que a resposta poderia levar mais tempo — em abril, foram 12 dias entre o ataque contra o consulado e os bombardeios contra Israel.

De acordo com o jornal Jerusalem Post, o Irã informou os israelenses, através da Hungria, que tomou a decisão de atacar, mas não disse quando.

— O Irã nos infoirmou que pretende atacar Israel — disse o chanceler, Israel Katz, em declarações ao jornal. — O mundo deve estipular um preço do Irã por qualquer ação agressiva que realize.

Os EUA anunciaram um reposicionamento de navios e o envio de 4 mil fuzileiros navais para o Oriente Médio, e houve discussões em nível ministerial entre os governos. No domingo, o ministro da Defesa, Yoav Gallant, conversou com o secretário de Defesa, Lloyd Austin, para o informar “sobre os desenvolvimentos na região e a preparação do Exército para defender Israel contra as potenciais ameaças vindas do Irã e seus aliados”.

Segundo a imprensa israelense, existe sobre a mesa de Benjamin Netanyahu um plano de um ataque preventivo contra o Irã e o Hezbollah, que poderia ser adotado se houver evidências de que uma ação de grande porte esteja prestes a ser lançada.

Em reportagem nesta segunda-feira, o jornal Yedioth Ahronoth destacou que essa opção só seria usada em último caso, jusramente por causa dos riscos que carrega consigo.

Nesta segunda-feira o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas israelenses, Herzi Halevi, aprovou planos para “diversos cenários” relacionados a possíveis ataques do Irã e do Hezbollah, sem detalhá-los.

Ataque do Hezbollah
Ao longo do fim de semana, o Hezbollah lançou ao menos 50 foguetes contra o território israelense, sendo que a maioria foi interceptada pelo sistema Domo de Ferro, enquanto alguns projéteis caíram em terrenos desabitados — os ataques foram uma resposta a bombardeios de Israel contra posições da milícia, que deixaram vários mortos, incluindo duas crianças.

Em outra frente, no Iraque, dois mísseis do tipo Katyusha foram lançados contra a base de al-Ain, que abriga forças dos EUA, causando estragos em uma unidade de armazenamento de combustível, mas sem deixar vítimas. Ações do tipo no país árabe, cometidos em boa parte por milícias apoiadas pelo Irã, são recorrentes.

Além da diplomacia e dos planos militares, as empresas aéreas que operam na região também montam planos de contingência. A Lufthansa, principal empresa alemã, suspenderá seus voos para Amã e Erbil, no Iraque, até o dia 7 de agosto, e para Teerã, Tel Aviv e Beirute até o dia 12 de agosto.

No fim de semana, outras empresas tomaram decisões semelhantes, incluindo a Turkish Airlines.

O governo jordaniano também emitiu um alerta para que as aeronaves que trafeguem pelo espaço aéreo do país levem combustível extra, que permita ao menos mais 45 minutos de voo, devido ao risco de suspensão das operações por questões de segurança.

As autoridades iranianas, por sua vez, emitiram uma ordem alertando para o risco de problemas nos sistemas de GPS no país.

Até o início da tarde, o sistema de monitoramento aéreo Flightradar24 não apontou grandes mudanças nas rotas que passam pela região.