Saúde

Mpox: nova cepa 'tem potencial de se espalhar globalmente', alerta epidemiologista

Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças da África (CDC Africa), continente vive uma alta de 160% nos casos da doença em relação a 2023

O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus - Fabrice Coffrini / AFP

O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde ( OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse, nesta quarta-feira, que um comitê do órgão vai se reunir “o mais breve possível” para avaliar se a alta de casos de Mpox na África.

Causados por uma cepa mais grave do vírus, e o risco de uma nova disseminação global representam uma emergência de saúde pública de importância internacional, o nível mais alto de alerta da organização.

Em entrevista recente ao GLOBO, o diretor executivo da Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias (CEPI), Richard Hatchett, que esteve no Rio de Janeiro no fim de julho para a 2º Cúpula Global de Preparação para Pandemias, já havia feito um alerta sobre os riscos de uma nova propagação da Mpox.

— A Mpox é uma doença que foi amplamente vista na Nigéria e na África Central, particularmente na República Democrática do Congo (RDC), mas rara por um longo tempo. O que mudou e resultou no aumento global em 2022 foi que o vírus encontrou seu caminho por redes de transmissão sexual. Era uma questão de tempo até que, como o HIV, essas redes começassem a se conectar em uma transmissão global — explicou o epidemiologista, e continuou.

— Mas temos dois clados (cepas) do vírus, o que causou o surto de 2022 é o menos virulento, da Nigéria. Já a forma da doença na República Democrática do Congo (RDC) tem uma taxa de mortalidade que pode ser até 10 vezes maior. E o preocupante neste momento é que esse outro clado também encontrou seu caminho para a transmissão sexual. Então estamos olhando para uma potencial bomba-relógio em que a forma mais perigosa da doença agora tem o potencial de explodir e se espalhar globalmente.

Durante uma coletiva nesta quarta-feira, o diretor da OMS citou que, embora a Mpox seja endêmica na RDC, o país vive um surto neste ano que já deixa mais de 14 mil infectados e 511 mortos.

Para comparação, a disseminação global em 2022, que atingiu todos os continentes habitados, provocou 85 mil casos, mas somente pouco mais de 120 óbitos naquele ano.

— Surtos de Mpox têm sido registrados na RDC há décadas, e o número de casos registrados a cada ano tem aumentado de forma constante. No entanto, o número de casos registrados nos primeiros seis meses deste ano é igual ao número registrado em todo o ano passado, e o vírus se espalhou para províncias anteriormente não afetadas — acrescentou Tedros Adhanom.

Além disso, no último mês, cerca de 50 casos confirmados e mais outros suspeitos foram relatados em quatro países vizinhos que não tinham registros de Mpox: Burundi, Quênia, Ruanda e Uganda.

Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças da África (CDC Africa), o continente vive uma alta de 160% nos diagnósticos em relação a 2023 – que, por sua vez, teve 60% de registros a mais do que em 2022.

Jean Kaseya, diretor-geral da organização, disse numa coletiva nesta quinta-feira que o CDC Africa “provavelmente” vai declarar um cenário de emergência de saúde pública no continente na próxima semana.

A medida facilitaria o acesso a financiamento e ferramentas para combater a epidemia, como as vacinas. Segundo o órgão, pelo menos 16 dos 55 africanos estão afetados.

Uma preocupação é justamente que a cepa que se dissemina agora não é a mesma do surto mundial de 2022. A Mpox é uma doença semelhante à varíola erradicada em 1980, embora mais rara e geralmente mais leve.

Existem duas principais cepas conhecidas do vírus, uma associada à África Central na região do Congo (que era chamada de Central African clade ou Clado do Congo) e outra à África Ocidental na região da Nigéria (chamada de West African clade ou Clado da Nigéria).

Elas foram renomeadas, respectivamente, para Clado 1 e Clado 2, no final de 2022, no mesmo movimento que trocou o nome da doença de varíola dos macacos para Mpox.

O surto mundial daquele ano foi provocado pelo Clado 2, que é mais leve, com taxa de mortalidade de cerca de 1%. Já o Clado 1 tem uma letalidade de aproximadamente 10%, segundo os registros anteriores.

E o surto atual na RDC é causado por uma nova ramificação do Clado 1, chamada de Clado 1b, “que causa uma doença mais grave do que o Clado 2”, confirmou o diretor-geral da OMS. — O Clado 1b (também) foi confirmado no Quênia, Ruanda e Uganda, enquanto em Burundi ainda está sendo analisado — continuou.

Em abril de 2023, a OMS já havia alertado que essa nova cepa do Clado 1, assim como ocorreu com o 2 na disseminação global, foi ligada pela primeira vez à transmissão por meio de relações sexuais.

Em uma avaliação do surto, de junho, a organização disse que a "transmissão comunitária sustentada (...) impulsionada pela transmissão sexual e outras formas de contato físico próximo" fazem o risco ser alto no país.

— Dada a propagação da Mpox fora da República Democrática do Congo (RDC) e a possibilidade de uma nova propagação internacional dentro e fora da África, decidi convocar um comitê de emergência para me aconselhar sobre se a epidemia constitui uma emergência de saúde pública de interesse internacional. O comitê irá se reunir o mais rápido possível — declarou Tedros Adhanom.

Sobre a vacinação, o diretor-geral da OMS esclareceu que há dois imunizantes aprovados pelas autoridades regulatórias e que são recomendadas pelo Grupo Consultivo Estratégico de Especialistas em Imunização da OMS, o SAGE.

— Acionei o processo de Listagem de Uso Emergencial de ambas as vacinas, o que acelerará o acesso à vacina, especialmente para países de baixa renda, que ainda não emitiram sua própria aprovação regulatória nacional. A Listagem de Uso Emergencial também permite que parceiros como a Gavi e o UNICEF adquiram vacinas para distribuição — disse.