Grito de Liberdade: Dona Patroa, de "Renascer", tem trajetória de muitas reviravoltas
Em "Renascer", Camila Morgado exalta novos momentos da trama de Dona Patroa
Camila Morgado começou “Renascer” focada em um tipo de construção para Dona Patroa. Porém, ao longo da trama adaptada por Bruno Luperi, a atriz foi se desfazendo de suas antigas referências e inspirações.
Com as mudanças no enredo da personagem, Camila vive um dia de cada vez para finalizar seu trabalho na atual novela das nove.
“A personagem passou por muitas coisas até aqui. É um arco dramático muito intenso. Ela já conseguiu passar pela fase mais difícil quando as mulheres vivem um relacionamento abusivo, que é o reconhecimento. A fase que ela entende que está num relacionamento assim e consegue sair, porque é muito difícil”, explica.
Nos últimos meses, Dona Patroa conseguiu dar um basta na situação. Cansada da relação abusiva com Egídio, papel de Vladimir Brichta, ela ir embora e tem o acolhimento da filha Sandra, de Giullia Buscacio.
É para a antiga casa de Jacutinga que Dona Patroa se muda, vivendo ao lado de Rachid, interpretado por Almir Sater. Com isso, ela também assume sua verdadeira identidade: Iolanda Fernandes de Brito.
“Toda essa relação com o Rachid funcionou muito bem. A torcida por eles é grande. É muito linda a relação deles, o trabalho do Almir está esplendoroso. E aí eu não sei o que vai acontecer...”, desconversa.
P – A trama de “Renascer” está chegando à reta final. Como você analisa a trajetória da Iolanda até o momento?
R – Um personagem muito bonito, simbólico para nós, mulheres. Um personagem que viveu em apagamento, que não tinha nem nome, era chamada de Dona Patroa.
Aí, de repente, ela começa a se enxergar como Iolanda. E, a partir disso, traçar todo esse arco dramático dessas mulheres que vivem na submissão.
Então, acho que a gente tá vivendo esse momento de Iolanda, de descoberta dela agora. Ela já conseguiu passar pela fase mais difícil quando as mulheres vivem um relacionamento abusivo, que é o reconhecimento. De ela entender que está num relacionamento assim e conseguir sair, porque é muito difícil.
A gente sabe os números de feminicídio, violência doméstica. E ela agora se encontra nessa fase de descobrimento, que mulher ela é.
P – De que forma o Rachid contribuiu para essa mudança da personagem ao longo dos capítulos?
R – O Rachid trouxe para ela um amor completamente diferente do que ela tinha. Teve uma cena muito bonita, que ela nem sabia do pertencimento do corpo dela. Ela faz tudo via comédia, mas não sabia que tinha uma perna bonita, seios... E ela começa a se descobrir como mulher e a sentir desejo, real. A gente vê a Iolanda muito quente, amorosa.
P – Apesar de trazer discussões dramáticas, a Iolanda teve uma construção por um viés cômico muito forte. Como esse toque de humor chegou até a personagem?
R – Eu amo fazer comédia. Adoro mesmo, mas me chamam mais para papéis dramáticos. Principalmente na televisão. Acho que muito por conta da minha estreia em “A Casa das Sete Mulheres” e, logo depois, fiz “Olga”.
Acho que fiquei muito marcada e reconhecida pelos personagens dramáticos. Mas acho que a Dona Patroa faz uma mistura boa. Tivemos a comédia, mas daqui a pouco a personagem entra em um arco dramático novamente. Ela vai mudando a temperatura a cada semana. Gosto que a Dona Patroa seja um personagem popular.
P – Por quê?
R – Quase não me chamam para papéis populares. Apesar de novela ser um produto popular, meus personagens não eram. E eu gosto porque me identifico, vejo minha família e me inspiro neles. Acho que a comédia foi um bom canal de comunicação com o público. A comédia pega mesmo.
P – A personagem, no entanto, enfrentou algumas críticas por parte do público. Como você lidou com esses questionamentos?
R – Não tem jeito, né? Na nossa profissão a gente dá a cara a tapa mesmo. Sempre vão falar. Eu escutei muito sobre o sotaque ser forçado. Mas eu sou uma farsa. Não sou baiana. Não tenho o que fazer. O que eu faço? Peço licença para interpretar uma personagem que vem de Ilhéus.
Vou fazer com o pouco que sei. Sei que acharam exagerada também, mas eu senti que a personagem dava essa liberdade. Ouvi uma vez que o sotaque da Buba está horrível, mas, gente, a personagem nem é baiana (risos).
Internet é um pouco terra de ninguém. Aprendi a conviver com essas crítica e comentários. Já falaram tanta coisa ao longo desses anos.
P – Tipo quais?
R – Na época da “Casa das Sete Mulheres”, li um comentário que era “o que essa espiga de milho está fazendo na tevê?”. Eu tinha um cabelo ruivo e falavam que parecia uma espiga de milho.
Depois disso falei que nunca mais iria olhar essas coisas. De vez em quando, não tem jeito. A gente olha, mas sei trabalhar com o que é realmente crítica construtiva.
P – Apesar de ter uma carreira muito sólida na tevê, você sempre esteve bastante atuante nos palcos. Qual a importância do teatro na sua trajetória?
R – Eu gosto muito de ter começado minha carreira no teatro. Me orgulho muito disso porque me deu muita base. Estudei com pessoas muito legais e que me ensinaram muito.
Meu começo na tevê, na verdade, foi meio inesperado. Começou de uma forma que eu jamais imaginaria. Nunca pensei que fosse começar com um personagem daquele tamanho. Levou um tempo para a ficha cair. Foi uma trajetória boa e que foi amadurecendo. Hoje me sinto mais madura em cena.
Tenho um trabalho mais maduro e consistente. Antes a gente tinha preocupações demais. Hoje entendo que dá para ter mais calma. A gente adquiri uma sabedoria.
Quando se é jovem se tem muita ansiedade, prepotência. O jovem acha que não vai errar e não é assim, né? Aceito os erros e aprendo com eles.
P – Para finalizar, você torce por algum final para a Iolanda?
R – Eu já conversei com o Bruno (sobre o desfecho), mas a gente não sabe o que vai acontecer, está bem aberto. O meu personagem é muito diferente da versão original, até a questão da comédia, que foi mais forte, da religiosidade.
Esse final, que a gente não sabe com quem ela vai acabar e pode ser que sozinha. E acho isso bom, fazer essa trajetória de uma mulher que é desejada, é desejante, tem uma vida sexual ativa.
E que pode viver sozinha sim e ser muito feliz. E hoje em dia é uma realidade de muitas mulheres. Como a personagem é tão simbólica, acho importante uma mulher conquistar a liberdade dela pelas próprias mãos.
Eu posso estar com um homem se eu quiser, se eu não quiser, não.
"Renascer" – Globo – Segunda a sábado, às 21h30.
Outros caminhos
Apesar de integrar o elenco de um remake, Camila Morgado viu sua personagem desenhar um caminho muito diferente da versão original.
O papel vivido pela atriz enveredou por discussões e temáticas completamente inéditas em relação ao trabalho encabeçado por Eliane Giardini na década de 1990.
“Não tinha essa questão da religiosidade. Hoje em dia, toda essa submissão seria encarada de uma forma diferente. Então, fomos por essa linha da culpa e do pecado”, afirma.
Para compor a personagem, Camila buscou referências no livro “O Grito de Eva”, que aborda a violência doméstica dentro do ambiente religioso.
“Não estamos falando mal da religiosidade ou da fé. Mas é mostrar como não é apenas orando que a mulher vai acabar com aquela rotina de violência. O buraco é mais embaixo”, explica.
De surpresa
Há tantos anos diante das câmeras, Camila Morgado ainda se surpreende com certas situações profissionais. Recentemente, a atriz foi uma das estrelas da primeira temporada de “Bom Dia, Verônica”, original Netflix.
O papel, no entanto, chegou de forma surpreendente para a atriz. “Eu estava escala para fazer outra personagem que acabou não acontecendo.
A personagem da Janete seria mais nova. Não sei o que aconteceu que a idade foi baixando. Me falaram que determinada atriz não poderia e ela tinha a minha idade. Me ofereci para o papel então. Têm personagens que escolhem você. Vão chegando...”, acredita.