Lula e Macron concordam na necessidade de evitar cenário "Guaidó 2" na Venezuela
Em conversa telefônica nesta segunda, presidente brasileiro informou ao francês que pretende realizar uma comunicação com Nicolás Maduro na quarta, junto aos presidentes da Colômbia e México
Em sua avaliação da crise política na Venezuela, os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da França, Emmanuel Macron, concordaram em vários pontos, confirmaram ao Globo fontes diplomáticas.
Entre esses pontos, está a necessidade de impedir um cenário similar ao que se instalou no país com a autoproclamação de Juan Guaidó, em 23 de janeiro de 2019, ou seja, uma situação na qual a Venezuela tenha dois presidentes, um chavista e um opositor, reconhecidos por diferentes países (no caso de Guaidó, pelos Estados Unidos e Brasil, entre outros).
No telefonema desta segunda-feira, explicaram as fontes, Macron expressou seu apoio à tentativa do Brasil de, junto aos governos da Colômbia e México, buscar espaços de diálogo que possam levar a uma eventual negociação entre o governo de Nicolás Maduro e seus opositores.
Na mesma conversa, o presidente brasileiro informou ao francês da possibilidade de uma conversa telefônica com Maduro nesta quarta, da qual também participariam os presidentes colombiano e mexicano, Gustavo Petro e Andrés Manuel López Obrador, respectivamente. O telefonema, assegurou uma fonte do governo brasileiro, “dependerá do impacto interno que terão as últimas ações da oposição”.
Uma dessas ações foi a divulgação de uma carta destinada a policiais e militares, na qual a líder opositora María Corina Machado e o candidato presidencial Edmundo González Urrutia afirmam que no último dia 28 de julho ocorreu no país “uma avalanche eleitoral, cheia de energia e com organização cidadã admirável, pacífica, democrática e com resultados irreversíveis. Agora nos corresponde a todos fazer respeitar a voz do povo. Procede, de imediato, a proclamação de Edmundo González Urrutia como presidente eleito da República”. O recado enviado pela oposição aos quartéis, frisou a fonte, poderia alterar o planejamento do governo brasileiro, que tem previsto o telefonema a quatro assim que Lula retornar de sua viagem ao Chile.
O temor de que a Venezuela passe a ter, a partir de 10 de janeiro de 2025 (dia das posses presidenciais no país), dois chefes de Estado, o que alguns já chamam de "Guaidó 2", vem crescendo entre representantes de governos da região. Para o Brasil, afirmaram fontes oficiais, “seria um cenário catastrófico”, e a estratégia é aproveitar as próximas semanas e meses para “encontrar caminhos que permitam estabelecer um espaço de diálogo e negociação entre as partes”. Em 23 de janeiro de 2019, Guaidó autoproclamou-se presidente numa praça de Caracas, com a presença de membros da Assembleia Nacional eleita em 2015, de maioria opositora.
Essa autoproclamação esteve baseada num suposto vazio de poder que, de acordo com a oposição, existia no país pela ilegitimidade da reeleição de Maduro no pleito de maio de 2018. Essa reeleição não foi reconhecida por seus opositores, que questionaram o resultado de uma eleição na qual não participaram, e tampouco por mais de 50 governos do mundo inteiro. Guaidó manteve um governo paralelo, com representantes diplomáticos em vários países e organismos internacionais, até janeiro de 2023.
O panorama na Venezuela é extremamente volátil e vertiginoso. Em Santiago, assessores do presidente Lula confirmaram que a intenção é realizar o telefonema a quatro na quarta-feira, quando a delegação retornar a Brasília. Mas as mesmas fontes admitiram que “estamos trabalhando com esse horizonte, mas teremos de ver como os últimos tuítes da oposição podem afetar [o planejamento]”.
Aproximação com Boric
Nesta segunda-feira, 33 ex-presidentes da América Latina e da Espanha pediram ao presidente que tenha uma posição mais enfática em defesa da democracia. Em carta enviada ao Palácio do Planalto, os ex-chefes de Estado afirmaram que Lyla deve declarar seu "inquestionável compromisso com a democracia e a liberdade".
Os ex-líderes fazem parte da Iniciativa Democrática da Espanha e das Américas (IDEA). Integram a lista os ex-presidentes Maurício Macri, da Argentina; Mario Abdo, do Paraguai; Felipe Calderón, do México; e André Pastrana, da Colômbia. Nenhum brasileiro está no grupo.
A visita oficial ao Chile foi avaliada pelas fontes como muito positivas, e houve alívio pela fala mais suave do presidente chileno, Gabriel Boric, quando se referiu à crise venezuelana. O chefe de Estado chileno não falou sobre o resultado divulgado pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), nem fez questionamentos ao processo eleitoral venezuelano.
O objetivo de Lula é que Boric se una ao grupo de países que trabalham para abrir um canal de diálogo entre Maduro e seus opositores. No caso do Chile, é complexo, porque as primeiras declarações do presidente chileno foram duras e levaram o governo da Venezuela a expulsar de Caracas todo o corpo diplomático do país.
Agora, o Brasil Lula busca suavizar a posição do Chile, e diminuir o grupo de países em pé de guerra com a Venezuela de Maduro. O Palácio Miraflores também expulsou os representantes de Argentina, Peru, Uruguai, Paraguai, Equador e Panamá. Brasil já assumiu oficialmente a representação da Argentina e do Peru no país.
— O respeito pela soberania popular é o que nos move a defender a transparência dos resultados. O compromisso com a paz é que nos leva a conclamar as partes ao diálogo e promover o entendimento entre governo e oposição — afirmou Lula, no Palácio de la Moneda.
Pressionado por outros governos, e enfrentando críticas internas a seus posicionamentos sobre Venezuela e, também, pelo polêmico comunicado do Partido dos Trabalhadores sobre a eleição venezuelana, o presidente tentou minimizar os questionamentos:
— A gente não pode querer que todo mundo fale a mesma coisa, pense a mesma coisa, nós não somos iguais. Nós somos diferentes e isso é extraordinário porque a diferença permite que a gente procure encontrar nossas similaridades, as coisas que nos ajudam.